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segunda-feira, 25 de outubro de 2010

VOTO PELA DEMOCRACIA

D. Demétrio Valentini

Esta campanha eleitoral, que está se concluindo, introduziu um fator novo, que compromete o exercício da própria democracia.

De maneira completamente impune, foi armado todo um esquema de demolição de uma candidatura, valendo-se da calúnia, difamação, mentira, e toda sorte de falácias enganadoras, sob o anonimato da intertet, e sem nenhuma ação da justiça eleitoral, que ignorou este fator como se ele não fosse altamente prejudicial para a prática da democracia.

Este fator precisa ser neutralizado pela força do voto. De tal modo que, nestas eleições, está em causa não só a Presidência da República, mas sobretudo a salvaguarda do próprio processo democrático.

Antes de indicar a Presidência, nosso voto precisa expressar o repúdio a esses procedimentos antidemocráticos, usados impunemente para demolir a imagem de uma candidatura, na tentativa de inviabilizá-la eleitoralmente.

Este o fato. Se este procedimento prosperar, o processo eleitoral fica seriamente comprometido. As campanhas eleitorais se reduzirão à corrida para ver quem primeiro elimina impunemente o seu adversário.

A única arma para combater esta dinâmica deletéria é o próprio voto. E´ pelo voto que se frustram os intentos de eliminar arbitrariamente uma candidatura, valendo-se de expedientes difamatórios, caluniosos e injustos.

Cabe ao eleitor identificar qual a candidatura que foi vítima deste intento fascista. Pessoalmente, deixo ao eleitor a resposta a esta questão. Mesmo reconhecendo que este procedimento sujo e desonesto acabou abalando a consciência de muitas pessoas simples, que ficaram atordoadas, pela insistência das acusações e por sua gravidade. Mas prefiro apostar na capacidade de discernimento dos eleitores, e no bom senso que finalmente vai prevalecer, pois a mentira tem perna curta, e pelo visto, o feitiço virou contra o feiticeiro.

Desta vez, portanto, com o voto, em primeiro lugar vamos desfazer o intento de quem procurou demolir uma candidatura. Esta candidatura acabou se tornando símbolo do repúdio a procedimentos que precisam ser extirpados. Votando nela, votamos contra as falácias desta campanha. Assim o voto adquire dupla finalidade.

Na verdade, além deste duplo valor do voto nesta eleição, ele tem uma terceira tarefa: reprovar de vez o intento de instrumentalizar a religião para fins eleitorais. Este também é um expediente que precisa ser extirpado do processo eleitoral brasileiro. E´ urgente rasgar as máscaras de muitos fariseus, que utilizam causas e posições religiosas para fins eleitorais, pretendendo-se detentores de poderes sagrados para manipular a consciência dos eleitores. Está mais do que na hora de abolir de vez este procedimento que já está ultrapassado há séculos.

Faço votos que tenhamos a lucidez de perceber o valor agregado que desta vez o voto vai assumir. E estejamos todos prontos para que, passado o processo eleitoral, possamos tirar desta campanha lições práticas que precisam ser transformadas em normas reguladoras das futuras eleições no Brasil. Para que, apesar de tudo, a democracia saia fortalecida!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

CARTA ABERTA DE PE. JOSÉ COMBLIN A DOM DEMETRIO

Querido dom Demétrio
Quero publicamente agradecer-lhe as suas palavras esclarecedoras sobre a manipulação da religião católica no final da campanha eleitoral pela difusão de uma mensagem dos três bispos da comissão representativa do regional Sul I da CNBB condenando a candidata do atual governo e proibindo que os católicos votem nela. Graças ao senhor, sabemos que essa divulgação do documento da diretoria de Sul 1 não foi expressão da vontade da CNBB, mas contraria a decisão tomada pela CNBB na sua ultima assembléia geral, já que esta tinha decidido que os bispos não iam intervir nas eleições. Sabemos agora que o documento dos bispos da diretoria do regional Sul 1 foi divulgado no final de agosto, e durante quase um mês permaneceu ignorado pela imensa maioria do povo brasileiro. Agora, dois dias antes das eleições, um grupo a serviço da campanha eleitoral de um candidato, numa manobra de evidente e suja manipulação, divulgou com abundantes recursos e muito barulho esse documento, criando uma tremenda confusão em muitos eleitores. Pela maneira como esse documento foi apresentado, comentado e divulgado, dava-se a entender que o episcopado brasileiro proibia que os católicos votasse nos candidatos do PT e, sobretudo na sua candidata para a presidência. Dois dias antes das eleições os acusados já não podiam mais reagir, apresentar uma defesa ou uma explicação. Aos olhos do público a Igreja estava dando o golpe que sempre se teme na véspera das eleições, quando se divulga um suposto escândalo de um candidato. Era um golpe sujo por parte dos manipuladores, já que dava a impressão de que o golpe vinha dessa feita da própria Igreja.
Se os bispos que assinaram o documento de agosto, não protestam contra a manipulação que se fez do seu documento, serão cúmplices da manipulação e aos olhos do público serão vistos como cabos eleitorais.
Se a CNBB não se pronuncia publicamente com muita clareza sobre essa manipulação do documento por grupos políticos sem escrúpulos, será cúmplice de que dezenas de milhões de católicos irão agora, no segundo turno votar pensando que estão desobedecendo aos bispos. Seria uma primeira experiência de desobediência coletiva imensa, um precedente muito perigoso. Além disso, certamente afetará a credibilidade da Igreja Católica na sociedade civil, o que não gostaríamos de ver nesta época em que ela já está perdendo tantos fiéis.
Se o episcopado católico deixa a impressão de que a divulgação desse documento nessa circunstância representa a voz da Igreja com relação às eleições deste ano, muitos vão entender que isso significa uma intervenção dos bispos católicos para defender o candidato das elites paulistanas contra a candidata dos pobres. Os pobres têm muita sensibilidade e sentem muito bem o que há na consciência dessas elites. Sabem muito bem quem está com eles e quem está contra eles. Vão achar que a questão do aborto é apenas um pretexto que esconde uma questão social, o desprezo das elites, sobretudo de São Paulo pela massa dos pobres deste país. Milhões de pobres votaram e vão votar na candidata do governo porque a sua vida mudou. Por primeira vez na história do país viram que um governo se interessava realmente por eles e não somente por palavras. Não foi somente uma melhoria material, mas antes de tudo o acesso a um sentimento de dignidade. “Por primeira vez um governo percebeu que nós existimos”. Isso é o que podemos ouvir da boca dos pobres todos os dias. Um povo que tinha vergonha de ser pobre descobriu a dignidade. Por isso o voto dos pobres, este ano, é um ato de dignidade. As elites não podem entender isso. Mas quem está no meio do povo, entende.
Os bispos podem lembrar-se de que a Igreja é na Europa o que é, porque durante mais de 100 anos os bispos tomaram sempre posição contra os candidatos dos pobres, dos operários. Sempre estavam ao lado dos ricos sob os mais diversos pretextos. E no fim aconteceu o que podemos ver. Abandonaram a Igreja. Cuidado! Que não aconteça a mesma coisa por aqui! Os pobres sabem, são conscientes e sentem muito bem quando são humilhados. Não esperavam uma humilhação por parte da Igreja. Por isso, é urgente falar para eles.
Uma declaração clara da CNBB deve tranqüilizar a consciência dos pobres deste país. Sei muito bem que essa divulgação do documento na forma como foi feita, não representa a vontade dos bispos do regional Sul 1 e muito menos a vontade de todos os bispos do Brasil. Mas a maioria dos cidadãos não o sabe e fica perturbados ou indignados por essa propaganda que houve.
Não quero julgar o famoso documento. Com certeza os redatores agiram de acordo com a sua consciência. Mas não posso deixar de pensar que essa manipulação política que foi a divulgação do seu documento na véspera das eleições, dava a impressão de que estavam reduzindo o seu ministério à função de cabo eleitoral. O bispo não foi ordenado para ser cabo eleitoral. Se não houver um esclarecimento público, ficará a imagem de uma igreja conivente com as manobras espúrias
Dom Demétrio, o senhor fez jus à sua fama de homem leal, aberto, corajoso e comprometido com os pobres e os leigos deste país. Por isso, o senhor merece toda a gratidão dos católicos que querem uma Igreja clara, limpa, aberta, dialogante. Demonizar a candidata do governo como se fez, baseando-se em declarações que não foram claras, é uma atitude preconceituosa totalmente anti evangélica. Queremos continuar confiando nos nossos bispos e por isso aguardamos palavras claras. Obrigado, dom Demétrio.
José Comblin, padre e pecador.
5 de outubro de 2010

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

ELEIÇÕES - Outubro/2010

O FATO RELEVANTE - 26.09.10

D. Demétrio Valentini

Nestas eleições um fato novo está acontecendo. Fato verdadeiramente relevante. Mas que não precisa ser publicado na grande imprensa. Aliás, o fato relevante consiste exatamente nisto: o povo já não se guia pelos “fatos relevantes” publicados pela mídia. A grande imprensa perdeu o poder de criar a “opinião pública”.
A “opinião pública” não coincide mais com a “opinião publicada”.
O povo encontrou outros caminhos para chegar às suas próprias opiniões, e traduzi-las em suas opções eleitorais.
Já houve eleições que mudaram de rumo por causa do impacto produzido pela divulgação de “fatos relevantes”, tidos assim porque assim divulgados pela grande imprensa.
Agora, a grande imprensa fica falando sozinha, enquanto o povo vai tomando suas decisões.
Bem que ela insiste em lançar fatos novos, na evidente tentativa de influenciar os eleitores, e mudar o rumo das eleições. Mas não encontram mais eco. São como foguetes pífios, que explodem sem produzir ruído.
A reiterada publicação de fatos, que ainda continua, já não encontra sua justificativa nas reações suscitadas, que inexistem. Assim, as publicações necessitam se apoiar mutuamente, uma confirmando o que divulga a outra, mostrando-se interdependentes mais que duas irmãs siamesas, tal a impressão que deixam, por exemplo, determinado jornal e determinada revista.
Esta autonomia frente à grande imprensa, se traduz também em liberdade diante das recomendações de ordem autoritária. Elas também já não influenciam. Ao contrário, parecem produzir efeito contrário. Quanto mais o bispo insiste, mais o povo vota contra a opinião do bispo.
Este também é um “fato relevante”, às avessas. Não pela intervenção da Igreja no processo eleitoral. Mas pela constatação de que o povo dispensa suas recomendações, e faz questão de usar sua liberdade.
Este “fato relevante” antecede o próprio resultado eleitoral, e pode se tornar ponto de partida para um processo político muito promissor. O povo brasileiro mostra que já aprendeu a formar sua opinião a partir de “fatos concretos”, que ele experimenta no dia a dia, dos quais ele próprio é sujeito. Já passou o tempo das falácias divulgadas pela imprensa, onde o povo era reduzido a mero expectador.
Em tempos de eleições, como agora, fica mais fácil o povo identificar em determinadas candidaturas a concretização da nova situação que passou a viver nos últimos anos. Mas para consolidar esta mudança, e atingir um patamar de maior responsabilidade política, certamente será necessário trabalhar estes espaços novos de autonomia e de participação, que o povo começou a experimentar.
Temos aí o ponto de partida para engatar bem a proposta de uma urgente reforma política, e também de outras reformas estruturais, indispensáveis para superar os gargalos que impedem a implementação de um processo democrático amplo e eficaz.
O fato novo, a boa notícia, não consiste só em saber quem estará na Presidência da República, nos Governos Estaduais, e nos parlamentos nacionais e estaduais. A boa notícia é que o povo se mostra disposto a tomar posição e assumir o seu destino de maneira soberana e responsável.