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quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Discurso do Santo Padre Francisco aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares

Bom dia de novo. Eu estou contente por estar no meio de vocês. Aliás, vou lhes fazer uma confidência: é a primeira vez que eu desço aqui [na Aula Velha do Sínodo], nunca tinha vindo.****************************************************** Como lhes dizia, tenho muita alegria e lhes dou calorosas boas-vindas. Obrigado por terem aceitado este convite para debater tantos graves problemas sociais que afligem o mundo hoje, vocês, que sofrem em carne própria a desigualdade e a exclusão. Obrigado ao cardeal Turkson pela sua acolhida. Obrigado, Eminência, pelo seu trabalho e pelas suas palavras. Este encontro de Movimentos Populares é um sinal, é um grande sinal: vocês vieram colocar na presença de Deus, da Igreja, dos povos, uma realidade muitas vezes silenciada. Os pobres não só padecem a injustiça, mas também lutam contra ela! Não se contentam com promessas ilusórias, desculpas ou pretextos. Também não estão esperando de braços cruzados a ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou, se chegam, chegam de maneira que vão em uma direção ou de anestesiar ou de domesticar. Isso é meio perigoso. Vocês sentem que os pobres já não esperam e querem ser protagonistas, se organizam, estudam, trabalham, reivindicam e, sobretudo, praticam essa solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem, entre os pobres, e que a nossa civilização parece ter esquecido ou, ao menos, tem muita vontade de esquecer. Solidariedade é uma palavra que nem sempre cai bem. Eu diria que, algumas vezes, a transformamos em um palavrão, não se pode dizer; mas é uma palavra muito mais do que alguns atos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Também é lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra e de moradia, a negação dos direitos sociais e trabalhistas. É enfrentar os destrutivos efeitos do Império do dinheiro: os deslocamentos forçados, as migrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a transformar. A solidariedade, entendida em seu sentido mais profundo, é um modo de fazer história, e é isso que os movimentos populares fazem. Este encontro nosso não responde a uma ideologia. Vocês não trabalham com ideias, trabalham com realidades como as que eu mencionei e muitas outras que me contaram... têm os pés no barro, e as mãos, na carne. Têm cheiro de bairro, de povo, de luta! Queremos que se ouça a sua voz, que, em geral, se escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque o seu grito incomoda, talvez porque se tem medo da mudança que vocês reivindicam, mas, sem a sua presença, sem ir realmente às periferias, as boas propostas e projetos que frequentemente ouvimos nas conferências internacionais ficam no reino da ideia, é meu projeto. Não é possível abordar o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e convertam os pobres em seres domesticados e inofensivos. Como é triste ver quando, por trás de supostas obras altruístas, se reduz o outro à passividade, se nega ele ou, pior, se escondem negócios e ambições pessoais: Jesus lhes chamaria de hipócritas. Como é lindo, ao contrário, quando vemos em movimento os Povos, sobretudo os seus membros mais pobres e os jovens. Então, sim, se sente o vento da promessa que aviva a esperança de um mundo melhor. Que esse vento se transforme em vendaval de esperança. Esse é o meu desejo. Este encontro nosso responde a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe quer para os seus filhos; um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que hoje vemos com tristeza cada vez mais longe da maioria: terra, teto e trabalho. É estranho, mas, se eu falo disso para alguns, significa que o papa é comunista. Não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho – isso pelo qual vocês lutam – são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada raro, é a doutrina social da Igreja. Vou me deter um pouco sobre cada um deles, porque vocês os escolheram como tema para este encontro. Terra. No início da criação, Deus criou o homem, guardião da sua obra, encarregando-o de cultivá-la e protegê-la. Vejo que aqui há dezenas de camponeses e camponesas, e quero felicitá-los por cuidar da terra, por cultivá-la e por fazer isso em comunidade. Preocupa-me a erradicação de tantos irmãos camponeses que sobrem o desenraizamento, e não por guerras ou desastres naturais. A apropriação de terras, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos inadequados são alguns dos males que arrancam o homem da sua terra natal. Essa dolorosa separação, que não é só física, mas também existencial e espiritual, porque há uma relação com a terra que está pondo a comunidade rural e seu modo de vida peculiar em notória decadência e até em risco de extinção. A outra dimensão do processo já global é a fome. Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso é um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável. Eu sei que alguns de vocês reivindicam uma reforma agrária para solucionar alguns desses problemas, e deixem-me dizer-lhes que, em certos países, e aqui cito o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, "a reforma agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral" (CDSI, 300). Não sou só eu que digo isso. Está no Compêndio da Doutrina Social da Igreja. Por favor, continuem com a luta pela dignidade da família rural, pela água, pela vida e para que todos possam se beneficiar dos frutos da terra. Em segundo lugar, teto. Eu disse e repito: uma casa para cada família. Nunca se deve esquecer de que Jesus nasceu em um estábulo porque na hospedagem não havia lugar, que a sua família teve que abandonar o seu lar e fugir para o Egito, perseguida por Herodes. Hoje há tantas famílias sem moradia, ou porque nunca a tiveram, ou porque a perderam por diferentes motivos. Família e moradia andam de mãos dadas. Mas, além disso, um teto, para que seja um lar, tem uma dimensão comunitária: e é o bairro... e é precisamente no bairro onde se começa a construir essa grande família da humanidade, a partir do mais imediato, a partir da convivência com os vizinhos. Hoje, vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades que oferecem inúmeros prazeres e bem-estar para uma minoria feliz... mas se nega o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e eles são chamados, elegantemente, de "pessoas em situação de rua". É curioso como no mundo das injustiças abundam os eufemismos. Não se dizem as palavras com a contundência, e busca-se a realidade no eufemismo. Uma pessoa, uma pessoa segregada, uma pessoa apartada, uma pessoa que está sofrendo a miséria, a fome, é uma pessoa em situação de rua: palavra elegante, não? Vocês, busquem sempre, talvez me equivoque em algum, mas, em geral, por trás de um eufemismo há um crime. Vivemos em cidades que constroem torres, centros comerciais, fazem negócios imobiliários... mas abandonam uma parte de si nas margens, nas periferias. Como dói escutar que os assentamentos pobres são marginalizados ou, pior, quer-se erradicá-los! São cruéis as imagens dos despejos forçados, dos tratores derrubando casinhas, imagens tão parecidas às da guerra. E isso se vê hoje. Vocês sabem que, nos bairros populares, onde muitos de vocês vivem, subsistem valores já esquecidos nos centros enriquecidos. Os assentamentos estão abençoados com uma rica cultura popular: ali, o espaço público não é um mero lugar de trânsito, mas uma extensão do próprio lar, um lugar para gerar vínculos com os vizinhos. Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os diferentes e que fazem dessa integração um novo fator de desenvolvimento. Como são lindas as cidades que, ainda no seu desenho arquitetônico, estão cheias de espaços que conectam, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro. Por isso, nem erradicação, nem marginalização: é preciso seguir na linha da integração urbana. Essa palavra deve substituir completamente a palavra erradicação, desde já, mas também esses projetos que pretendem envernizar os bairros populares, ajeitar as periferias e maquiar as feridas sociais, em vez de curá-las, promovendo uma integração autêntica e respeitosa. É uma espécie de direito arquitetura de maquiagem, não? E vai por esse lado. Sigamos trabalhando para que todas as famílias tenham uma moradia e para que todos os bairros tenham uma infraestrutura adequada (esgoto, luz, gás, asfalto e continuo: escolas, hospitais ou salas de primeiros socorros, clube de esportes e todas as coisas que criam vínculos e que unem, acesso à saúde – já disse – e à educação e à segurança. Terceiro, trabalho. Não existe pior pobreza material – urge-me enfatizar isto –, não existe pior pobreza material do que a que não permite ganhar o pão e priva da dignidade do trabalho. O desemprego juvenil, a informalidade e a falta de direitos trabalhistas não são inevitáveis, são o resultado de uma prévia opção social, de um sistema econômico que coloca os lucros acima do homem, se o lucro é econômico, sobre a humanidade ou sobre o homem, são efeitos de uma cultura do descarte que considera o ser humano em si mesmo como um bem de consumo, que pode ser usado e depois jogado fora. Hoje, ao fenômeno da exploração e da opressão, soma-se uma nova dimensão, um matiz gráfico e duro da injustiça social; os que não podem ser integrados, os excluídos são resíduos, "sobrantes". Essa é a cultura do descarte, e sobre isso gostaria de ampliar algo que não tenho por escrito, mas que lembrei agora. Isso acontece quando, no centro de um sistema econômico, está o deus dinheiro e não o homem, a pessoa humana. Sim, no centro de todo sistema social ou econômico, tem que estar a pessoa, imagem de Deus, criada para que fosse o denominador do universo. Quando a pessoa é deslocada e vem o deus dinheiro, acontecesse essa inversão de valores. E, para explicitar, lembro um ensinamento de cerca do ano 1200. Um rabino judeu explicava aos seus fiéis a história da torre de Babel e, então, contava como, para construir essa torre de Babel, era preciso fazer muito esforço, era preciso fazer os tijolos; para fazer os tijolos, era preciso fazer o barro e trazer a palha, e amassar o barro com a palha; depois, cortá-lo em quadrados; depois, secá-lo; depois, cozinhá-lo; e, quando já estavam cozidos e frios, subi-los, para ir construindo a torre. Se um tijolo caía – o tijolo era muito caro –, com todo esse trabalho, se um tijolo caía, era quase uma tragédia nacional. Aquele que o deixara cair era castigado ou suspenso, ou não sei o que lhe faziam. E se um operário caía não acontecia nada. Isso é quando a pessoa está a serviço do deus dinheiro, e isso era contado por um rabino judeu no ano 1200, explicando essas coisas horríveis. E, a respeito do descarte, também temos que estar um pouco atentos ao que acontece na nossa sociedade. Estou repetindo coisas que disse e que estão na Evangelii gaudium. Hoje em dia, descartam-se as crianças porque a taxa de natalidade em muitos países da terra diminuiu, ou se descartam as crianças porque não se ter alimentação, ou porque são mortas antes de nascerem, descarte de crianças. Descartam-se os idosos, porque, bom, não servem, não produzem. Nem crianças nem idosos produzem. Então, sistemas mais ou menos sofisticados vão os abandonando lentamente. E agora como é necessário, nesta crise, recuperar um certo equilíbrio. Estamos assistindo a um terceiro descarte muito doloroso, o descarte dos jovens. Milhões de jovens. Eu não quero dizer o dado, porque não o sei exatamente, e a que eu li parece um pouco exagerado, mas milhões de jovens descartados do trabalho, desempregados. Nos países da Europa – e estas são estatísticas muito claras –, aqui na Itália, passou um pouquinho dos 40% de jovens desempregados. Sabem o que significa 40% de jovens? Toda uma geração, anular toda uma geração para manter o equilíbrio. Em outro país da Europa, está passando os 50% e, nesse mesmo país dos 50%, no sul são 60%. São dados claros, ou seja, do descarte. Descarte de crianças, descarte de idosos, que não produzem, e temos que sacrificar uma geração de jovens, descarte de jovens, para poder manter e reequilibrar um sistema em cujo centro está o deus dinheiro, e não a pessoa humana. Apesar disso, a essa cultura de descarte, a essa cultura dos sobrantes, muitos de vocês, trabalhadores excluídos, sobrantes para esse sistema, foram inventando o seu próprio trabalho com tudo aquilo que parecia não poder dar mais de si mesmo... mas vocês, com a sua artesanalidade que Deus lhes deu, com a sua busca, com a sua solidariedade, com o seu trabalho comunitário, com a sua economia popular, conseguiram e estão conseguindo... E, deixem-me dizer isto, isso, além de trabalho, é poesia. Obrigado. Desde já, todo trabalhador, esteja ou não no sistema formal do trabalho assalariado, tem direito a uma remuneração digna, à segurança social e a uma cobertura de aposentadoria. Aqui há papeleiros, recicladores, vendedores ambulantes, costureiros, artesãos, pescadores, camponeses, construtores, mineiros, operários de empresas recuperadas, todos os tipos de cooperativados e trabalhadores de ofícios populares que estão excluídos dos direitos trabalhistas, aos quais é negada a possibilidade de se sindicalizar, que não têm uma renda adequada e estável. Hoje, quero unir a minha voz à sua e acompanhá-los na sua luta. Neste encontro, também falaram da Paz e da Ecologia. É lógico: não pode haver terra, não pode haver teto, não pode haver trabalho se não temos paz e se destruímos o planeta. São temas tão importantes que os Povos e suas organizações de base não podem deixar de debater. Não podem deixar só nas mãos dos dirigentes políticos. Todos os povos da terra, todos os homens e mulheres de boa vontade têm que levantar a voz em defesa desses dois dons preciosos: a paz e a natureza. A irmã mãe Terra, como chamava São Francisco de Assis. Há pouco tempo, eu disse, e repito, que estamos vivendo a terceira guerra mundial, mas em cotas. Há sistemas econômicos que, para sobreviver, devem fazer a guerra. Então, fabricam e vendem armas e, com isso, os balanços das economia que sacrificam o homem aos pés do ídolo do dinheiro, obviamente, ficam saneados. E não se pensa nas crianças famintas nos campos de refugiados, não se pensa nos deslocamentos forçados, não se pensa nas moradias destruídas, não se pensa, desde já, em tantas vidas ceifadas. Quanto sofrimento, quanta destruição, quanta dor. Hoje, queridos irmãos e irmãs, se levanta em todas as partes da terra, em todos os povos, em cada coração e nos movimentos populares, o grito da paz: nunca mais a guerra! Um sistema econômico centrado no deus dinheiro também precisa saquear a natureza, saquear a natureza, para sustentar o ritmo frenético de consumo que lhe é inerente. As mudanças climáticas, a perda da biodiversidade, o desmatamento já estão mostrando seus efeitos devastadores nos grandes cataclismos que vemos, e os que mais sofrem são vocês, os humildes, os que vivem perto das costas em moradias precárias, ou que são tão vulneráveis economicamente que, diante de um desastre natural, perdem tudo. Irmãos e irmãs, a criação não é uma propriedade da qual podemos dispor ao nosso gosto; muito menos é uma propriedade só de alguns, de poucos: a criação é um dom, é um presente, um dom maravilhoso que Deus nos deu para que cuidemos dele e o utilizemos em benefício de todos, sempre com respeito e gratidão. Talvez vocês saibam que eu estou preparando uma encíclica sobre Ecologia: tenham a certeza de que as suas preocupações estarão presentes nela. Agradeço-lhes, aproveito para lhes agradecer, pela carta que os integrantes da Via Campesina, da Federação dos Papeleiros e tantos outros irmãos me fizeram chegar sobre o assunto. Falamos da terra, de trabalho, de teto... falamos de trabalhar pela paz e cuidar da natureza... Mas por que, em vez disso, nos acostumamos a ver como se destrói o trabalho digno, se despejam tantas famílias, se expulsam os camponeses, se faz a guerra e se abusa da natureza? Porque, nesse sistema, tirou-se o homem, a pessoa humana, do centro, e substituiu-se por outra coisa. Porque se presta um culto idólatra ao dinheiro. Porque se globalizou a indiferença! Se globalizou a indiferença. O que me importa o que acontece com os outros, desde que eu defenda o que é meu? Porque o mundo se esqueceu de Deus, que é Pai; tornou-se um órfão, porque deixou Deus de lado. Alguns de vocês expressaram: esse sistema não se aguenta mais. Temos que mudá-lo, temos que voltar a levar a dignidade humana para o centro, e que, sobre esse pilar, se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos. É preciso fazer isso com coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, mas sem fanatismo. Com paixão, mas sem violência. E entre todos, enfrentando os conflitos sem ficar presos neles, buscando sempre resolver as tensões para alcançar um plano superior de unidade, de paz e de justiça. Os cristãos têm algo muito lindo, um guia de ação, um programa, poderíamos dizer, revolucionário. Recomendo-lhes vivamente que o leiam, que leiam as Bem-aventuranças que estão no capítulo 5 de São Mateus e 6 de São Lucas (cfr. Mt 5, 3; e Lc 6, 20) e que leiam a passagem de Mateus 25. Eu disse isso aos jovens no Rio de Janeiro. Com essas duas coisas, vocês têm o programa de ação. Sei que entre vocês há pessoas de distintas religiões, ofícios, ideias, culturas, países, continentes. Hoje, estão praticando aqui a cultura do encontro, tão diferente da xenofobia, da discriminação e da intolerância que vemos tantas vezes. Entre os excluídos, dá-se esse encontro de culturas em que o conjunto não anula a particularidade, o conjunto não anula a particularidade. Por isso eu gosto da imagem do poliedro, uma figura geométrica com muitas caras distintas. O poliedro reflete a confluência de todas as particularidades que, nele, conservam a originalidade. Nada se dissolve, nada se destrói, nada se domina, tudo se integra, tudo se integra. Hoje, vocês também estão buscando essa síntese entre o local e o global. Sei que trabalham dia após dia no próximo, no concreto, no seu território, seu bairro, seu lugar de trabalho: convido-os também a continuarem buscando essa perspectiva mais ampla, que nossos sonhos voem alto e abranjam tudo. Assim, parece-me importante essa proposta que alguns me compartilharam de que esses movimentos, essas experiências de solidariedade que crescem a partir de baixo, a partir do subsolo do planeta, confluam, estejam mais coordenadas, vão se encontrando, como vocês fizeram nestes dias. Atenção, nunca é bom espartilhar o movimento em estruturas rígidas. Por isso, eu disse encontra-se. Também não é bom tentar absorvê-lo, dirigi-lo ou dominá-lo; movimentos livres têm a sua dinâmica própria, mas, sim, devemos tentar caminhar juntos. Estamos neste salão, que é o salão do Sínodo velho. Agora há um novo. E sínodo significa precisamente "caminhar juntos": que esse seja um símbolo do processo que vocês começaram e estão levando adiante. Os movimentos populares expressam a necessidade urgente de revitalizar as nossas democracias, tantas vezes sequestradas por inúmeros fatores. É impossível imaginar um futuro para a sociedade sem a participação protagônica das grandes maiorias, e esse protagonismo excede os procedimentos lógicos da democracia formal. A perspectiva de um mundo da paz e da justiça duradouras nos exige superar o assistencialismo paternalista, nos exige criar novas formas de participação que inclua os movimentos populares e anime as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com essa torrente de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção do destino comum. E isso com ânimo construtivo, sem ressentimento, com amor. Eu os acompanho de coração nesse caminho. Digamos juntos com o coração: nenhuma família sem moradia, nenhum agricultor sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá. Queridos irmãos e irmãs: sigam com a sua luta, fazem bem a todos nós. É como uma bênção de humanidade. Deixo-lhes de recordação, de presente e com a minha bênção, alguns rosários que foram fabricados por artesãos, papeleiros e trabalhadores da economia popular da América Latina. E nesse acompanhamento eu rezo por vocês, rezo com vocês e quero pedir ao nosso Pai Deus que os acompanhe e os abençoe, que os encha com o seu amor e os acompanhe no caminho, dando-lhes abundantemente essa força que nos mantém de pé: essa força é a esperança, a esperança que não desilude. Obrigado.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Carta aos irmãos e irmãs com os/as quais caminho nas estradas da vida

Marcelo de Barros – Monge Beneditino - escritor///////////////////////////////////// Nesses dias, estou passando pela Itália para lançar um livro novo que saiu aqui ("Evangelho e Instituição" - diálogo com a teologia do nosso mestre José Comblin e concluir em diálogo com um grupo bíblico italiano um comentário ecumênico ao evangelho de Marcos. Aceitei essa vinda sem calcular que precisaria estar no Brasil nesses dias e por isso sofro e me sinto em falta com o povo brasileiro. Embora eu pudesse fazer pouca coisa no meio dessa guerra insana e cruel contra as conquistas que, por causa do governo do PT e através da luta popular, os movimentos sociais e o povo conquistaram nesses doze anos, de todo modo, me sentiria mais junto de vocês nessa luta. Como já disse em outro escrito, minha avaliação do resultado das eleições de 05 de outubro (da qual participei ativamente) é que precisamos com urgência retomar os instrumentos de formação permanente das bases e poder suscitar de novo minorias abraâmicas em meio ao deserto social e político em que vivemos. E no dia 26 (eu voltarei ao Brasil para votar), votemos na Dilma, mesmo que criticamente, para logo depois retomar a luta pela reforma política e para abrir um canal permanente de diálogo entre o governo e os movimentos sociais. É preciso que o nosso voto no segundo turno das eleições, o nosso voto seja expressão de nosso compromisso com as lutas do povo, sobretudo com os mais pobres. Voltar a um governo do PSDB com sua política elitista e contra os empobrecidos é trair o caminho já feito com tantas dificuldades. Transcrevo aqui um grande trecho da carta-manifesto da irmã Eurides Oliveira, texto que me foi enviado pelo amigo Reginaldo Veloso: "O Papa Francisco afirma: “Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão. A política é uma das formas mais elevadas da caridade. Uma fé autêntica – que nunca é cômoda nem individualista – comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela”[ii] Leonardo Boff parafraseia essa afirmação, dizendo, que a Política com “P” maiúsculo, comprometida com um modelo de sociedade voltado para a inclusão, a participação e a justiça social é uma das formas mais altas de amor social. O Resultado do primeiro turno das eleições coloca-nos diante de uma hora histórico-politica decisiva. Não obstante a necessidade de uma leitura mais ampla do resultado das urnas, o que temos em curso é uma grande investida da direita conservadora do país, uma articulação de forças da elite oligárquica e patrimonialista, detentora do poder econômico e apoiada pelas mídias globais para retornar ao poder. Uma disputa não apenas de dois candidatos opositores, ou entre siglas partidárias, mas de dois Projetos de Sociedade. Aécio Neves representa o projeto do triunfo do capital sobre as pessoas, do retorno à “ditadura do mercado financeiro”, através das privatizações, da independência do banco central, do caminho livre para o narcotráfico e consequentemente do acirramento das desigualdades, da repressão aos movimentos sociais e do abortamento de todas as mudanças sociais e estruturais em curso. A volta a uma história que experimentamos recentemente, com o presidente Fernando Henrique Cardoso: desemprego, altos índices de inflação, fome, endividamento publico, privatizações, apagões, deixando abaixo da linha da pobreza mais 30 milhões de pessoas. Uma massa sobrante, à margem das condições mínimas de vida. Lembram? Dilma Rousseff, representa a continuidade e o aprimoramento do projeto de crescimento econômico e social voltado para as classes populares, comprometido com a superação das desigualdades e a soberania nacional. Nos últimos 12 anos como afirma Leonardo Boff: “Não podemos negar que milhões de pessoas viram suas aspirações atendidas e que hoje o rumo do Brasil é outro. Pode não ser do agrado das classes dominantes que foram derrotadas. De um Estado neoliberal e privatista que se alinhava ao neoliberalismo dominante, passamos a um Estado republicano, Estado que coloca a res publica, a coisa pública, o social no foco de sua ação, Daí a centralidade que o governo Lula-Dilma deu aos milhões que estavam secularmente à margem e que foram – são 36 milhões – inseridos na sociedade organizada[iii]e com melhorias concretas em suas vidas cotidianas.Nosso voto, agora pode decidir pela continuidade ou ruptura deste caminho. Como nos afirma o historiador Oscar Beozzo: “A questão de fundo em nossa sociedade é a do direito dos pequenos à vida sempre ameaçada pela abissal desigualdade de acesso aos meios de vida e pelas exíguas oportunidades abertas às grandes maiorias do andar debaixo”. A elite brasileira incomodada com as politicas de ascensão social e econômica dos mais pobres, através das políticas democráticas e dos programas sociais como o Bolsa Família, o ProUni, o PRONATEC, Luz para todos, Minha Casa Minha Vida, o Mais Médicos e outros quevisam a assegurar direitos cidadãos, ampliar a democratização da sociedade, combater privilégios dos grandes grupos econômicos, têm recorrido aos meios mais espúrios para descaracterizar o governo Dilma e retornar ao poder. (...) E nesta conjuntura político-eleitoral, se queremos ser fiéis à nossa missão de defender a vida e a dignidade humana, de contribuir para um país mais justo e solidário, não resta dúvida, nosso compromisso se expressa pela nossa opção politica pela da vida do povo,“contra as tramóias da direita”[iv] , e afavor da consolidação do projeto democrático popular, pelo nosso VOTO EM DILMA 13, que corresponde ao: (...) E para concluir reporto-me a Hannah Arendt para lembrar a todas e todos nós que “o poder só é efetivo enquanto a palavra e o ato não se divorciam. Quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais. Quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar novas realidades.”[v] Esse poder está agora em nossas mãos. Cabe a nós exercê-lo através do “voto ético”, consciente, livre e responsável, expressando nosso compromisso com a vida e a cidadania. Optando pelo projeto de desenvolvimento que nos permita, não obstante as dificuldades e limites, seguir superando as dificuldades, fazendo as mudanças necessárias e assim reinventando o Brasil que queremos: economicamente justo, politicamente democrático, socialmente solidário, culturalmente plural e ecologicamente sustentável". Em meus contatos com companheiros/as dos países vizinhos que compõem a nossa América Latina como pátria única bolivariana, sinto que todos/as esperam que os brasileiros não traiam o sonho de Bolívar e não votem por atrelar o Brasil ao imperialismo norte-americano como quer Aécio e o PSDB. Logo depois que soube que ganhou as eleições de domingo passado, Evo Morales dedicou sua vitória ao comandante Chávez e a Fidel Castro. Depois declarou que se, no Brasil, houvesse um recuo político à direita, seria muito difícil manter na América Latina os organismos internacionais latino-americanos que garantem nossa soberania. Isso me faz com que, mesmo com todas as críticas que tenho ao governo do PT, peço pelo nosso compromisso de cidadãos latino-americanos, nos lembremos de todos os povos da grande pátria afrolatíndia e, mesmo sabendo que não será nenhum governo que fará a revolução de que precisamos (seremos nós dos movimentos sociais retomando o processo de educação das bases), votemos em Dilma e peçamos votos para Dilma. Deus nos ilumine e nos conduza nesse caminho. Um abraço do irmão Marcelo Barros visite o blog: www.marcelobarros.com

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Conservadores criticam abertura da Igreja a homossexuais e divorciados

Importantes cardeais, como o italiano Camillo Ruini e o sul-africano Wilfrid Napier, chamaram de "perigosas" as aberturas aos divorciados que voltam a casas e aos homossexuais//////////////////////// Publicação: 14/10/2014 13:08 Cidade do Vaticano - ////////////////////////////////////////////A abertura da Igreja para os divorciados que voltam a casar, aos homossexuais e às uniões estáveis, manifestada durante o sínodo dos bispos no Vaticano, recebeu duras críticas de setores conservadores da hierarquia da Santa Sé, que não aceita as reformas. Dois importantes cardeais, o alemão Gerhard Mueller, prefeito para a Doutrina da Fé, e o americano Raymond Burke, da prefeitura para a Assignatura Apostólica, expressaram à imprensa sua oposição a tais aberturas. "Não me importa se alguns não concordam com minha opinião. Eu digo o que quero e, sobretudo, o que devo dizer como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé: a Igreja não pode reconhecer os casais homossexuais", declarou o alemão. Mueller também criticou o método de trabalho do sínodo, que reúne quase 300 bispos e cardeais de todo o mundo e que, segundo ele, foi alterado com o objetivo de "manipular a informação" sobre os debates internos, pois divulga a intervenção, mas não o nome do autor. Os dois também consideram que o documento que resume os debates a portas fechadas de 265 bispos de todo o mundo - com o título "Relatio post disceptationem" e que foi divulgado na segunda-feira (13/10) -, não reflete as diferentes posições. Outros dois importantes cardeais, o italiano Camillo Ruini e o sul-africano Wilfrid Napier, chamaram de "perigosas" as aberturas aos divorciados que voltam a casas e aos homossexuais. O diálogo aberto e sem rodeios que o papa Francisco estabeleceu dentro da Igreja para falar dos desafios representados pela transformação da família moderna é complexo e tortuoso. A admissão do valor e do amor que existe entre os casais de fato ou que optam pela relação estável antes do casamento na Igreja, assim como a abertura aos homossexuais manifestada no documento de trabalho do sínodo, virou um verdadeiro "terremoto" pastoral. "A questão homossexual nos interpela a uma reflexão séria sobre como elaborar caminhos realistas de crescimento afetivo e de maturidade humana e evangélica integrando a dimensão sexual: portanto se apresenta como um importante desafio educativo", afirma o texto, que recorda que para a Igreja "as uniões entre pessoas do mesmo sexo não podem ser equiparadas ao matrimônio entre um homem e uma mulher". Já se sabia que os religiosos mais conservadores não ficariam calados sobre temas tão delicados, mas o que fica dos debates é a moderação de um bom número de bispos, que nesta terça-feira (14/10) elogiaram o documento por "captar adequadamente" o espírito da reunião. Diante das reações, os bispos também pediram que seja ressaltado o princípio de que o casamento não apenas é indissolúvel, como pode ser feliz e fiel e evitar centrar-se principalmente nas situações familiares difíceis. Os debates prosseguem por grupos esta semana e depois a hierarquia da Igreja votará um documento final que será em seguida submetido para discussão com as "bases" em todo o mundo, antes do sínodo de outubro de 2015. http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2014/10/14/interna_mundo,452388/conservadores-criticam-abertura-da-igreja-a-homossexuais-e-divorciados.shtml

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

PAPA MUDA INTERLOCUTORES DA IGREJA

Frei Betto/////////////////////////////////////////////////////////////////// Líderes de movimentos populares de vários países terão encontro com o papa Francisco nos próximos dias 27, 28 e 29 de outubro, em Roma. Do Brasil estarão presentes João Pedro Stédile, pelo MST e Via Campesina, e representantes da Central de Movimentos Populares, Levante Popular da Juventude, Coordenação Nacional de Entidades Negras, Central Única dos Trabalhadores, Movimento de Mulheres Camponesas e um indígena do povo Terena. A carta convite é assinada por Stédile e por Juan Grabois, que representa o Movimento dos Trabalhadores Excluídos e a Confederação de Trabalhadores da Economia Popular, da Argentina. O evento é um desdobramento do simpósio As emergências dos excluídos, realizado em dezembro de 2013, no Vaticano, do qual Stédile e Grabois participaram. Denominado Encontro Mundial de Movimentos Populares, contará ainda com a participação de 30 bispos, “de distintas regiões, que mantêm fortes vínculos com o trabalho social e os movimentos populares.” O evento resulta da articulação do Conselho Pontifício de Justiça e Paz, presidido pelo cardeal ganês Peter Turkson, com diversas organizações populares. Tem como objetivos partilhar o pensamento social de Francisco; elaborar uma síntese da visão dos movimentos populares em torno das causas da crescente desigualdade social e do aumento da exclusão no mundo; refletir sobre as práticas organizativas dos movimentos populares; propor alternativas populares para “enfrentar os problemas que o capitalismo financeiro e as transnacionais impõem aos pobres, com a perspectiva de construir uma sociedade global com justiça social, a partir da realidade dos trabalhadores excluídos”, frisa o convite. Enfim, “discutir a relação dos movimentos populares com a Igreja e como avançar nesse sentido.” Entre painéis e oficinas previstas, destacam-se: “Exclusão social e desigualdade”; “Desigualdade social à luz do documento Alegria do Evangelho”; “Doutrina social da Igreja”; “Meio ambiente e mudanças climáticas”; “Movimentos pela paz”; e “Articulação Igreja e Movimentos populares”. É a primeira vez na história da Igreja que um papa convoca líderes de movimentos sociais para um encontro de três dias, e não uma simples audiência protocolar, como a que monitorei em 1980, em São Paulo, ao levar um grupo de sindicalistas, entre os quais Lula e Olívio Dutra, para um encontro com João Paulo II, na capela do colégio Santo Américo. Há, nessa iniciativa, algo inédito: outrora os papas, ao debater a conjuntura mundial, convocavam banqueiros, empresários, homens de negócio. Francisco, coerente com a sua opção pelos pobres, quer ouvir aqueles que os representam, provocando uma mudança significativa na qualidade de interlocutores da Igreja Católica. Em seu documento Alegria do Evangelho (novembro 2013), Francisco considera o capitalismo intrinsecamente injusto: “Enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível erradicar a violência. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reação violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e econômico é injusto na sua raiz” (59).

terça-feira, 23 de setembro de 2014

NOTA DE REPUDIO CONTRA AÇÕES VIOLENTAS DA POLÍCIA MILITAR E A OMISSÃO DO PODER JUDICIÁRIO NA REINTEGRAÇÃO DE POSSE DA AVENIDA SÃO JOÃO 601, NO DIA 16 DE SETEMBRO DE 2014 E A VIOLÊNCIA PRATICADA CONTRA OS TRABALHADORES/AS INFORMAIS E A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA!

Desde meados dos anos de 1990, diversos Movimentos de Luta pela Moradia, a População em Situação de Rua e os Trabalhadores Informais, vêm realizando uma luta sem tréguas contra a especulação imobiliária e a higienização no centro de São Paulo. Nesta guerra contra os pobres, no território do centro da cidade, a especulação imobiliária se aliou ao poder judiciário, ao poder publico e a policia militar, com a finalidade de criminalizar os movimentos populares, agredindo e tentando expulsar os Sem Teto, os Trabalhadores Informais, a População de Rua e todos os excluídos/as da região. As vítimas do modelo excludente de cidade passaram a ser tratadas como responsáveis pelo caos urbano que tem origem na falta de democratização do acesso à cidade. As elites querem um centro higienizado e sem pobres, que satisfaça exclusivamente seus direitos individuais. Assim, vêm utilizando todas as formas de violência para atingir o seu objetivo. O que ocorreu no dia 16 de setembro de 2014, no centro de São Paulo, no despejo violento do hotel Aquarius, se sucedendo aos ataques da GCM e da PM na região da “Cracolândia”, contra os usuários de drogas e a população em situação de rua, somados ao assassinato de um trabalhador ambulante por um PM na região da Lapa, são apenas mais alguns dos tristes e perversos capítulos desta agenda de higienização e massacre da população pobre. Portanto, não são fatos isolados, fazem parte da mesma matriz higienista de violência. A REINTEGRAÇÃO DE POSSE DO HOTEL AQUARIUS retrata a violência institucional e a supressão de todos os direitos constitucionais da população pobre. Uma propriedade abandonada há dez anos foi protegida pelo Poder Judiciário e pela Polícia Militar em detrimento ao direito das famílias, é o direito individual se sobrepondo ao direito coletivo, mesmo que a Constituição Federal determine o contrário. Mas não foi apenas isso: a reintegração de posse foi executada MESMO SEM OS MEIOS NECESSÁRIOS, com o uso abusivo da força policial – muitas pessoas foram agredidas, crianças e mulheres foram atingidas por bombas dentro do prédio, pelo menos dois jovens tiveram os seus braços quebrados pela PM, diversas pessoas foram alvejadas e atingidas por balas de borracha, bombas de efeito moral e gás lacrimogênio e, ao final, os despejados ainda foram submetidos a tratamento desumano, com detenção sem acusação formal, sem que pudessem ir ao banheiro, beber água ou se alimentar. A porta da ocupação, num ato de violência sem tamanho, foi arrombada pelo caminhão do choque. Homens, mulheres e crianças relataram que a PM, num “corredor polonês” os agrediu dentro da ocupação. Crianças de colo - bebês, inclusive uma criança cadeirante - foram detidas e conduzidas com seus pais e avós ao 3º Distrito Policial, ficando expostos por horas, no chão do posto de gasolina na esquina da Rua Aurora com a Avenida Rio Branco. Assim, Manifestamos aqui toda nossa solidariedade à FLM – Frente de Luta Por Moradia – pela resistência. Repudiamos todos os atos de violência militar nesta desocupação, repudiamos também, os atos violentos da GCM e da PM contra os usuários de drogas na Região da Cracolândia, no dia 18/09/14, repudiamos a morte de um trabalhador informal assassinado por um PM, na região da Lapa na mesma quinta feira, dia 18/09/14. Exigimos a apuração de todos os atos de violência da PM, com punição para os culpados. Pelo fim das ações violentas da GCM. Pelo fim da criminalização dos movimentos populares e dos defensores/as de direitos humanos. Abaixo a especulação imobiliária. Exigimos um judiciário que defenda a população e não a especulação. Pela desmilitarização da PM. LUTAREMOS PELA JUSTIÇA SOCIAL COM TODAS AS NOSSAS FORÇAS E ELES NUNCA ATINGIRÃO SEUS OBJETIVOS. PODEM NOS AGREDIR, MAS CONTINUAREMOS A RESISTIR! PELO DIREITO À CIDADE, LUTA CONTINUA! Frente de Luta Pela Moradia (FLM); Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos; Central de Movimentos Populares (CMP); União dos Movimentos de Moradia de São Paulo UMM); Movimento Sem Teto do Centro – MSTC; Movimento Moradia Para Todos; Fórum dos Trabalhadores Informais; Movimento de Moradia da Região Centro; Unificação das Lutas de Cortiços; Ouvidoria da Defensoria Publica do Estado de São Paulo; Comitê Popular da Copa; Escritório Modelo da PUC; Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico; Núcleo Direito à Cidade da USP; Movimento Nacional da População de Rua; Pastoral do Povo da Rua; Movimento Nacional dos Direitos Humanos; Serviço Pastoral dos Migrantes; Consulta Popular

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Os discípulos discutiam sobre quem, dentre eles, seria o maior

18.08.14 - Brasil///////////////// Nayá Fernandes//////////////////// Adital//////////////////////////////////// Em uma das vezes que Jesus fala do templo, exalta a pedra que os pedreiros rejeitaram (Sl 117), ou seja, aquilo que, na prática não foi escolhido para fazer parte do templo. Em uma de suas visitas à sinagoga, foi expulso (Lc 4,16ss), em outra, derrubou as mesas dos cambistas no templo (Mt 21). Importante lembrar também que, no pequeno povoado de Nazaré, onde Jesus vivia, possivelmente nem tivesse escola ou grandes construções. Igualmente em Carfanaum, afirma a arqueologia moderna, havia somente pequenas casas, bem próximas umas das outras. O motivo de existir da Igreja Católica e das demais Igrejas cristãs, Jesus, foi um mestre para poucos. Historicamente ele não construiu, com suas mãos ou mesmo dos seus discípulos, nenhuma estrutura física para se reunir com seus seguidores. Eles se encontravam nas casas, nas ruas, nas praças, nos campos cultivados, nas montanhas. Os seguidores do caminho eram reconhecidos pela partilha do pão, pela leitura das escrituras e pelas ações no meio do mundo. Com o tempo, e a instituição da Igreja, sobretudo depois que o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império, a situação começou a mudar. Ocidente e Oriente investiram em arte para construção de grandes templos e ainda hoje, a Paróquia, seja no ambiente rural ou na cidade, é sinal da presença da Igreja Católica. A estrutura física tornou-se tão importante que, em determinados contextos, sobretudo urbanos, pode significar a não formação de uma comunidade cristã. A questão do templo e suas dimensões, voltou com toda a força dentro da Igreja Católica, devido à inauguração do "III Templo de Salomão”, no Brás, centro da capital paulista. Idealizado e mantido pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), entre outras notícias, salientou-se que a estrutura recém construída é três vezes maior que a Basílica Menor de Nossa Senhora Aparecida, na cidade de Aparecida (SP). Alguns membros do clero levantaram a voz para desmentir o que foi anunciado e tem se publicado notas, periódicos e artigos para provar que Aparecida é maior, inclusive em tamanho, atividades, números de fiéis etc. Contradição. Recentemente, a CNBB publicou um documento em que afirma que a Paróquia é uma "rede de comunidades”, ou seja, é formada por pequenos núcleos e funciona em rede, favorecendo assim, a partilha e comunhão entre os membros. Enquanto isso, surgem as mais diversas interpretações acerca do embate. Já ouvi biblistas afirmarem que a construção do templo de Salomão é uma nova "torre de Babel” e cobrando a manifestação, por exemplo, da comunidade judaica. "Que autoridade os judeus têm para pedir aos católicos que não pronunciem o tetragrama sagrado, Javé, se eles não se manifestaram acerca deste absurdo?”, questionou. Contudo, é preciso dosar bem. Entre judeus e católicos há um diálogo histórico, enquanto a recém criada IURD tem atitudes que não a classificam como uma religião constituída, mas como uma nova expressão de fé. Além disso, tais embates podem dificultar, ainda mais, o diálogo inter-religioso e dar razão para brigas entres vizinhos de igrejas diferentes. Afinal, a preocupação com tamanho, quantidade e sucesso nunca foi a preocupação de Jesus. Ele mesmo criticou os discípulos quando esses voltaram da missão afirmando que até os demônios os obedeciam e não cedeu quando alguns, entre os dele, queriam o fazer rei (Jo 6). Certamente o Reino de Deus não está nas dimensões físicas de uma igreja e, por mais que este espaço proporcione o encontro com Deus e algumas comprinhas no shopping, a briga para provar quem é o maior, está longe de ser a briga travada pelo mestre contra aqueles que se utilizavam da religião oficial na sua época para oprimir o povo e colocar sobre eles "pesadas cargas”. Qual é o questionamento mais oportuno? Não vamos aqui falar dos males que as igrejas também provocaram, para não acalentar aqueles que se satisfazem com estas críticas. Ainda assim, não é possível fechar o olhos e não se perguntar qual o direcionamento do dízimo pago no Templo de Salomão ou quais os mecanismos de dominação utilizados para persuadir e até mesmo amedrontar os fiéis. Questionar os métodos, os absurdos, todo tipo de corrupção e falsidade da IURD e seu fundador Edir Macedo, isso sim parece ser legítimo. Mas é tão legítimo quanto o deve ser na Igreja Católica. E não só quando se refere à aspectos financeiros, mas também morais e aqui entram todos os crimes no campo sexual, religioso e usurpação do poder concedido pela própria Igreja Católica. O contrário é defesa insegura, é medo de perder território, é uma falsa proteção. Para mim, proteger a Igreja, significa lutar pelos que sofrem, pelos que não têm voz, pelos que não têm quem os defenda. Não são as paredes que devem ser defendidas das calúnias, mas as pessoas, muitas delas mortas injustamente, simplesmente porque tiveram coragem de sair dos limites físicos que as protegiam. Aí, a lista é grande. Mas a mídia pouco fala, mas deles pouco se lembra. São pequenos, simples e nunca construíram nenhum templo. http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=S&cod=81999

quarta-feira, 16 de julho de 2014

CARTA EM VISTA DAS ELEIÇÕES 2014

“Já lhe foi explicado o que é bom e o que Deus exige de você: é apenas que pratique a justiça e o direito, amar a misericórdia e, com simplicidade, caminhar com Deus” (profeta Miquéias 6, 8)//////////////////////// Queridos irmãos e irmãs da nossa arquidiocese, ////////// concluída a Copa do Mundo começa agora, com maior intensidade,a campanha eleitoral em preparação às eleições de outubro. Como pastor dessa Igreja que nós juntos constituímos, me sinto no dever de partilhar com vocês algumas preocupações e propor critérios para a nossa participação como cidadãos/ãs e como cristãos/ãs, nesse importante momento do país. Há cristãos que ainda pensam que a fé possa ser desligada da realidade concreta. Se nos desinteressamos pelo processo político, corremos o risco de deixar a Política nas mãos dos que não buscam o interesse comum. Como afirmou o papa Francisco: “Apesar de se notar uma maior participação de muitos (cristãos) nos ministérios laicais, esse compromisso (de fé) não se reflete ainda suficientemente na penetração dos valores cristãos no mundo social, político e econômico. Limita-se muitas vezes às tarefas no seio da Igreja, sem um empenho real pela aplicação do Evangelho na transformação da sociedade” (Evangelii Gaudium, n. 102). Graças a Deus, no caminho ao qual o papa Francisco nos chama, a nossa arquidiocese tem uma longa e bela caminhada que devemos honrar e aprofundar cada vez mais. Desde que, há 50 anos, Dom Helder Câmara chegou como pastor de nossa Igreja arquidiocesana, cada vez é maior o número de cristãos que descobrem que nossa vocação batismal nos chama a ser testemunhas do reino de Deus nesse mundo, pelo esforço de transformá-lo. Já nos anos 60, o papa Paulo VI ensinava que a nossa caridade deve ter uma dimensão política. Concretamente, ela se expressa no cuidado com a coisa pública e em uma educação crítica que nos ajude a compreender melhor a realidade e a discernir nela o que Deus pede de nós como cidadãos e como discípulos de Jesus. Desde a 2a Conferência do Episcopado Latino-americano em Medellín, Colômbia, (1968), a nossa Igreja se comprometeu a se colocar como serviço à causa da libertação integral de toda a humanidade e de cada pessoa por inteiro (Med 5, 15). Por isso, nossa Igreja desenvolveu diversos setores de pastoral social, cujo objetivo é servir, de maneira especial, a todos os empobrecidos do campo e da cidade. Inseridos na medida do possível, na caminhada dos movimentos sociais, queremos colaborar com a transformação da sociedade.É com esse horizonte que lhes escrevo. Tendo feito algumas observações sobre nossa motivação evangélica e espiritual a partir da qual devemos atuar, sugiro agora algumas considerações sobre o momento atual em que vivemos eproponho algumas pistas concretas de ação para a nossa participação nesse processo eleitoral e mesmo depois. 1 – Um olhar rápido sobre a realidade. Na análise da conjuntura que a CNBB ofereceu em seu site no mês de abril passado, se afirmava que, para essas próximas eleições, se descortinam duas tendências. Uma é dos que querem garantir a continuidade das conquistas sociais e daquilo que consideram serem mudanças realizadas pelo governo nessa última década. Outra é a das pessoas e candidatos que dizem lutar por mudanças profundas do país e do governo. O importante é discernir se esses políticos que propõem mudanças o fazem a serviço da melhoria de vida da maioria da população ou sepensam apenas neles e na elite social a que pertencem. Em geral, é a população que sofre no dia a dia as precárias condições dos serviços públicos de saúde, de educação e do transporte inadequado. Em nossas cidades precisamos de mudanças profundas na organização e serviços à sociedade. Não podemos nos iludir de que tais transformações dependam apenas de pessoas a serem eleitas. É a própria organização social e política do Brasil que está em questão. 2 –Critérios que poderão ser úteis para participarmos bem dessas próximas eleições: 1o – Como dizia em recente campanha educativa de várias entidades:“voto não se vende, nem se negocia” ou “voto não tem preço, tem consequência”. O voto deve ser dado conforme nossa consciência e não por qualquer outro motivo, como parentesco, apadrinhamento, interesse de emprego ou qualquer outra razão. 2o - Em um regime de eleições proporcionais como é o caso atualmente, queiramos ou não, o voto é dado em primeiro lugar ao partido do candidato e somente vai para o candidato escolhido, se o partido tiver o necessário quociente eleitoral. Essa é a legislação em vigor. Assim sendo, mais ainda, é importante que a nossa escolha seja consciente por concordarmos com o que aquele partido escolhido por nós propõe como programa para o país. 3o – É comum que as campanhas sejam feitas na base de promessas e propagandas, muitas vezes sedutoras e enganosas. Devemos sempre analisar o interesse dos meios de comunicação de massa e também a vida anterior dos candidatos em questão,para discernir se as promessas feitas agora correspondem ao que ele tem feito e se não se trata de propaganda enganosa. 4o – Nenhum candidato é perfeito ou preenche todas as condições desejáveis. Às vezes, o candidato tem propostas que nos agradam no plano da moral pessoal e institucional. No entanto, está ligado a interesses dos grandes latifundiários na concentração de terra, na oposição à Reforma Agrária e à demarcação de terras indígenas. Apresenta-se como cristão tradicional, mas não tem posição clara em relação à defesa da vida desde sua concepção até seu fim natural. Para resolver o problema da violência urbana, propõe a diminuição da idade penal, é a favor da pena de morte e assim por diante.Temos sempre de julgar no conjunto e não vendo apenas um aspecto. 5o – O cristão vive, pensa e age a partir de sua fé. A fé o conduz a trabalhar pelo bem comum. Isso requer organização e participação cidadã. É preciso discernir os partidos e candidatos a partir dos seus princípios éticos, sociais e religiosos e se estão dispostos a colaborar para o avanço. 3 – Um olhar para além das eleições de outubro Devemos participar de forma justa e lúcida nessa campanha, assim como participar corretamente dessas próximas eleições. No entanto, para não sofrermos mais decepções, é importante relativizar esse processo eleitoral e sabermos como nos conduzirmos para além desse momento. Atualmente, a parte mais sadia da sociedade brasileira e dos movimentos sociais têm consciência de que sem uma profunda Reforma Política não conseguiremos vencer a corrupção e estabelecer as bases profundas de uma sociedade mais justa e igualitária. Para isso, a CNBB, OAB e várias outras entidades da sociedade civil propõem um Projeto de Lei de Iniciativa Popular, visando elementos necessários para uma reforma política. Os movimentos sociais organizados preveem para a Semana da Pátria a realização de um Plebiscito Popular no qual o povo brasileiro será consultado se deseja a criação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para a Reforma Política e Soberana. Como cristãos, devemos apoiar e participar dessas iniciativas que visam a transformação justa da sociedade e da organização do Estado. Como escreveu São Paulo: “Estejam atentos para a maneira como vocês vivem. Não sejam ingênuos, mas pessoas sensatas. Aproveitem bem o tempo, porque esses dias são maus... (Em meio a essa realidade), procurem compreender a vontade do Senhor” (Ef 5, 15 e 17). Concluo recomendando a leitura da carta dos bispos do Brasil, que se encontra no site da CNBB (www.cnbb.org.br), aprovada na última Assembleia Geral em Aparecida-SP, cujo título é: “PENSANDO O BRASIL: DESAFIOS DIANTE DAS ELEIÇÕES 2014” (Desafios da realidade sociopolítica). Deus os/as abençoe e os/as ilumine nesse caminho. Dom Antônio Fernando Saburido Arcebispo de Olinda e Recife

segunda-feira, 14 de julho de 2014

13/07/2014 10h30 - Atualizado em 13/07/2014 10h31 Papa discursa contra guerra no Oriente Médio e convoca reza pela paz Após reza dominical, Francisco citou 'trágico' conflito entre Israel e Gaza. Ele lembrou encontro com presidentes de Israel e da Autoridade Palestina. Da EFE O papa Francisco antes de começar a reza do Ângelus na Praça São Pedro, em Roma, neste domingo (13) O papa Francisco fez uma convocação neste domingo (13) a rezar pela paz no Oriente Médio. Após a tradicional reza dominical Ângelous, ele pediu a todos que tiverem responsabilidade política "em nível local ou internacional" para "não pouparem orações nem esforços" para deter o "trágico" conflito entre Israel e Gaza. O pontífice fez o pronunciamento da janela de seu apartamento, diante milhares de pessoas que abarrotaram a praça de São Pedro do Vaticano. Em seguida, Francisco pediu aos congregados para acompanhá-lo "em silêncio" em sua oração, na qual defendeu o fim do conflito. "Guerra nunca mais! Com a guerra se destrói tudo! Deus, nos dê a coragem suficiente para dar passos concretos que construam a paz... Faz-nos escutar o grito dos que pedem para transformar as armas em instrumentos de paz, nossos medos em confiança e nossas tensões em perdão", disse. Em 8 de junho, o pontífice recebeu no Vaticano os presidentes de Israel e da Autoridade Nacional Palestina, Shimon Peres e Mahmoud Abbas, respectivamente, com que protagonizou um "encontro de oração" para invocar a paz no Oriente Médio. Foi um encontro histórico no qual ambos os líderes conversaram e inclusive plantaram juntos nos Jardins Vaticanos uma oliveira, símbolo da paz. Francisco assegurou hoje "manter ainda na lembrança" o acontecimento que, segundo disse durante sua alocução, "não foi em vão". "Alguém poderá pensar que esse ato aconteceu em vão. Mas não, porque a oração nos ajuda a não nos deixar vencer pelo mal e a não nos resignarmos a que o ódio ou a violência tomem o lugar do diálogo e da reconciliação", afirmou. Ao final desse encontro sem precedentes, tanto Peres como Abbas disseram ao papa estar preparados para tentar conseguir o mais rápido possível a paz na região. No entanto, Israel e a Faixa de Gaza protagonizam durante a última semana uma escalada de violência que já matou 165 palestinos e mais de mil feridos, segundo o Ministério da Saúde em Gaza http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/07/papa-discursa-contra-guerra-no-oriente-medio-e-convoca-reza-pela-paz.html

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Mensagem do Papa aos padres na Quinta feira Santa

(17 de abril de 2014 by Gregorius)
Amados irmãos no sacerdócio! No Hoje de Quinta-feira Santa, em que Cristo levou o seu amor por nós até ao extremo (cf. Jo 13, 1), comemoramos o dia feliz da instituição do sacerdócio e o da nossa ordenação sacerdotal. O Senhor ungiu-nos em Cristo com óleo da alegria, e esta unção convida-nos a acolher e cuidar deste grande dom: a alegria, o júbilo sacerdotal. A alegria do sacerdote é um bem precioso tanto para si mesmo como para todo o povo fiel de Deus: do meio deste povo fiel é chamado o sacerdote para ser ungido e ao mesmo povo é enviado para ungir. Ungidos com óleo de alegria para ungir com óleo de alegria. A alegria sacerdotal tem a sua fonte no Amor do Pai, e o Senhor deseja que a alegria deste amor «esteja em nós» e «seja completa» (Jo 15, 11). Gosto de pensar na alegria contemplando Nossa Senhora: Maria é «Mãe do Evangelho vivente, manancial de alegria para os pequeninos» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 288), e creio não exagerar se dissermos que o sacerdote é uma pessoa muito pequena: a grandeza incomensurável do dom que nos é dado para o ministério relega-nos entre os menores dos homens. O sacerdote é o mais pobre dos homens, se Jesus não o enriquece com a sua pobreza; é o servo mais inútil, se Jesus não o trata como amigo; é o mais louco dos homens, se Jesus não o instrui pacientemente como fez com Pedro; o mais indefeso dos cristãos, se o Bom Pastor não o fortifica no meio do rebanho. Não há ninguém menor que um sacerdote deixado meramente às suas forças; por isso, a nossa oração de defesa contra toda a cilada do Maligno é a oração da nossa Mãe: sou sacerdote, porque Ele olhou com bondade para a minha pequenez (cf. Lc 1, 48). E, a partir desta pequenez, recebemos a nossa alegria. Na nossa alegria sacerdotal, encontro três características significativas: uma alegria que nos unge (sem nos tornar untuosos, sumptuosos e presunçosos), uma alegria incorruptível e uma alegria missionária que irradia para todos e todos atrai a começar, inversamente, pelos mais distantes. Uma alegria que nos unge. Quer dizer: penetrou no íntimo do nosso coração, configurou-o e fortificou-o sacramentalmente. Os sinais da liturgia da ordenação falam-nos do desejo materno que a Igreja tem de transmitir e comunicar tudo aquilo que o Senhor nos deu: a imposição das mãos, a unção com o santo Crisma, o revestir-se com os paramentos sagrados, a participação imediata na primeira Consagração… A graça enche-nos e derrama-se íntegra, abundante e plena em cada sacerdote. Ungidos até aos ossos… e a nossa alegria, que brota de dentro, é o eco desta unção. Uma alegria incorruptível. A integridade do Dom – ninguém lhe pode tirar nem acrescentar nada – é fonte incessante de alegria: uma alegria incorruptível, a propósito da qual prometeu o Senhor que ninguém no-la poderá tirar (cf. Jo 16, 22). Pode ser adormentada ou sufocada pelo pecado ou pelas preocupações da vida, mas, no fundo, permanece intacta como o tição aceso dum cepo queimado sob as cinzas, e sempre se pode renovar. Permanece sempre actual a recomendação de Paulo a Timóteo: reaviva o fogo do dom de Deus, que está em ti pela imposição das minhas mãos (cf. 2 Tm 1, 6). Uma alegria missionária. Sobre esta terceira característica, quero alongar-me mais convosco sublinhando-a de maneira especial: a alegria do sacerdote está intimamente relacionada com o povo fiel e santo de Deus, porque se trata de uma alegria eminentemente missionária. A unção ordena-se para ungir o povo fiel e santo de Deus: para baptizar e confirmar, para curar e consagrar, para abençoar, para consolar e evangelizar. E, sendo uma alegria que flui apenas quando o pastor está no meio do seu rebanho (mesmo no silêncio da oração, o pastor que adora o Pai está no meio das suas ovelhas), é uma «alegria guardada» por este mesmo rebanho. Mesmo nos momentos de tristeza, quando tudo parece entenebrecer-se e nos seduz a vertigem do isolamento, naqueles momentos apáticos e chatos que por vezes nos assaltam na vida sacerdotal (e pelos quais também eu passei), mesmo em tais momentos o povo de Deus é capaz de guardar a alegria, é capaz de proteger-te, abraçar-te, ajudar-te a abrir o coração e reencontrar uma alegria renovada. «Alegria guardada» pelo rebanho e guardada também por três irmãs que a rodeiam, protegem e defendem: irmã pobreza, irmã fidelidade e irmã obediência. A alegria sacerdotal é uma alegria que tem como irmã a pobreza. O sacerdote é pobre de alegrias meramente humanas: renunciou a tantas coisas! E, visto que é pobre – ele que tantas coisas dá aos outros –, a sua alegria deve pedi-la ao Senhor e ao povo fiel de Deus. Não deve buscá-la ele mesmo. Sabemos que o nosso povo é generosíssimo a agradecer aos sacerdotes os mínimos gestos de bênção e, de modo especial, os Sacramentos. Muitos, falando da crise de identidade sacerdotal, não têm em conta que a identidade pressupõe pertença. Não há identidade – e, consequentemente, alegria de viver – sem uma activa e empenhada pertença ao povo fiel de Deus (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 268). O sacerdote que pretende encontrar a identidade sacerdotal indagando introspectivamente na própria interioridade, talvez não encontre nada mais senão sinais que dizem «saída»: sai de ti mesmo, sai em busca de Deus na adoração, sai e dá ao teu povo aquilo que te foi confiado, e o teu povo terá o cuidado de fazer-te sentir e experimentar quem és, como te chamas, qual é a tua identidade e fazer-te-á rejubilar com aquele cem por um que o Senhor prometeu aos seus servos. Se não sais de ti mesmo, o óleo torna-se rançoso e a unção não pode ser fecunda. Sair de si mesmo requer despojar-se de si, comporta pobreza. A alegria sacerdotal é uma alegria que tem como irmã a fidelidade. Não tanto no sentido de que seremos todos «imaculados» (quem dera que o fôssemos, com a graça de Deus!), dado que somos pecadores, como sobretudo no sentido de uma fidelidade sempre nova à única Esposa, a Igreja. Aqui está a chave da fecundidade. Os filhos espirituais que o Senhor dá a cada sacerdote, aqueles que baptizou, as famílias que abençoou e ajudou a caminhar, os doentes que apoia, os jovens com quem partilha a catequese e a formação, os pobres que socorre… todos eles são esta «Esposa» que o sacerdote se sente feliz em tratar como sua predilecta e única amada e ser-lhe fiel sem cessar. É a Igreja viva, com nome e apelido, da qual o sacerdote cuida na sua paróquia ou na missão que lhe foi confiada, é essa que lhe dá alegria quando lhe é fiel, quando faz tudo o que deve fazer e deixa tudo o que deve deixar contanto que permaneça no meio das ovelhas que o Senhor lhe confiou: «Apascenta as minhas ovelhas» (Jo 21, 16.17). A alegria sacerdotal é uma alegria que tem como irmã a obediência. Obediência à Igreja na Hierarquia que nos dá, por assim dizer, não só o âmbito mais externo da obediência: a paróquia à qual sou enviado, as faculdades do ministério, aquele encargo particular… e ainda a união com Deus Pai, de Quem deriva toda a paternidade. Mas também a obediência à Igreja no serviço: disponibilidade e prontidão para servir a todos, sempre e da melhor maneira, à imagem de «Nossa Senhora da prontidão» (cf. Lc 1, 39: meta spoudes), que acorre a servir sua prima e está atenta à cozinha de Caná, onde falta o vinho. A disponibilidade do sacerdote faz da Igreja a Casa das portas abertas, refúgio para os pecadores, lar para aqueles que vivem na rua, casa de cura para os doentes, acampamento para os jovens, sessão de catequese para as crianças da Primeira Comunhão… Onde o povo de Deus tem um desejo ou uma necessidade, aí está o sacerdote que sabe escutar (ob-audire) e pressente um mandato amoroso de Cristo que o envia a socorrer com misericórdia tal necessidade ou a apoiar aqueles bons desejos com caridade criativa. Aquele que é chamado saiba que existe neste mundo uma alegria genuína e plena: a de ser tomado pelo povo que uma pessoa alguém ama até ao ponto de ser enviada a ele como dispensadora dos dons e das consolações de Jesus, o único Bom Pastor, que, cheio de profunda compaixão por todos os humildes e os excluídos desta terra, cansados e abatidos como ovelhas sem pastor, quis associar muitos sacerdotes ao seu ministério para, na pessoa deles, permanecer e agir Ele próprio em benefício do seu povo. Nesta Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que faça descobrir a muitos jovens aquele ardor do coração que faz acender a alegria logo que alguém tem a feliz audácia de responder com prontidão à sua chamada. Nesta Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que conserve o brilho jubiloso nos olhos dos recém-ordenados, que partem para «se dar a comer» pelo mundo, para consumar-se no meio do povo fiel de Deus, que exultam preparando a primeira homilia, a primeira Missa, o primeiro Baptismo, a primeira Confissão… é a alegria de poder pela primeira vez, como ungidos, partilhar – maravilhados – o tesouro do Evangelho e sentir que o povo fiel volta a ungir-te de outra maneira: com os seus pedidos, inclinando a cabeça para que tu os abençoes, apertando-te as mãos, apresentando-te aos seus filhos, intercedendo pelos seus doentes… Conserva, Senhor, nos teus sacerdotes jovens, a alegria de começar, de fazer cada coisa como nova, a alegria de consumar a vida por Ti. Nesta Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que confirme a alegria sacerdotal daqueles que têm muitos anos de ministério. Aquela alegria que, sem desaparecer dos olhos, pousa sobre os ombros de quantos suportam o peso do ministério, aqueles sacerdotes que já tomaram o pulso ao trabalho, reúnem as suas forças e se rearmam: «tomam fôlego», como dizem os desportistas. Conserva, Senhor, a profundidade e a sábia maturidade da alegria dos sacerdotes adultos. Saibam orar como Neemias: a alegria do Senhor é a minha força (cf. Ne 8, 10). Enfim, nesta Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que brilhe a alegria dos sacerdotes idosos, sãos ou doentes. É a alegria da Cruz, que dimana da certeza de possuir um tesouro incorruptível num vaso de barro que se vai desfazendo. Saibam estar bem em qualquer lugar, sentindo na fugacidade do tempo o sabor do eterno (Guardini). Sintam a alegria de passar a chama, a alegria de ver crescer os filhos dos filhos e de saudar, sorrindo e com mansidão, as promessas, naquela esperança que não desilude.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Em anexo, breve relato da Assembléia da CNBB Informações da Diocese (17/05/14) CNBB: À LUZ DA ASSEMBLÉIA Dom Demétrio Valentini Talvez como nunca, uma assembléia da CNBB foi tão produtiva como esta última. Tantos assuntos, aprovados com tanta convergência. Tamanha, que chegou a pairar um exagero de adesões, uma demasiada concordância, a ponto de despertar algum temor de ter deixado passar alguma palavra ou frase menos adequadas. Mas, se observamos bem certos detalhes, podemos identificar as razões desta rapidez de concordância. Os dois principais assuntos já tinham sido estudados na assembléia de 2013, sobre a Paróquia e sobre a Questão Agrária. E os outros assuntos inseridos na pauta deste ano, eram muito oportunos. Além disto, as comissões encarregadas de preparar os textos e examinar as emendas, trabalharam muito bem, inspirando confiança no plenário, e abrindo caminho para a aprovação final de cada texto. Olhando a pauta, encontramos outra razão da diversidade de assuntos. Bispos reunidos em assembléia não podiam deixar de dizer uma palavra sobre os fatos importantes que estão na agenda deste ano. Até sobre a Copa do Mundo lançaram sua mensagem. E não se omitiram de falar sobre as próximas eleições, e de expressar sua preocupação com a crescente onda de violência que assusta o Brasil. Tanto que em decorrência desta preocupação, foi lançado um “ano da paz”, em que a sociedade brasileira será convocada a enfrentar, solidariamente, os desafios contidos nesta complexa situação. A nível mundial, a CNBB acolheu a proposta, trazida pela Cáritas Brasileira, de se fazer uma campanha contra a fome no mundo, iniciativa que já conta com a firme adesão do Papa Francisco. E para encontrar logo uma maneira prática de atuar nesta campanha, ficou decidido que no próximo ano, a coleta da Campanha da Fraternidade destine cinqüenta por cento de sua arrecadação para o Haiti, país que ainda está penando para se reerguer das conseqüências do terremoto que se abateu sobre ele. A assembléia decidiu também apoiar a iniciativa popular de lei, com a proposta de uma verdadeira reforma política. Com isto, a CNBB mostra que identifica bem onde está o nascedouro dos problemas que afligem o país, enredado nos equívocos do seu sistema eleitoral. Pode ser que a sociedade não se lembre muito da Igreja. Mas a Igreja não esquece os problemas sociais. Tanto é verdade que a Campanha da Fraternidade do próximo ano, terá como tema, exatamente, a Igreja e a Sociedade. Tudo isto fez parte desta assembléia. E muito mais. Foram diversas as sessões dedicadas à partilha de preocupações e dificuldades, inerentes à missão cotidiana de cada bispo. Pois a finalidade primeira, e mais importante, da assembléia da CNBB é o convívio fraterno e a ajuda mútua entre os próprios bispos, que, por exemplo, repartem entre si os gastos das passagens, e além disto são incentivados, na medida das possibilidades de cada um, a ajudar os que provêm de dioceses mais pobres. Para fins de ação concreta da Igreja, neste ano em que já celebramos a Páscoa, e agora a assembléia da CNBB, parecem bastante claras duas referências práticas a guiar a ação pastoral: acolher as propostas do Papa Francisco, expressas sobretudo em sua exortação Evangelii Gaudium, e iniciar a renovação eclesial, começando por renovar nossas paróquias. Para que assim a Igreja se torne mais missionária, aberta para acolher, e pronta a sair de si mesma, para ir ao encontro dos que necessitam da mensagem libertadora do Evangelho. Depois de uma assembléia como esta, dá para apostar nas novas esperanças, que este tempo propício nos descortina pela frente.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

O GOLPE MILITAR DE 1964 E A IGREJA CATÓLICA ENTRE APOIO E RESISTÊNCIA
O FÓRUM DE PARTICIPAÇÃO DA V CONFERÊNCIA DE APARECIDA CONVIDA PARA A MESA REDONDA: Dia: 14 de Maio de 2014 - Quarta-feira Hora: 19:00 às 21:00 hs Local: AUDITÓRIO PAULINAS - Sobreloja Livraria Paulinas- Rua Domingos de Morais, 660 – São Paulo - SP (ao lado do Metrô Ana Rosa). ENTRADA FRANCA Debatedores: Dom Angélico Sândalo Bernardino – Bispo emérito de Blumenau, SC - De Ribeirão Preto a São Paulo, na trincheira das pastorais, dos movimentos populares e do jornal “O São Paulo” - Depoimento de um protagonista. José Cardonha (Zé Legal) - Professor de Ciências Políticas da Universidade São Francisco - "Resistência Católica ao Estado Autoritário Brasileiro nos Anos de Chumbo" (1968 - 1974). José Oscar Beozzo – historiador e coordenador geral do CESEEP: Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular - Frente ao golpe, posições conflitantes na Ação Católica (JEC, JUC, JAC e JOC), MEB, AP e Episcopado. Roberval Freire – Moderador – SPM – Serviço Pastoral do Migrante Membros do Fórum de Participação da V Conferência de Aparecida: Associação de Escolas Católicas (AEC/SP), Assessoria da Comissão Ampliada das CEBs, Casa da Solidariedade da Região Ipiranga/SP, Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEEP), Centro de Defesa dos Direitos da Criança/SP, Conselho Indigenista Missionário (CIMI/SP), Comissão Pastoral da Terra (CPT/SP), Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo (CLASP ), Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB - Regional/SP), Pastoral da Moradia, Grito dos Excluídos, Missionários Combonianos, Pastoral da Mulher Marginalizada; Pastoral Operária, Pastoral do Menor Estado/SP, Paulinas Editora, Serviço de Pastoral ao Migrante (SPM), Jubileu Sul Brasil. INFORMAÇÕES: CESEEP Tel.: 011-3105-1680; PASTORAL OPERÁRIA: Tel.: 011- 2695 0404: SPM: Tel.: 011-2063 7064; PAULINAS: Tel.: 011-5081-9330. BLOG:

sábado, 15 de março de 2014

NÃO COMEÇOU EM 2013, NÃO VAI TERMINAR EM 2014: UMA ANÁLISE SOBRE OS ATOS DE RUA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS ORGANIZADOS 10/03/2014 · por comitepopularsp · em Artigo. · 17-junho-2013 Cerca de nove meses atrás, as ruas do Brasil presenciaram algo até então inédito no período pós-ditadura: manifestações massivas e simultâneas por todo o país, em busca de uma causa comum, a do transporte público. O trabalho de anos do Movimento Passe Livre e de outros grupos e movimentos sociais se transformou em catarse quando, em resposta à brutalidade policial, milhões foram às ruas, ainda que com demandas e pautas confusas, engrossaram o coro e fizeram parte da grande vitória das organizações populares de esquerda nas ruas: a queda da tarifa. Nesta nota, o Comitê Popular da Copa-SP convida todas e todos a uma análise da conjuntura pré Copa, para repensar estratégias de luta, pois acreditamos que é preciso afinar as pautas, mobilizar pela base e compreender todas as forças envolvidas na atual conjuntura, sem o que cairíamos na ilusão de que mobilizações desta natureza brotam espontaneamente. De onde vem a violência? Salta aos olhos o avanço do braço armado do estado em todas as esferas de governo: da Guarda Civil Metropolitana (GCM) à Força Nacional de Segurança (FNS) e às Forças Armadas, passando pela Polícia Militar, com suas práticas da ditadura, e por seu par, a Polícia “Civil”, todas receberam aportes bilionários em equipamentos e armas, infraestrutura, soldados, vigilância e monitoramento. O investimento de R$ 1,5 bilhão na segurança para os megaeventos é um dos gastos da Copa que mais assusta: contra qual inimigo isto tudo se volta? O Congresso e o Ministro da Justiça trabalham para reinventar o crime de terrorismo que pode ser aplicado como uma lei anti-manifestação. Tornam crime nossa ação política. Entre as novas regras do jogo, a Lei Geral da Copa de 2012 permite a criação de zonas de exclusão de 2km ao redor dos estádios nos espaços públicos (um cerco militar) e a isenção total de impostos (cerca de R$ 10 bilhões), para garantir que FIFA e as corporações patrocinadoras gozem seus lucros, entre outras exceções ao chamado estado democrático de direito, que ferem a nossa democracia “excessiva”, como diria o secretário geral da FIFA. Para realizar um megaevento, os governos reduzem direitos civis e políticos, se armam contra a própria população, sobretudo contra os mais pobres. Isso não significa que devemos ficar em casa. Ou que nada sobrou de junho. Longe disso. O gigante que “acordou” em 2013 representa uma parcela da população, grande parte dela bastante jovem, que nunca tinha visto ou experimentado ir às ruas por direitos. Mas desde que o Brasil é desigual, há pessoas que enfrentam balas que não são de borracha, que matam mais que as de qualquer outra polícia do mundo em tempos de “paz”. Os movimentos sociais organizados, por moradia, por saúde, por educação, pelo fim do genocídio da população negra e periférica, não nasceram em 2013. Formaram também a base das jornadas de junho e, tão logo caiu a tarifa, continuaram nas ruas – e apanharam por isso – para reclamar contra a falta de moradias, contra a violência da PM, contra a sua invisibilidade social. Os mesmos movimentos que, em anos de mobilização, construíram uma pauta ampla de esquerda: trabalhadores (sejam eles ambulantes, catadores, garis ou professores) querem seu direito a um trabalho digno; moradores de áreas pobres e de favelas, os direitos à moradia digna, a um transporte público de fato e a serviços públicos de qualidade – equipamentos culturais, de lazer, escolas, hospitais, saneamento; movimentos da população de rua querem, para começar, o fim da violência e do higienismo social; organizações feministas, o fim da violência contra a mulher – muitas delas crianças e adolescentes – pra atender aos caprichos sexuais nas redes de prostituição forçada e de exploração sexual pelo país. Jovens querem, no mínimo, a liberdade de manifestação para alterar este estado de coisas. A Copa atravessa todas essas pautas e por isso esses movimentos discutem, se mobilizam e vão às ruas desde 2011. Para questionar a quem serve o megaevento da FIFA, nos articulamos no Comitê Popular da Copa-SP. São movimentos sociais organizados os responsáveis pela continuação ininterrupta da luta, que não começou em 2013, nas ruas. Foi assim no Rio: do transporte, surgiu a pauta dos gastos na Copa e da repressão policial; da Copa, surgiu a voz e a vez dos professores; e hoje são os garis quem estão nas ruas por melhores condições de trabalho. Fortalecer e engrossar esses protestos, desde baixo, é um caminho muito mais concreto e horizontal de luta do que acreditar que as chamadas para atos são as catalizadoras das manifestações massivas nas ruas. É necessário organizar, fortalecer desde baixo, para estar na rua sabendo o que se quer, como alcançar os objetivos e de quem cobrar. Além disso, convocar atos inclui uma responsabilidade imensa, principalmente em tempos de violência estatal crescente: é a vida das pessoas em risco nas ruas, como já puderam provar os tiros recebidos pelo jovem em São Paulo e as muitas mortes decorrentes de violência estatal em manifestações, sendo a última a de de Tasman Amaral Accioly, de 72 anos, atropelado por um ônibus nas ruas do Rio em fevereiro, buscando escapar da truculência da repressão da Polícia Militar. Lições do asfalto A rua é nossa, sim, e é um espaço de disputa. Mas estar nela implica em pensar como e por quê estar nela. Apenas em 22 de fevereiro, 262 pessoas foram presas ilegalmente e fichadas pela polícia, e outras 80 intimadas a depor na hora e data do protesto; em apenas dois atos em 2014, a policia prendeu mais manifestantes do que em todo o ano passado, e o DEIC, que faz as vezes de DEOPS do século XXI, iniciou um arbitrário e autoritário inquérito de cunho político e social, com o apoio do governo estadual, ministério público e poder judiciário. Não podemos ir às ruas ingenuamente para reforçar campanhas da grande mídia contra os protestos. Se queremos vencer, temos que ter as pautas conosco, as causas conosco, e principalmente, o apoio popular conosco. Isso implica repensar a rua, como fez a PM. Se o Estado mudou suas táticas, precisamos também pensar em como mudar as nossas, de baixo pra cima. Sem isso, corremos o risco de ir às ruas apenas para treinar as forças de repressão a serviço do Estado, da FIFA e das empresas patrocinadoras da Copa, de modo que, assim, não só vai ter copa, como o que não vai é ter gente lutando na rua depois dela. São Paulo tem um desafio enorme pela frente: além de ser a abertura da Copa em 12 de junho, servindo de termômetro pro que vai acontecer pelo país, ainda abriga o Congresso da Fifa nos dias 10 e 11 de junho. Estaremos nas ruas nessas datas. Mas antes disso, é hora de construir a mobilização junto aos movimentos sociais. Já estivemos nas ruas no 8 de março das mulheres, e estaremos no Dia da Mentira, para não deixar esquecer os 50 anos do golpe empresarial-militar de 64 e suas sombras tão atuais. Estaremos nas jornadas por moradia de abril e maio, nas marchas das vadias, pela liberdade de manifestação. E enquanto a intervenção militar de extermínio nas periferias e quebradas não cessar, estaremos nas ruas também pelo fim da guerra às drogas (e aos pobres), uma política fracassada que enriquece banqueiros, senhores das armas e colarinhos brancos. Além disso, estaremos organizando em abril a 2ª Copa Rebelde dos Movimentos Sociais, para ocupar o espaço público com futebol, teatro e música. Não deixaremos que o terror estatal nos amedronte ou nos cale. Mas, por mais que seja compreensível a vontade de retomar as jornadas de junho de 2013 agora, é desejável ter em vista que as jornadas de 2014 não sejam as últimas, e que a Copa não é a última das fronteiras do capital e nem mesmo a pauta principal. Estamos lutando pelo nosso direito à cidade, por uma sociedade mais igual, e livre. A construção tem que vir de baixo para cima, como em 2013, para que depois da Copa, o poder popular continue a tomar as ruas por direitos, independentemente das novas manobras aprendidas pelos policiais, das novas tropas e inquéritos criados ou dos novos aparatos tecnológicos de repressão. Por isso tentamos, nos últimos 3 anos, construir atividades de formação, produzir e difundir contra-informação para aprofundar o debate público sobre nossas pautas, além de termos realizado quatro atos de rua. A rua é nossa, e cabe a nós agora repensá-la pra que não só a população daqui, mas do mundo inteiro, que terá seus olhos sobre o país através da mídia internacional, compreenda que não, não iremos parar, porque temos causas justas e pautas concretas. Viemos de baixo e, enquanto nosso direito à cidade não estiver garantido, continuaremos a construir formas de ocupar o espaço público para reivindicar o que é nosso. Calendário de ações que organizamos e participamos: 10 de março – 8º Debate-Bola “Trabalho Ambulante e a Copa da FIFA”; 15 de março – Jogo-debate Autônomos FC x Comitê Popular da Copa SP; 20 de março – Reunião aberta do Comitê Popular da Copa SP; 27 de março – 9º Debate-Bola “Militarização e Lei Anti-Terror”; 31 de março – Ato MTST “contra a ditadura”; 01 de abril – Cordão da Mentira – 50 anos do Golpe; 03 de abril – Reunião aberta do Comitê Popular da Copa SP; 08 de abril – Jornada de lutas por moradia; 13 de abril – 2ª Copa Rebelde dos Movimentos Sociais; 17 de abril – Reunião aberta do Comitê Popular da Copa SP; 26 de abril – Marcha da Maconha: “Cultivar a liberdade para não colher a guerra”; 01 de maio – Encontro Nacional dxs Atingidxs por Megaeventos e Megaprojetos (BH); 15 de maio – Dia (Inter)Nacional de Luta contra a Copa, Megaeventos e Megaprojetos. http://comitepopularsp.wordpress.com/2014/03/10/nao-comecou-em-2013-nao-vai-terminar-em-2014-uma-analise-sobre-os-atos-de-rua-e-os-movimentos-sociais-organizados/

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Carlos Vainer: Rio promove “limpeza urbana” e será mais desigual em 2016

Denúncias
publicado em 30 de janeiro de 2014 às 19:24 Carlos Vainer: “Após megaeventos, Rio será uma cidade muito mais desigual” por Dario de Negreiros, do Rio de Janeiro Discutir e analisar ponderadamente o impacto causado pelos megaeventos nas cidades que brasileiras que lhes servirão de sede é tarefa que, ao menos nesta semana, chega a soar impossível. Aos manifestantes anti-Copa, há muito que a brutalidade, o abuso e a inconsequência das instituições policiais não constituem novidade. Mas, após os eventos do último fim de semana, aqueles que já há alguns anos sustentam o bordão “Se não tiver direitos, não vai ter Copa” passaram a receber pancadas também de setores que costumam se identificar como progressistas. O texto de Igor Ojeda (No mundo onde cresci, protestar contra violações é ser de esquerda) e o de Antonio Lassance (Vai ter Copa: argumentos para enfrentar quem torce contra o Brasil) ajudam a desfazer os simplismos e a desmentir as desinformações dos que se situam nos dois lados da polêmica. Mas talvez ninguém ainda tenha situado a questão de modo tão abrangente quanto o faz o professor Carlos Vainer, do Ippur (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. As mudanças de paradigma dos diferentes modelos de desenvolvimento urbano, as novas formas de organização da cidade e os conflitos que delas são decorrentes há muito tempo interessam a Vainer. Mais recentemente, desenvolveu estudos sobre as grandes intervenções e os grandes projetos urbanos: em São Paulo, analisou a construção da avenida Águas Espraiadas; em Salvador, as alterações promovidas no Pelourinho; no Rio, as intervenções ligadas aos Jogos Panamericanos. Este último levou o grupo de Vainer a se aprofundar no trabalho de avaliação dos impactos dos grandes eventos esportivos internacionais. Na entrevista abaixo, concedida no último dia 13 no Ippur, na Cidade Universitária da UFRJ, Vainer fala sobre as consequências atuais e vindouras das grandes obras que modificam o cenário urbano da capital fluminense. Mas, mais do que isso, o pesquisador situa estas intervenções nos processos mais amplos das quais elas fazem parte: a vigência de um novo modelo de cidade e de um novo padrão de desenvolvimento urbano, cujo princípio remete ao início dos anos 90. O diagnóstico, se quisermos, pode ser sumariamente resumido: aprofundamento das desigualdades sócio-espaciais, guetificação das áreas pobres, fim da possibilidade da gestão democrática do espaço urbano, criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. Sem contar o legado de violações de direitos humanos sofridas por até 80 mil habitantes do Rio de Janeiro – número que, em outras estimativas, chega à casa da centena de milhar. Se, para Vainer, algo de positivo pode ser extraído desse cenário, devemos procurá-lo nas reações à insustentabilidade deste modelo. “Toda esta tentativa de despolitização do espaço urbano foi desafiada de maneira evidente pelas milhões de pessoas que foram às ruas e que disseram: ‘esse é um espaço público, um espaço nosso’.” Um país que, embora intensamente urbanizado, estava acostumado a ver vindos do campo seus principais movimentos sociais, vive a crise do urbano como ocasião de politização de suas cidades. “O Brasil-político se urbanizou e o Brasil-urbano se politizou”. Em virtude dos acontecimentos dos últimos dias, decidimo-nos por antecipar a publicação desta entrevista. Ela faz parte de uma série de reportagens que o Viomundo fará sobre políticas públicas dos governos estaduais do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco. Também faremos um balanço dos principais programas do governo Dilma. As reportagens são bancadas integralmente pelos assinantes do Viomundo, a quem agradecemos profundamente por promover jornalismo independente e compartilhá-lo generosamente em rede com outros leitores. *** Viomundo — Professor, o Rio de Janeiro está passando por grandes intervenções urbanas, que muitas vezes procuram vender a imagem da construção de um novo paraíso. Onde o senhor diria que o carioca viverá daqui a alguns anos? Ou seja, quais seriam os resultados das transformações pelas quais passa a cidade do Rio de Janeiro atualmente? Carlos Vainer – O resultado desse processo é, inexoravelmente, uma cidade muito mais desigual. Haverá cariocas no paraíso e haverá cariocas no inferno. Aliás, essa já é a realidade contemporânea, só que ela está sendo aguçada. O primeiro resultado de todo esse processo – que tem nos Jogos Olímpicos e na Copa um momento de evidenciação, agudização e consolidação – é o aprofundamento da desigualdade. Viomundo — E a maior parte da população estará no inferno? A imensa maioria da população. A região metropolitana do Rio tem 12 milhões de habitantes, o município tem em torno de 5,5 milhões. A Barra da Tijuca tem 200 mil habitantes. Compare os investimentos feitos na Barra da Tijuca com os investimentos feitos no resto da cidade. Aí nós vamos ver como é que está sendo construído o paraíso, mas, sobretudo, como estão sendo construídos os eleitos desse paraíso. Aliás, os verdadeiros eleitos desse paraíso não são nem os moradores dos condomínios da Barra da Tijuca. São os grandes latifundiários urbanos, as grandes empresas, as grandes empreiteiras, os grandes contratados, os grandes parceiros. Esses são os verdadeiros eleitos. E os eleitos por esse modelo de cidade fraudam, através da corrupção e dos financiamentos de campanha, a manifestação democrática do processo eleitoral. Mas a primeira coisa que devemos considerar é que as políticas urbanas, os projetos e o padrão de desenvolvimento urbano vigentes no Rio de Janeiro não se iniciaram hoje. Se formos buscar suas origens, temos de ir pelo menos ao primeiro governo do ex-prefeito César Maia (1993-1996). Se nós pensarmos em perspectiva histórica, nós estamos desde 1992 sob a égide de um mesmo projeto e concepção de cidade. Depois do César Maia, tivemos um governo do Luiz Paulo Conde (1997-2000), que tinha sido secretário municipal de Urbanismo do César Maia. Depois o César Maia volta e faz dois mandatos. Depois vem o Eduardo Paes que, embora tenha se candidatado por um partido diferente do partido do César Maia, é herdeiro das mesmas concepções: foi secretário [Municipal do Meio Ambiente, a partir de 2001] e foi sub-prefeito da Barra da Tijuca no governo César Maia. Então são mais de 20 anos de construção de um projeto de cidade e de uma coalizão de poder que vai implantar e conduzir uma nova ideia e conceito de cidade, que hoje nós assistimos ser quase transformada em modelo nacional. Viomundo — Essa coalizão envolve quais atores? Envolve antigas oligarquias da cidade, grandes escritórios de advocacia, de arquitetura, uma elite deste tipo; tem também os interesses dos grandes comerciantes, dos grandes proprietários de terra, do que restou do capital industrial, de todo o capital que gira em torno da atividade turística; e, progressivamente, temos o interesse das grandes empreiteiras, que são hoje um vetor fundamental das coalizões de poder a nível nacional, mas também a nível local. Nós as contamos na palma das mãos, são dez: Odebrecht, Camargo Correia, Mendes Junior, Carioca Engenharia, OAS e mais cinco. Grupos estruturados, poderosíssimos, que hoje são grupos de poder urbano, também. Algumas delas começaram construindo Brasília, outras cresceram sob as asas protetoras da ditadura militar (1964-1985) e suas grandes obras – como os grupos baianos, por exemplo. E, depois, se instauraram na república democrática como um dos vetores fundamentais dos grupos dominantes. Inclusive, como nós sabemos, as grandes empreiteiras, ao lado dos grandes bancos, são os grandes financiadores de campanha, são o esteio do sistema político construído a partir da constituição de 1988. Viomundo — E qual é este o conceito de cidade que essa coalizão implementa? Este modelo de cidade tem três vetores fundamentais. O primeiro é o aprofundamento da desigualdade e o desenvolvimento da cidade sob a lógica da empresa. O modelo se funda na ideia de que cidades devem ser planejadas segundo uma perspectiva estratégica. O planejamento estratégico é transposto do planejamento empresarial para o planejamento de cidades: as cidades passam a ser pensadas como empresas que concorrem com outras empresas em um mercado internacional de cidades. E concorrem para vender o quê? As cidades vendem localização. Pra quem? Para as grandes empresas, que circulam pelo mundo e que, com as mudanças tecnológicas, no processo de globalização, cada vez mais são móveis – em inglês se diz footloose –, cada vez mais têm possibilidades de circular e investir em qualquer parte do mundo. Então as cidades seriam empresas que concorreriam com empresas para atrair investimentos, turistas e eventos. Em segundo lugar, há a despolitização da cidade. É necessário que ela não seja objeto de discussão pública. Uma operação urbana não se discute com o público. A população não foi chamada para discutir o que ela gostaria de fazer na área portuária. Ela não foi consultada para saber se ela quer investir bilhões em vias expressas em direção a uma área praticamente vazia da cidade, onde nós temos menos de 15% das demandas de transporte, enquanto que 80% da demanda de transporte está na área suburbana, na Baixada Fluminense e na Grande Niterói. As populações estão submetidas a transporte precário e dispendem, às vezes, três, quatro, até cinco horas por dia no trajeto casa-trabalho/trabalho-casa. Mas não são aí que estão sendo feitos os investimentos. Aí, o que nós assistimos é a degradação das ferrovias, das vias. Os investimentos são feitos não onde há uma demanda de transporte, mas onde há uma expectativa de valorização imobiliária. A despolitização da cidade significa a transformação da cidade de espaço público em privado. A política diz respeito a quê? À ação coletiva no espaço público. O processo de privatização da cidade é a negação da política, portanto o fim da expectativa da democracia urbana. É a transformação do governo urbano em um governo autoritário. Veja bem, se você for ler os teóricos catalães, eles propunham exatamente isso: eles diziam que era necessário um governo forte, carismático. Por quê? Porque, segundo eles, para uma cidade ser competitiva, ela precisa estar unida em torno de seu projeto. Ou seja, a ideia de que haja disputas, oposições, no interior da cidade, enfraquece-a na competição. Exemplo: quando o Rio ganhou a candidatura para as Olimpíadas, havia um movimento em Chicago chamado “Chicagoans for Rio”, quer dizer, “chicaguenses pelo Rio”. Evidentemente, o COI não viu com simpatia ir para uma cidade onde havia um movimento organizado contrário. O secretário-geral da Fifa [Jérôme Valcke] já disse que democracia atrapalha fazer Copa do Mundo. A cidade da empresa, a cidade do evento, a cidade da negociação empresarial, das chamadas parcerias público-privadas, é uma cidade para a qual a democracia é um obstáculo. E, portanto, um elemento central deste modelo é o autoritarismo urbano, as parcerias público-privadas como forma de captura do espaço urbano pelo capital privado. Por isso que eu digo que a contraface da cidade de exceção é a democracia direta do capital. A população é excluída dos processos de negociação e discussão dos destinos da cidade, que são tratados nas operações urbanas. Quem é que discutiu que o autódromo do Rio deveria ser destruído para dar origem a um Parque Olímpico que vai funcionar durante um mês e que, depois, vai se transformar em um grande empreendimento imobiliário? Exemplo extraordinário – e absurdo, que parece não ter limites – é o caso do campo de golfe olímpico na cidade do Rio, para as Olimpíadas. O Rio tem dois campos de golfe. Descobriram que faltava neles um buraco, para seguir os padrões olímpicos. Solução? A todos os cidadãos de bom senso, parece ser estender um buraco nesse campo. Solução encontrada pela Prefeitura? Fazer um outro campo. R$ 350 milhões: este é o orçamento inicial – vai ficar provavelmente por R$ 600 milhões, R$ 700 milhões. Não satisfeitos, vão fazer esse campo em uma área de proteção ambiental, que, portanto, foi suspensa. Mais: esse campo, agora, faz parte de um projeto imobiliário do Pasquale Mauro, que vai construir uma série de condomínios em torno do campo. Condomínio dos quais esse campo vai ser um dos luxos ofertados aos futuros compradores. Ou seja: um processo de desperdício de recursos públicos, de entrega de área ambiental, de entrega de patrimônio público, de investimentos que vão ser capturados pelo processo de valorização imobiliária. Isso é o exemplo de uma operação urbana, isso é o exemplo do que é a democracia direta do capital, do que é a apropriação da cidade e a privatização dos espaços urbanos. Viomundo — No momento em que são feitas as remoções, as legislações da cidade, antes flexíveis, aparecem agora com todo o seu rigor. As comunidades pobres enfrentam laudos de área de risco, de área de proteção ambiental etc. No pico do Santa Marta, chegou a ser feito um contra-laudo, que procurava mostrar que ali não seria uma área de risco e que a tentativa de remoção aconteceria, então, por outros motivos. Há um uso político desse mecanismo? Para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei. É necessário entender que neste processo de transformação a população passa a ser um inimigo potencial permanente. Sempre que ela colocar em questão qualquer decisão, ela é um inimigo. Porque ela está dividindo a cidade e uma cidade dividida vai ser derrotada na competição. Por isso é necessário “manter a imagem da cidade”. Se a sua imagem não for mantida, ela não é atrativa. O capitalista quer entrar numa cidade onde sindicatos estão lutando por salários? Eu não quero investir numa cidade conflituada por lutas sindicais, por protestos e manifestações. Essa cidade – que é a cidade onde se exerce plenamente a democracia, onde os grupos sociais, os diferentes setores da sociedade se manifestam no espaço público levando propostas e projetos públicos – é inimiga profunda da cidade-empresa, da cidade-negócio, da cidade competitiva. Viomundo — O quão importante é o papel das forças de segurança pública para a criação e a manutenção deste modelo de cidade? Com o aprofundamento da desigualdade e o fim da democracia, a violência se impõe. A polícia irá atuar, então, seja para conter os pobres nos espaços que lhe foram alocados, seja para impedir as manifestações públicas, como se viu recentemente. As manifestações são uma ameaça à cidade-empresa. Empresa e política não caminham bem: no interior de uma empresa não é possível fazer política. E se a cidade é uma cidade-empresa, também ali não vai se discutir. Quer dizer, ali vai se produtivizar o capital, vai se promover a competitividade e a produtividade. Não vamos discutir com os citadinos, porque essa cidade não é pros citadinos, é pros compradores de cidade. Então a repressão passa a ser um elemento central no conceito mais geral de cidade. O que nós assistimos, neste processo, é à criminalização de todos aqueles que não aderem, ou não fazem parte, desta cidade. A cidade-empresa reconhece não o citadino ou o morador. Ela reconhece dois personagens principais: o cliente e o investidor. Ou você é comprador, ou você é investidor. Se você é um cidadão, se você é uma pessoa que quer discutir que cidade a gente quer, você tem de ser banido dessa cidade porque você é uma ameaça à sua competitividade, você é um traidor desta cidade. Isso fica muito claro nos megaeventos. A recente decisão do COI de fazer os jogos de 2020 em Tóquio, nem em Madri nem em Istambul, é evidente: Istambul acabou de ser tomada por imensas manifestações e os indignados tomaram as ruas da Espanha. Vai se fazer um evento aí? Não, a próxima Copa do Mundo vai ser no Qatar, onde não tem perspectiva nenhuma de conflito. Ou seja: esses megaeventos estão sendo progressivamente banidos para áreas supostas livres de risco de conflitos sociais, de protestos, de contestação. O que nós assistimos recentemente no Brasil inteiro – e o Rio tem uma expressão particular, pela sua configuração, pela sua importância como cidade no país e pelo fato de juntar Copa do Mundo e Olimpíadas – foi que as forças repressivas mostraram que esses eventos são incompatíveis com a democracia. E, no caso do Rio, o que ficou muito claro foi que a polícia que mata nas favelas e nos bairros mais pobres é a mesma polícia brutal, descontrolada, desrespeitadora de qualquer direito, que reprimiu de maneira violenta, forjando flagrantes, pretendo gente de maneira arbitrária, nas cidades. A grande diferença, nesse processo que a gente pode chamar de democratização da repressão e da brutalidade promovida pela polícia do Rio, é que nas favelas eles usam balas de chumbo, enquanto nas manifestações eles ainda usam bala de borracha. A repressão mostrou a sua verdadeira face: ela tem uma dimensão de criminalização da pobreza, mas a outra e inseparável dimensão desta repressão é a criminalização da ação política. Viomundo — Quando se inicia, no Rio, a implementação deste novo conceito de cidade? Este novo conceito fica muito claro logo no início do primeiro governo César Maia, quando, com o apoio da Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) e um consórcio de mais de 40 grandes empresas, eles contratam a consultoria catalã Tubsa (Tecnologias Urbanas Barcelona S/A), de propriedade de um grande intelectual e consultor internacional catalão, Jordi Borja, além de alguns outros urbanistas que tinham estado engajados nas concepções que deram origem à Barcelona Olímpica. Viomundo — Este me parece um tema bastante interessante. Porque Barcelona olímpica é compreendida, no senso comum, como um projeto extremamente bem sucedido, de todos os pontos de vista. Além das diferenças que existem entre Barcelona e as cidades brasileiras, existe também um “mito Barcelona”? O sucesso de Barcelona é o sucesso de um momento particular da história espanhola e sua integração ao mercado comum europeu. Um momento particular de afirmação da autonomia catalã no âmbito do Estado espanhol. Mas também com consequências e sequelas brutais. Barcelona não inaugura esse processo – que, na verdade, foi inaugurado em algumas cidades americanas: Baltimore, Boston etc. Mas Barcelona, em primeiro lugar, implanta este modelo na Europa – e, a partir de Barcelona, ele vai ser exportado para a América Latina. E Barcelona, em segundo lugar, se destaca por um grande esforço de marketing urbano, promovendo seu próprio modelo através de grandes investimentos. Promovê-lo no sentido de afirmar, de um lado, a cataluneidade, vis à vis do Estado espanhol; e, de outro lado, afirmar a europeidade da Catalunha, tentando separá-la da Espanha e aproximá-la da Europa. As sequelas deste modelo estão aí na crise atual, nas crises imobiliárias sucessivas, que aconteceram primeiro nos EUA, depois na Europa. E em uma taxa de desemprego, entre jovens, de 40% a 45%. Viomundo — Essa experiência paradigmática de Barcelona pode ser considerada bem sucedida em relação ao que seria um uso democrático da cidade, do espaço público? Ou, já naquele momento, as intervenções urbanas eram excludentes? O processo de Barcelona é um processo contínuo e não esgotado. Num primeiro momento – sob a direção de um partido socialista, que se fortaleceu na Espanha e na Catalunha, e um partido autonomista, que nasce da transição democrática espanhola –, pode-se dizer que a experiência de Barcelona foi relativamente democrática. Ou seja: o plano estratégico da cidade, além das necessidades do marketing, foi capaz de compor uma frente urbana com diferentes componentes sociais e políticos. Progressivamente, este modelo foi se tornando cada vez mais empresarial, mais fechado à participação, mais um modelo neoliberal como outro qualquer. Alguns anos atrás, o próprio Jordi Borja denunciou que este projeto havia sido apropriado pelo grande capital especulativo. Porque, depois das Olimpíadas vem a Exposição Internacional, depois vêm as smart cities… Quer dizer, essas cidades, para se manterem competitivas dentro deste conceito, têm de estar permanentemente lançando novos produtos ao mercado. E isso passa a dominar a lógica da cidade. E, portanto, aconteceu em Barcelona, também, um processo de aburguesamento de áreas populares. Populações de baixa e média renda foram expulsas de uma série de áreas. Ou seja, Barcelona, apesar de ser uma cidade atrativa, é cada vez mais uma cidade sócio-espacialmente desigual. O que se agudiza, evidentemente, com a crise econômica. Eu não vou dizer que a crise espanhola, ou a crise da Catalunha, têm como causa as Olimpíadas e o projeto estratégico de cidade. Mas certamente os brutais investimentos urbanos feitos no processo de competitividade urbana, e a transformação da cidade em uma cidade voltada para a exportação e não para os seus citadinos, é parte deste processo. Hoje nós temos de 20% a 25% de desemprego na Catalunha, taxa que cresce para 40% entre os jovens. Os indignados, na Espanha, estão se manifestando contra um modelo de Estado, capital e sociedade, mas também contra um modelo urbano que transformou a cidade em uma grande empresa. E é justamente este modelo da cidade empresa, da cidade que concorre, da cidade que tem como elemento central não o atendimento das necessidades de seus cidadãos, mas o atendimento das necessidades de seus potenciais compradores, que vai ser adotado no Rio de Janeiro. O primeiro plano estratégico do Rio, não casualmente, não foi elaborado pelo poder público, mas por um consórcio empresarial, liderado pela Firjan e pela ACRJ (Associação Comercial do Rio de Janeiro). Plano que vai, progressivamente, sob a orientação técnica, metodológica, intelectual e cultural dos catalães, implantar este projeto de cidade no Rio. E, já ali, em 1994, já está dito que o Rio tem uma vocação olímpica. E logo a seguir se faz a primeira candidatura do Rio a sediar os Jogos Olímpicos. Quem elabora essa proposta? Os mesmos consultores catalães. Essa proposta é derrotada, há uma outra proposta mais adiante e, finalmente, há a terceira, que é vitoriosa. Nós sabemos muito bem que a vitória dessa terceira também está associada ao alinhamento do governo local com os governos estadual e federal. O governo federal investiu todo o seu prestígio – Lula, em particular –, deu uma série de garantias ao COI (Comitê Olímpico Internacional), como também à Fifa, de que o Brasil bancaria integralmente os custos, inclusive se houvesse perdas, que o Brasil entregaria as 12 cidades para a Copa, e o Rio para as Olimpíadas, segundo a vontade, o desejo e as necessidades do COI e da Fifa. Que ao fim e ao cabo são duas instituições privadas internacionais, que não respondem diante de ninguém, a não ser dos seus próprios conselhos. Viomundo — É possível localizarmos aquela que seria a primeira grande intervenção urbana, aqui no Rio, deste novo projeto de cidade? A Rio+20 [Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em junho de 2012] é uma grande intervenção. Por exemplo: associado à Rio+20, você tem a Linha Amarela, que é um grande projeto urbano. Mas eu diria que este projeto teve um longo tempo de incubação. Porque você não pode entender a economia do urbano se não entender também as estruturas políticas. Antes, havia uma grande fragmentação dos grupos dominantes. Essa fragmentação, em um certo sentido, não foi superada. Como é que se constituiu a coalizão? Este grupo dominante não se coaliza em torno de um partido. Na estrutura partidária brasileira, o partido é o que menos importa. O Garotinho esteve no PDT, depois saiu para o PMDB. As trajetórias partidárias do César Maia, do Eduardo Paes, são irrelevantes. Isso torna mais difícil ler esses processos, porque eles não são legíveis através das representações políticas. E é muito difícil, para a gente, saber o que está para lá dessas representações políticas. Não existe um projeto de cidade claro. Que cidade se pretende? O plano diretor é uma piada, é um documento que ninguém leva a sério. O Estatuto da Cidade, ao autorizar as operações urbanas consorciadas, permite botar o plano diretor na lata do lixo, onde ele está na maioria das cidades brasileiras. E no Rio, também. Viomundo — Um conceito bastante central na sua obra é o de “cidade de exceção”. O senhor fala que esta é uma “nova forma de regime urbano”. Em que isso consiste? Em primeiro, não há regra. As operações urbanas permitem que a lei estabelecida no plano diretor seja suspensa. A cidade de exceção é a cidade em que a regra caduca sempre que se faça uma negociação entre Estado e capital privado que interesse ao capital privado. Eu recomendo a você e a seus leitores que procurem no You Tube o vídeo de uma negociação entre o Cid Gomes, governador do Ceará, e um grupo de empresários da construção imobiliária. Você vai ver como é que eles planejam nossas cidades, como é que eles negociam pedaços da cidade. O plano diretor teoricamente seria rígido, voluntarista, intervencionista, tecnocrático. Nós precisaríamos de flexibilidade: a cidade teria que ser entregue à lógica do mercado, porque o mercado é suposto ser a melhor forma de definir os rumos da sociedade e da cidade. Como dizem os economistas, o mercado é a melhor forma de alocação de recursos. Qualquer intervenção que contrarie, prejudique, desequilibre o funcionamento do mercado tenderia a levar ao que os economistas chamam de uma alocação sub-ótima de recursos. A alocação ótima quem faz é o mercado. Portanto a intervenção de Estado e o modelo de planejamento que se afirmou partir da II Guerra Mundial no plano diretor e no zoneamento urbano são colocados no banco dos réus, porque ele é suposto “anti-mercado”. Na linguagem do Banco Mundial, é necessário um planejamento que eles chamam, agora, de market friendly, amigável com o mercado. Ou market oriented: orientado pelo e para o mercado. Então o Estado pode intervirdesde que seja para favorecer o pleno funcionamento do mercado, não para impor regras, normas etc. Viomundo — O Estado, então, atua como um facilitador do lucro das grandes empresas a partir do uso do espaço público? Se a saída para o desenvolvimento das cidades é ela ser competitiva e, para ela ser competitiva, ela tem que atender aos capitais aqui presentes e atrair capitais, a sua função é ser um facilitador do funcionamento do mercado capitalista. No fundo dessa teoria estaria a ideia de que isso geraria o melhor resultado social. Quando olhamos para as todas estas cidades depois de 20, 25 anos de hegemonia do que é, na verdade, o pensamento neoliberal, nós vemos que em todas elas o que se assistiu foi ao aumento da desigualdade urbana. Nas cidades brasileiras, que já eram profundamente desiguais, estão sendo gerados verdadeiros processos de guetificação urbana, transformação da cidade em um conjunto de cidadelas: as cidadelas dos ricos, nos condomínios fechados, cercados por muros e protegidos por vigilantes; e os condomínios dos pobres, ou os guetos dos pobres, cercados por polícias. A Escola de Chicago definia a cidade como um aglomerado de grande porte, heterogêneo e denso. Portanto, a heterogeneidade e a densidade seriam características fundamentais do que mereceria ser chamado de cidade. O que nós assistimos é, então, a progressiva destruição da cidade, porque a heterogeneidade densa passa a ser eliminada do espaço urbano através de sucessivos processos de segregação. Evidentemente que isso não se inicia com César Maia – ele é importante, mas nem tanto. Se nós formos pegar a história do Rio, eu brinco sempre, ela começou em 1808, quando veio a família real para cá. Naquela época, 20 mil casas foram apropriadas para instalar a corte, vinda de Lisboa. Então a gente pode dizer que a história da cidade do Rio se inaugura no século XIX, como capital do Império Português, com um processo de remoção. Mais recentemente, eu diria que há três grandes ondas, que são ondas, simultaneamente, de modernização, mas também ondas de construção da estrutura dessa cidade desigual. Viomundo — Quais são elas? Primeira, na virada do século XIX para o século XX, que é a grande reforma Pereira Passos, que vai instaurar o porto moderno – que hoje está sendo submetido a novas transformações –, que vai criar as grandes avenidas centrais e vai abrir o caminho para a zona Sul, para a área oceânica da cidade. Copacabana é inaugurada nesse período, através de linhas de trem, em um processo muito similar ao que nós assistimos, hoje, na Barra da Tijuca. Você abre as linhas de bonde para as áreas vazias, que são colocadas em valorização, pela própria Light. Era uma empresa estrangeira que criava linhas de transporte, mas um transporte associado a um processo de valorização fundiária, como hoje os BRTs e os metrôs que estão sendo construídos em direção às terras vazias da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes. Esse é um período de grandes remoções da população das áreas centrais da cidade e construções dos primeiros subúrbios. A segunda grande mudança e modernização da cidade se faz sob Carlos Lacerda, no início dos anos 60, e nos primeiros anos sob a ditadura militar. É um processo de remoção brutal, também. De toda a área da lagoa [Rodrigo de Freitas], e de áreas importantes da zona Sul da cidade, a população é removida. E as áreas são apropriadas pelo capital imobiliário em expansão. Foram removidas em torno de 35 e 40 mil pessoas. E, agora, nós temos todo o processo, desde os anos 80, de expansão da cidade em direção à Barra da Tijuca, que é a nova fronteira de expansão do capital imobiliário. O Estado investiu recursos inimagináveis para viabilizar esta grande operação imobiliária. Quando, no mundo inteiro, se fala em fazer cidades densas, não estender as malhas urbanas – inclusive por razões ambientais, porque isso estende transporte, circulação, custos de infraestrutura, impermeabilização do solo, eliminação de terras agrícolas e florestais. O que é que se recomenda no mundo inteiro? Utilizar os vazios urbanos, todas as cidades têm enormes vazios urbanos. O Rio de Janeiro e várias outras cidades brasileiras tomam o caminho inverso, porque a sua lógica é a lógica de valorização da terra. No caso do Rio, isso ganha uma dimensão aguda, porque os milhares de quilômetros quadrados da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes são propriedade quase exclusiva de quatro grandes latifundistas urbanos. Um deles é famoso e muito próximo ao governo atual, que é o Carvalho Hosken. Qual o consórcio que recebeu a concessão do Parque Olímpico? Carvalho Hosken e Odebrecht, aliança entre um grande latifundista urbano e uma grande empreiteira. Viomundo — E quem são os outros três? Um é o Pasquale Mauro, outro é conhecido como “Chinês da Barra” [Tjong Hiong Oei, morto em outubro de 2012] e tem mais um que me escapa, agora. São os donos da Barra da Tijuca. E agora nós temos a estimativa de que em torno de 60 a 80 mil pessoas estão sendo removidas. No período dos anos 60 e 70, Cidade de Deus foi construída. Assim como Vila Kennedy, Vila Aliança, grandes assentamentos que hoje são as áreas mais violentas, mais miseráveis, de maior desemprego na cidade, foram produzidas nesse período. E, hoje, nas áreas distantes, os reassentamentos do Minha Casa Minha Vida replicam o mesmo modelo. Parece que há uma espécie de filme que se repete: Remoção I, Remoção II, Remoção III etc. Viomundo — Essas 60 ou 80 mil pessoas estão sendo removidas em função, principalmente, de quais obras? Obras direta ou indiretamente ligadas à Copa e às Olimpíadas. É evidente que não seria necessário remover ninguém pra fazer Copa e Olimpíada. Elas são um grande pretexto. Tem um vídeo do prefeito, no You Tube, em que ele diz que aproveita Copa e as Olimpíadas para fazer o que precisa. Viomundo — A Vila Autódromo parece ser um exemplo claro disso. É um exemplo claro. Como a Vila Harmonia, que foi removida para dar passagem à Transoeste. A Transoeste foi construída e a área da qual as casas foram removidas ficou intocada. São vários pretextos. Agora, na área do Maracanã, removeu-se uma população para se fazer um estacionamento. O estacionamento, na verdade, é o pretexto para se remover a população, porque querem limpar a área. As vias expressas que se implantaram, e que estão em implantação, passando por cima de populações, podiam passar por cima de um condomínio. Não são obrigadas a passar por cima de uma população. Viomundo — Mas parece que, coincidentemente, elas têm sempre de passar por cima das populações mais pobres… Sempre, porque na verdade o trajeto é construído não segundo a lógica do melhor desempenho da via de transporte, mas segundo a lógica da limpeza urbana, que está imbricada com o processo de valorização fundiária e os grandes projetos urbanos, que querem ter uma vizinhança “limpa”. As classes mais altas gostam do pobre para trabalhar na sua garagem, como porteiro, como empregada doméstica. Não como vizinho. Como vizinho ele é suposto nefasto, perigoso. Como empregado, ele é bom. Isso gera uma certa ambiguidade, porque os trabalhadores são necessários mas, ao mesmo tempo, são indesejados. Isso é uma angústia permanente da burguesia carioca – e da burguesia em modo geral. Precisa deles, mas quer que eles estejam o mais longe possível. E nessa ambiguidade vai vivendo a cidade. Esses projetos são, então, grandes pretextos para levar adiante uma terceira grande onda de remoção. Se nós formos pensar o processo de transição democrática, houve uma grande conquista com a Constituição de 1998, que foi o chamado usucapião urbano. Segundo ele, depois de uma ocupação mansa e pacífica por cinco anos, de terras não públicas, você obtém o direito de propriedade. Isso significa que, em uma infinidade de favelas e outras áreas, os moradores têm direito à propriedade. Muitos deles não foram registrar essa propriedade e são tratados como não-proprietários. Na verdade, eles são proprietários. Eles não têm o registro da propriedade, mas eles já se transformaram em proprietários pela Constituição. Viomundo — Há um processo, desencadeado pela instalação das UPPs, que tem sido chamado de remoção branca. A população das comunidades pacificadas muitas vezes não consegue suportar o encarecimento do custo de vida daquela região e é obrigada a se mudar. Este processo tem sido significativo? Ele é e tende a crescer. As políticas de remoção têm duas faces: a remoção branca e a vermelha, que é pela violência. A remoção branca depende de um processo de regularização fundiária, que é muito custoso e difícil, mas que a prefeitura pretende desenvolver, sobretudo nas áreas mais cobiçadas. Para que essas áreas ingressem no mercado de terras, é necessário que as propriedades ali sejam regularizadas, para que elas entrem no mercado de terras formal, da cidade como um todo. Isso é um problema. De qualquer maneira, na sociedade capitalista e na cidade burguesa, os processos de remoção branca são inexoráveis. Eles podem ser reduzidos, amenizados. Como? A remoção branca decorre da implantação, em um local, de um novo benefício urbano. Se a cidade fosse homogênea, não haveria razão para remover. Se todas as casas da cidade tivessem água, luz, esgoto, transporte público, educação, saúde, etc, haveria uma pequena mobilização de pessoas que se mudam porque casam, porque querem morar perto de certos lugares. Mas a desigualdade urbana tem uma base na lógica capitalista essencial, que é a renda da diferenciação dos espaços urbanos. A produção de diferenças é um dos elementos fundamentais do funcionamento da cidade burguesa capitalista. Se a gente pegar do ponto de vista dos serviços urbanos, quanto mais homogênea a distribuição dos serviços urbanos em uma cidade, mais democrática a cidade é e menos razões deste tipo você tem para sair de um bairro ou de outro. Se toda a cidade tivesse segurança pública, ter segurança pública não seria uma vantagem, não seria um diferencial de preço. Ainda, e sempre, haverá diferenciais de natureza outra, como estar próximo da praia. Mas, na nossa cidade, além destes diferenciais dados pelas vantagens locacionais de ordem natural, os mais profundos diferenciais são aqueles decorrentes do tratamento desigual dado pelo poder público ao espaço urbano. Eu me lembro que, alguns anos atrás, a [ex-prefeita de São Paulo] Marta Suplicy justificava que cuidava dos jardins nas áreas nobres de São Paulo porque as pessoas pagavam IPTU mais caro. Vai pela Barra da Tijuca: você tem estradas com alamedas, jardins, grama, o departamento de parques e jardins vai lá, cuida das flores. Aí você entra em frente à favela Rio das Pedras e, ali, a estrada é esburacada. Não estou falando do espaço das moradias, cujos habitantes são mais pobres e têm moradias mais precárias. Estou falando da mesma estrada. O tratamento dado a essa estrada é diferente dependendo de quem são os moradores vizinhos da estrada. O Estado é um dos promotores fundamentais da desigualdade. E isso só se resolve com uma política urbana que pense a cidade como uma totalidade. Toda vez que você faz um investimento localizado, você gera um diferencial. A única maneira de combater de maneira consistente este tipo de processo é através de políticas de universalização do serviço. O que nossa cidade faz? Exatamente o contrário. Ela aprofunda as desigualdades. Quando você faz investimentos em transporte, em esgoto, na direção da Barra da Tijuca, você está aumentando os diferenciais urbanos em vez de reduzí-los. [Ouça um trecho da entrevista, clicando abaixo] Viomundo — Quando o senhor traça todo esse panorama, eu não consigo deixar de lembrar do conceito de “Estado de exceção permanente”, do filósofo Giorgio Agamben, que diria respeito, justamente, ao modo como as democracias modernas possuiriam sempre mecanismos legais de suspensão da própria ordem legal, o que permitiria ao governante, no final das contas, agir conforme à sua vontade. O seu conceito de cidade de exceção tem essa inspiração? Sim, ele remete a duas fontes teóricas. Uma é o Agamben, no sentido que você coloca: esse Estado, que ele chama de “terra de ninguém”, onde o fato se impõe à lei e ganha a forma legal. Tomemos o exemplo da operação urbana. O artigo 32 do Estatuto das Cidades diz que as operações urbanas consorciadas permitem: 1. Suspender a vigência de determinadas leis e usos de ocupação do solo e 2. Legalizar desrespeitos a essas legislações que foram cometidos no passado. Ou seja, a operação urbana consorciada permite uma exceção para o futuro e uma exceção para o passado. Um urbanista francês chamou isso de “urbanismo ad hoc”, um urbanismo caso a caso, em que não existe mais norma alguma. Os megaeventos não criaram isso, eles apenas o evidenciaram e o levaram ao paroxismo. É proibido beber álcool nos estádios, à exceção dos jogos da Copa, porque a Lei Geral da Copa autoriza a venda de álcool nos estádios. Na verdade, não autoriza a venda de álcool, autoriza a venda de cerveja; na verdade, não autoriza a venda de cerveja, autoriza a venda de Budweiser. Eles são neoliberais, mas adoram um monopólio. Criam-se territórios especiais em torno dos estádios onde apenas podem ser vendidos e promovidos os produtos associados à Fifa e ao COI. Há, então, uma série de regras de exceção. Tem uma outra fonte teórica, que é a do marxismo, na qual a ideia do estado de exceção vem de uma determinada crise da dominação. E o Estado de exceção aparece como uma forma de reorganização da dominação. A ditadura militar é um caso exemplar disso: havia uma crise social e política e o Estado de exceção vem unificar as classes dominantes, que entregam o seu poder a uma casta ou a um personagem. O que eu chamo de cidade de exceção não está totalmente configurado nos termos marxistas, embora esteja configurado nos termos do Agamben: uma cidade que não tem mais regra, onde tudo se faz de forma excepcional, onde o Estado democrático parlamentar de direito é uma ficção, porque o legislativo é uma ficção. A degradação dos partidos políticos, a degradação das formas de representação que caracterizam o Estado contemporâneo, transformaram-nos em motivo de desesperança total de uma juventude que, alguns anos atrás, acreditou que alguns desses partidos podiam trazer uma perspectiva de transformação. Viomundo — Nesse contexto, como o senhor vê as manifestações ocorridas em 2013? Elas aproximaram o Brasil-político do Brasil-real. O Brasil já é um país cerca de 80% urbano. Mas, nos últimos 20 anos, as principais lutas sociais, os principais atores populares foram rurais: os movimentos de sem-terra, os quilombolas, os indígenas. Cujas lutas são fundamentais, mas que expressam uma faceta que hoje é minoritária da sociedade brasileira. Enquanto isso, as cidades pareciam aquietadas, pacificadas. Eu acho que, em 2013, o Brasil-político se urbanizou… Viomundo — …ou o Brasil-urbano se politizou. O Brasil-político se urbanizou e o Brasil-urbano se politizou (risos). Toda esta tentativa de expulsão da política, de despolitização do espaço urbano, foi desafiada de maneira evidente, frontal, pelas milhões de pessoas – eu calculo em torno de 10 a 15 milhões de pessoas – que foram às ruas e que disseram: “esse é um espaço público, um espaço nosso”. Há uma similaridade com Istambul, onde as manifestações se iniciam para preservar uma praça que se pretendia entregar a um grande shopping. Então a cidade passou a ser não apenas o palco das manifestações, mas também o objeto, aquilo que está em jogo. E o que está em jogo é a democracia urbana como expressão da democracia social, da democracia política. O que está em jogo é a preservação dos espaços públicos depois de 20 anos de neoliberalismo. Tudo isso está em jogo em nossa cidade. E os megaeventos, as remoções, a resistência às remoções, a conflituosidade urbana, eles expressam a crise desse modelo. E expressam também, a meu ver, a incapacidade das elites dominantes de darem uma resposta a essa crise.