Visualizações desde 2005

quinta-feira, 30 de maio de 2013

A infecundidade de um cristianismo insosso

29.05.13 - Mundo------------------- José Lisboa Moreira de Oliveira----------------------- Adital----------------------- Acabo de fazer contato com um amigo meu, com o qual não me comunicava há um bom tempo. Este amigo trabalhava para uma congregação religiosa. Na sua resposta me comunicou que estava de aviso prévio e que seria demitido do seu trabalho. Ao narrar a sua demissão meu amigo dizia-se decepcionado não tanto porque iria ficar sem o emprego, mas pela forma como foi demitido. Ele estranhou que, após anos de dedicação e de doação, fosse dispensado de maneira tão fria e tão formal, sem explicações e sem uma palavra de ânimo e de gratidão pelos serviços prestados. E eu que conheço bastante o meu amigo sei muito bem da sua doação, que sempre vai além daquilo para o qual ele é pago para fazer. É claro que ele, pela competência que tem, pela sua postura ética e pela sua seriedade logo encontrará outro emprego. Mas não deixa de ser decepcionante que uma pessoa seja tratada desta forma em ambientes cristãos, particularmente no âmbito de uma congregação religiosa. Este fato me fez lembrar outro caso. No início do ano, durante a minha viagem de férias, encontrei uma senhora que conheci numa determinada comunidade eclesial. Ela era uma pessoa assídua. Jamais faltava à celebração dominical da Eucaristia, a encontros, reuniões e atividades eclesiais. Depois da saudação e dos abraços costumeiros, perguntei-lhe como estava a sua paróquia. Ela me respondeu que não estava mais "indo à Igreja”. Estranhei sua resposta e perguntei-lhe qual o motivo de seu afastamento da comunidade. Ela, então, me disse que tinha começado "a trabalhar para os padres”. Depois que começou a trabalhar para eles, não estava mais conseguindo ir à missa. Só vai à Igreja em casos especiais, "quando não tem jeito”. Disse que continuava a ser católica, que sempre reza a Deus pedindo perdão, mas não consegue mais acreditar naquilo que os padres falam nas missas, uma vez que ela tinha percebido que na prática eles agem totalmente diferente daquilo que pregam lá do altar. Enquanto escrevia este artigo recebi uma mensagem de outro grande amigo que habita na região Nordeste do nosso país. Ele escrevia para partilhar comigo o que estava acontecendo em sua cidade. Acabara de chegar à paróquia um jovem padre que está assustando as pessoas com suas maneiras autoritárias. Intransigente e cheio de vaidades, o reverendo dirige-se às pessoas num tom profundamente egoísta: "eu quero isso, eu quero aquilo”, como se fosse o dono absoluto da comunidade. Uma de suas primeiras providências foi concentrar de modo absoluto o poder sobre sua pessoa, emanando um decreto com uma série de proibições e de exigências. Não foi a primeira vez que escutei coisas semelhantes. É muito comum encontrar pessoas decepcionadas com o comportamento dos cristãos, de modo particular com as atitudes de lideranças como padres, bispos, pastores etc. Alguém poderá objetar afirmando que a nossa fé deve ser em Jesus Cristo e, por isso, as pessoas não deveriam medir seu grau de participação e de atuação a partir do que fazem ou deixam de fazer determinados cristãos. Isso é verdade, mas pela própria dinâmica da evangelização querida pelo Mestre Jesus, o testemunho ocupa um lugar primordial. A comunidade cristã não é fim em si mesmo, mas existe exclusivamente para a missão (Mc 3,14), para a proclamação da Boa Notícia a todos os povos (Mt 28,19). E este anúncio do Evangelho deve se dar essencialmente através do testemunho dos discípulos e das discípulas de Jesus (At 1,8). Logo, a obrigação de testemunhar para evangelizar é uma exigência fundamental do cristianismo. E, quando falta o testemunho, o cristianismo perde toda a sua força e todo o seu potencial evangelizador. Termina sendo reduzido a uma agremiação qualquer, sem qualquer diferenciação em relação às demais. As primeiras comunidades cristãs tinham plena consciência disso. Por esse motivo fizeram questão de deixar registrada uma alerta de Jesus a este respeito. De acordo com a comunidade de Mateus (Mt 5,13), o cristianismo é comparado ao sal, o qual, se perde o gosto, não serve para mais nada. Como sabemos por experiência, o sal realça o sabor dos alimentos, mesmo se perdendo no meio da comida. Assim a comunidade cristã, mergulhada na sociedade, deve ser capaz de "dar sabor” a essa realidade. E dar sabor significa dar testemunho de amor, de carinho, de cuidado, de justiça e de ética. Se isso não acontece ela termina sendo um sal insosso que só serve para ser jogado fora e pisado pelos seres humanos. Lembro-me bem de que o meu professor de Evangelhos Sinóticos na Universidade Gregoriana, o jesuíta Emílio Rasco, nos explicou que a metáfora do sal usado por Jesus tinha a ver com um costume das mulheres judaicas de revestir o forno de assar pão com uma camada de sal, de modo que o sal pudesse funcionar como isolante térmico da temperatura, permitindo assim que o pão fosse assado integralmente. De vez em quando a camada de sal se enfraquecia e precisava ser trocada. As mulheres, então, arrebentavam o revestimento do forno, retiravam o sal insosso que era jogado fora na via pública e, consequentemente, pisado pelas pessoas. Tratava-se, pois, de uma metáfora que, no tempo de Jesus, podia ser bem compreendida por todos. Ainda hoje, sabendo desse detalhe, podemos compreender o quanto o sal insosso pode simbolizar um tipo de cristianismo que não consegue mais comunicar a sua força e a sua energia à humanidade. Partindo dos casos citados no início desse texto podemos deduzir as razões pelas quais o cristianismo está perdendo força no mundo atual. As pessoas, ao confrontarem os discursos bonitos com as práticas concretas dos cristãos e das cristãs, percebem a esquizofrenia e o grau de mentira das belas pregações. Decepcionadas se afastam porque se dão conta de que "na prática a teoria é outra”. Lembro-me de uma afirmação de Gandhi que dizia mais ou menos assim: "o Evangelho é fantástico, é uma carta de princípios fantástica, mas não sou cristão por causa dos cristãos”. E ao afirmar isso Gandhi tinha presente a tragédia da invasão da sua Índia por parte de cristãos ingleses. Estes deixaram por lá rastros de morte e de destruição, antes que o próprio Gandhi conseguisse mobilizar a população e obter a independência do país. O papa Paulo VI, recolhendo as indicações dos bispos durante o Sínodo de 1974 sobre a evangelização no mundo contemporâneo, deixou bem explícito na Evangelii nuntiandi que o testemunho "é o primeiro meio de evangelização” (EN, 41). Foi enfático em afirmar que os "discursos ocos” produzem cansaço nos fiéis (EN, 42). O testemunho, afirmava o papa, mesmo sendo proclamação silenciosa da Boa Nova, é muito mais eficaz e valoroso do que certas prédicas estéreis e vazias que não encontram confirmação na prática concreta de pessoas cristãs (EN, 21). Sem meios-termos, Paulo VI nos lembrava de que hoje as pessoas escutam mais as testemunhas do que os mestres e se escutam os mestres é porque ele são antes de tudo testemunhas (EN, 41). E quase já no final da exortação concluía com a seguinte proclamação profética: "Ouve-se repetir, com frequência hoje em dia, que este nosso século tem sede de autenticidade. A propósito dos jovens, sobretudo, afirma-se que eles têm horror ao fictício, àquilo que é falso e que procuram, acima de tudo, a verdade e a transparência” (EN, 76). Porém, tendo presente a exortação do papa, é preciso dizer que o testemunho não deve ser confundido com beatice, pieguismo, excesso de religiosidade e de rezas. Não deve ser confundido com o uso de camisetas com frases e figuras religiosas, com a colocação de uma bíblia ou de um crucifixo no local de trabalho ou ainda de um terço pendurado no retrovisor do carro. De todas essas carolices as pessoas já estão saturadas. O testemunho, afirmava Paulo VI, está necessariamente ligado à prática da justiça e à luta para erradicar as formas de injustiça e de opressão que matam tantos irmãos e tantas irmãs. Isso porque o ser humano a ser evangelizado não é uma pessoa abstrata, mas alguém que precisa de comida, de roupa, de casa para morar e de tantas outras coisas (EN, 31). É hora, pois, de acabarmos com tantas baboseiras, com tantos discursos ocos, com tantas atitudes antiéticas dentro de nossas Igrejas. É hora de cultivarmos uma vida mais simples, mais humilde, mais caritativa, mais cuidadosa dos pequeninos e pobres, uma vida mais desapegada. "Sem essa marca de santidade, dificilmente a nossa palavra fará a sua caminhada até atingir o coração do homem dos nossos tempos; ela corre o risco de permanecer vã e infecunda” (EN, 76). http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=75564

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Encontro Arquidiocesano de CEBs: um sinal de esperança


22.05.13 - Brasil Fr. Marcos Sassatelli........................... Frade Dominicano. Doutor em Filosofia e em Teologia Moral. Prof. na Pós-Graduação em DD.HH. (Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil/PUC-GO). Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arq. de Goiânia. Admin. Paroq. da Paróquia N. Sra. da Terra Adital......................................................... "A Igreja se apresenta e quer realmente ser a Igreja de todos, em particular, a Igreja dos pobres” João XXIII, 11 de setembro de 1962) "Como eu gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres!" (Francisco, 16 de março de 2013) Parafraseando João XXIII e Francisco, eu afirmo: "A Igreja quer ser pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres”............... No dia 28 de abril deste ano de 2013, na Paróquia Sagrado Coração de Jesus, Setor Leste Vila Nova, em Goiânia, aconteceu o Encontro Arquidiocesano de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Participamos do Encontro cerca de 200 pessoas: a maioria cristãos/ãs leigos/as comprometidos/as em nossas Comunidades da capital (sobretudo da periferia de Goiânia e da Grande Goiânia) e do interior; diversas religiosas, inseridas na vida do povo e alguns Padres. Tivemos a valiosa assessoria do Pe. Nelito Dornelas, da Comissão para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz da CNBB, que, a partir do texto bíblico do paralítico, carregado por quatro homens (Mc 2, 1-12), nos ajudou a refletir sobre a caminhada das CEBs nas Paróquias, Foranias e Vicariatos da Arquidiocese de Goiânia, hoje. Partilhamos, num clima de muita irmandade, as nossas experiências de vida comunitária, as nossas dificuldades, os nossos desafios e os nossos anseios. Aprofundamos, em grupos, os temas: CEBs e Jovens; CEBs e Economia solidária; CEBs e Valorização da Mulher e das Etnias sociais; CEBs no Campo e na Cidade; CEBs e sua Articulação no dias atuais. Renovamos a nossa esperança e nos comprometemos a continuar, com fé e amor, a nossa "romaria” rumo ao 13º Intereclesial de CEBs, que acontecerá em Juazeiro do Norte (Diocese de Crato - CE), de 07 a 11 de janeiro de 2014, e tem como tema "Justiça e Profecia a Serviço da Vida” e como lema "CEBs, Romeiras do Reino no Campo e na Cidade”. Percebemos claramente que o modelo de Igreja defendido e, sobretudo, vivido pelas CEBs, é profundamente evangélico; está de acordo com aquilo que Jesus quer e se espelha na vida das primeiras Comunidades cristãs. Constatamos que as CEBs -com suas limitações humanas- são realmente "um jeito novo” (sempre atento aos sinais dos tempos) e, ao mesmo tempo, "um jeito antigo” (sempre fiel às exigências do Evangelho) de ser Igreja, hoje. Vivenciamos as notas distintivas do modelo de Igreja das CEBs: uma Igreja igualitária, de irmãos e irmãs; uma Igreja comunitária (Igreja-comunidade, Igreja-comunhão); uma Igreja Povo de Deus e toda ministerial; uma Igreja que busca sempre o consenso, reconhecendo e valorizando o "senso da fé” do povo cristão; uma Igreja que, a todo momento, perscruta os sinais dos tempos, interpretando-os à luz do Evangelho; uma Igreja pobre, que faz a opção pelos pobres; uma Igreja que reconhece e valoriza o diferente (Igreja ecumênica, macroecumênica e aberta ao diálogo com todas as culturas e religiões); enfim, uma Igreja que -sem perder sua identidade e respeitando a autonomia das Organizações sociais- faz aliança com Movimentos Populares, Sindicatos autênticos de Trabalhadores, Partidos Políticos e com todos aqueles/as que lutam por um Mundo Novo, de justiça e irmandade, que -à luz da fé- é a utopia do Reino de Deus, acontecendo na história humana e cósmica. Dom Aloísio Lorscheider oferece-nos uma fotografia nítida do modelo de Igreja do Concílio Vaticano II, que é o modelo das CEBs. "O Vaticano II -diz ele- faz-nos passar de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus; de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina; de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial; de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo; de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão, de reforma; de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária” (Texto citado por Dom Geraldo Majella Agnelo na contra-capa da Liturgia Diária, novembro de 2012). Vimos que o método (o caminho) das CEBs é "ver, julgar, agir” (analisar, interpretar, libertar). Ele "nos permite articular, de modo sistemático, a perspectiva cristã de ver a realidade; a assunção de critérios que provêm da fé e da razão para seu discernimento e valorização com sentido crítico; e, em consequência, a projeção do agir como discípulos missionários de Jesus Cristo" (Documento de Aparecida - DA, 19). Enfim, voltamos para as nossas Comunidades mais conscientes do que significa seguir Jesus no mundo de hoje. "O seguimento de Jesus é fruto de uma fascinação, que responde ao desejo de realização humana, ao desejo de vida plena. O discípulo é alguém apaixonado por Cristo, a quem reconhece como mestre, que o conduz e acompanha" (DA, 277). Goiânia, 22 de maio de 2013.

quinta-feira, 9 de maio de 2013

07.05.13 - Mundo Andrés Torres Queiruga: ‘Temos que recuperar a liberdade e a criatividade da teologia’ Achille Rossi Periodista L'Altrapagina Adital Traduçã:ADITAL Entrevista com Andrés T. Queiruga: //////////////////// "A missão de Francisco é renovar o estilo de convivencia e de governo” "Redefinir as relações entre a moral e a religião, evitando uma sangria de abandonos da Igreja”; "Me parece indubitável que, após 30 anos de reserva, está em marcha um reencontro com o impulso e a chamada do Vaticano II”. O prestigiado teólogo galego, Andrés Torres Queiruga, entrevistado pela revista italiana L1Altrapagina, assegura que começa uma nova etapa na Igreja. Do Papa Francisco espera tanto reformas concretas que também, quanto "a reforma” da "renovação evangélica do estilo de convivência e de governo” na Igreja. Ou seja, "recuperar a liberdade da teologia”, redefinir a relação entre "moral e religião” e voltar ao "impulso do Vaticano II”. A eleição do papa Francisco fez surgir muitas esperanças dentro do povo cristão, sobretudo por suas atitudes fora do protocolo e por sua contínua atenção aos pobres. Esses sinais autorizam a pensar que se está abrindo uma nova estação para a Igreja Católica? - Sem dúvida! Os gestos não são por acaso: respondem, por um lado, à atitude pessoal de um bispo que os havia convertido em estilo central tanto de sua vida quanto de seu trabalho pastoral e; por outro, a uma necessidade objetiva da Igreja. Necessidade tão urgente que se deve dizer que o Conclave o nomeou levando em consideração essa renovação, como um de seus principais objetivos. Em sua opinião, quais são os problemas mais urgentes para o corpo eclesial nesse início de segundo milênio? - Tenho a impressão de que a função -o destino providencial?- desse papa, mais do que solucionar problemas concretos consistirá em trabalhar por uma reforma da comunidade eclesial, renovando evangelicamente o estilo de convivência e de governo, em um sentido mais participativo, dialogante e descentralizado. Isso criará a possibilidade para ir enfrentando as reformas concretas. Essas virão depois, com esse papa ou com o próximo, ou próximos. Com certeza, Francisco empreenderá algumas, apoiadas em uma reestruturação e limpeza forte da Cúria; devolverá muito mais iniciativa às Conferências Episcopais e às Igrejas Locais; redefinirá o posto da mulher na Igreja (ou começará a redefini-lo); e mudará o acento do anúncio do Evangelho, abandonando um moralismo privatista e não atualizado, para insistir na luta contra a pobreza, a discriminação e a injustiça. Creio que, em boa medida, conseguirá tudo isso; e não seria pouca coisa... Em sua primeira alocução aos Cardeais, o papa Bergoglio os convidou a "confessar-se a Cristo”, do contrário a Igreja se reduziria a uma espécie de ONG dedicada à assistência. O que significa dizer hoje, em um mundo como o nosso, "confessar-se a Cristo”? - O papa anterior era um teólogo; o atual é um pastor. Creio que sua "confissão de Cristo" não consistirá em promover uma renovação teórica da cristologia; mas, no anúncio e na prática de um estilo de vida decididamente evangélico: o de Jesus de Nazaré, centrado, por um lado, na confiança em Deus como amor e perdão e; por outro, no serviço humilde e fraterno, começando pela base, aos mais pobres e necessitados. Uma confissão centralizada no testemunho prático mais do que na renovação teórica. Também estou seguro de que, se isso for alcançado, influirá muito na renovação teológica. Tu és um teólogo de profissão. Por quais caminhos a teologia deveria encaminhar-se para falar à cultura contemporânea e para renovar a própria linguagem? - O primeiro caminho é, digamos, estrutural: recuperar a liberdade e a criatividade da teologia, voltando ao impulso –fortemente freado nos últimos tempos- do Vaticano II, sem medo ao pluralismo e sem assustar-se ante os possíveis riscos próprios de toda busca criativa e renovadora. Sobre essa base, será necessário ir assumindo com plena consequência a mudança cultural, sobretudo –insisto uma vez mais no chamado conciliar- reconhecendo a "autonomia” da criação e reformulando desde ela a compreensão das verdades fundamentais da fé. Ressaltaria algumas tarefas mais urgentes: Reformular o esquema da história da salvação, vendo-a como crescimento da criatura, frágil, débil e pecadora; porém, sustentada pelo amor incansável de um Deus sempre ao nosso lado contra o mal, evitando portanto continuar mantendo uma dialética de queda original como fato histórico, com todo o horror do mal como consequência de um castigo imposto por Deus; Redefinir as relações entre a moral e a religião, evitando uma sangria de abandonos da Igreja por uma confusão entre a autonomia humana em relação às normas (comuns em princípio a crentes e não crentes) e a motivação, fundamentação e apoio divino sobre seu cumprimento; Recuperar a humanidade de Jesus, o Cristo, como modelo e revelação da mais radical e autêntica humanidade; E, em geral, repensar todas as grandes verdades a partir da nova situação cultural, em diálogo com as religiões e com o pensamento secular. A eleição do nome Francisco é um programa. Em tua opinião, contém também uma mensagem crítica frente às políticas econômicas que hoje são impostas às nações mais frágeis, seja na Europa, seja no resto do mundo? - É inegável que sim. Basta repassar o fio condutor da predicação pública do bispo Bergoglio, sempre clara e contundente a respeito. Os gestos surpreendentes do papa Francisco são expressão e confirmação dessa preocupação central. Preocupação evangélica e, por isso, profundamente humana. Preocupação que, certamente, encantará a compreensão e a acolhida de uma humanidade sedenta desse tipo de mensagem e compromisso. Pensas que Francisco reavivará na Igreja o clima do Concílio Vaticano II? - Sem dúvida que, após trinta anos de reserva, está em marcha um reencontro com o impulso e o chamado do Vaticano II. Com estilo distinto, há nele bastantes traços que recordam a João XXIII. Nesse sentido, permita-me dizer-lhe que de todos os gestos recentes –inclusive o magnífico da renúncia de Bento XVI- o mais revolucionário foi o inicial e espontâneo do papa em sua primeira apresentação pública: pedir ser abençoado pelos fieis antes de dá-lhes a bênção. Na mentalidade eclesiológica anterior isso era simplesmente impensável. Porém, o novo papa não fazia mais do que levar a sério a Lumen Gentium: a Igreja é, antes de tudo, a comunidade de todos os fieis e dentro dela –não sobre ela- os diversos serviços, incluindo, claro, também o papal. Será que essa renovação acontecerá durante seu papado? - Volto ao meu parecer inicial. Estamos ante um papa pastor, não ante um papa teólogo. Com isto não digo, claro está, que ele desconheça a teologia; mas que não se especializou no estudo sistemático da mesma. Seu decidido compromisso com um estilo evangélico e sua atitude de centrar a autoridade no serviço, constituem-se na melhor base para que não caia na tentação de não distinguir com cuidado entre carismas e funções. Refiro-me á tendência da autoridade pastoral a absorver o carisma teológico, sem diferenciar entre os campos e as competências; algo que, por certo, em princípio, reconheceu o Concílio e acentuaram os últimos papas, falando da necessidade do diálogo e do apoio fraternos entre os distintos serviços eclesiais. Em minha opinião, será decisiva a atitude que Francisco adote ante o atual monopólio de uma teologia rigidamente submetida ao critério do "Catecismo da Igreja Católica”, uma grande obra de erudição; porém, com uma teologia muito concreta e claramente unilateral. Obra, portanto, respeitável enquanto se limite a representar uma das possíveis orientações dentro da teologia atual; porém, que não pode apresentar-se como a única orientação legítima, não distinguindo com cuidado entre magistério pastoral e magistério teológico. Porque desse modo, corre-se o gravíssimo perigo de invadir autoritariamente o campo estritamente teológico, identificando a fé universal da Igreja com as interpretações apoiadas em uma teologia concreta e determinada. Dito a modo de exemplo concreto ilustrativo: para qualquer um é legítimo seguir a teologia de Urs Von Balthazar; porém, ninguém dentro da Igreja pode estar proibido de orientar-se pela de Karl Rahner. Talvez nesse ponto, aparentemente secundário, esteja centrado um dos pontos decisivos da presente pontificado.

domingo, 5 de maio de 2013

Crítica à injustiça no mundo e a reforma da Igreja

03.05.13 - Mundo---------- Jung Mo Sung--------------- Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo.---------------- Adital------------------------------------------- São da teologia da libertação todas as pessoas que, em nome da fé cristã, se indignam com a injustiça social e se colocam ao lado das pessoas pobres? Não, porque isso seria dizer que a teologia da libertação ou cristianismo de libertação têm monopólio da opção pelos pobres.Como se todas as pessoas cristãs que optam pelos pobres fossem consciente ou inconscientemente da teologia da libertação. O que seria muita pretensão ou ignorância da história e da teologia. Se a teologia da libertação não tem esse monopólio, a sua metodologia teológica faz diferença ou tanto faz assumir qualquer tipo de reflexão teológica desde que se faça opção pelos pobres? Isto é, qual é a relevância ou contribuição da TL hoje no momento em que a Igreja Católica tem um papa que viveu, vive e que quer exercer o seu papado em solidariedade com os pobres? Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a opção pelos pobres não é a única característica da TL. Junto com essa opção vem outras "rupturas epistemológicas” (rupturas com a forma anterior de fazer a teologia) e uma delas é a compreensão de que os problemas de injustiça e do mal não são frutos apenas da má vontade ou má intenção dos poderosos, mas frutos também da própria dinâmica da estrutura econômica e social. Em outras palavras, não basta mudar a consciência e o coração das pessoas, mas é preciso também mudar as estruturas injustas e o próprio espírito que move essas estruturas. Para se referir a essas questões, a TL utilizou-se da expressão "pecado estrutural” –pecado que se comete ao cumprir as leis e exigências da estrutura social e econômica (Um livro importante da TL sobre essa questão hoje é "A maldição que pesa sobre a lei”, de Franz Hinkelammert)– e a noção de idolatria. Outra característica marcante da TL foi a afirmação de que não se pode fazer a Teologia da Libertação sem a libertação da teologia (tese desenvolvida principalmente por Juan Luis Segundo), isto é, a crítica da injustiça do mundo pressupõe a crítica da teologia cristã e da própria Igreja porque essas tem sido, em muitas ocasiões, cúmplices da injustiça e do pecado. É assumir explicita e conscientemente a antiga noção de que a Igreja é santa e pecadora, que ela também precisa se converter continuamente. Em termos da teologia protestante, é a Igreja reformada sempre em reforma. Feita essa "recordação” de alguns dos princípios da TL, voltemos à pergunta: em que sentido a Igreja Católica (aqui me refiro explicitamente a Igreja Católica, mas o raciocínio vale também para todas as igrejas cristãs) pode contribuir na luta pela vida digna de todas as pessoas e preservação do meio ambiente? Neste desafio, é claro que a pessoa e a postura do papa Francisco traz novos alentos e esperanças a Igreja Católica e também para cristãos de outras denominações e pessoas que, não sendo (mais) cristãs, ainda se simpatizam com essa tradição espiritual. Contudo, se as reflexões da TL tem algum valor, precisamos recordar que para superar as injustiças e o pecado do mundo não bastam novas consciências, novas pessoas, é preciso mudar também as estruturas sociais e econômicas, assim como as principais instituições da ordem global. E para que a Igreja e as teologias possam contribuir nessa luta, é preciso fazer autocrítica que questione também as leis e estruturas que regem e estabelecem os limites das ações das igrejas. Só na medida em que conseguirmos, no interior da própria igreja, distinguir a lei (que implica também em estruturas institucionais) –que é necessária e boa, mas que mata (segundo o ensinamento do apóstolo Paulo), e que por isso precisam ser sempre reformadas– do Espírito que nos move a lutar pela Vida é que nossas críticas à ordem social serão percebidas como coerentes e "autênticas”. Em outras palavras, um papa humilde que se solidariza com os pobres e as vítimas das injustiças é muito significativo e importante para a Igreja e o mundo hoje, mas sem uma reforma profunda nas estruturas e leis da Igreja não poderemos criticar de modo radical as leis e estruturas do capitalismo global. Só assim podemos mostrar ao mundo que nem as leis da igreja são eternas e imutáveis, e por isso os neoliberais também não podem pretender que as leis do mercado capitalistas sejam eternas e imutáveis (idolatria do mercado). E, é claro, a reforma da Igreja não pode se restringir à reforma da burocracia do Vaticano, mas também aos temas ainda considerados tabus, como o papel das mulheres na Igreja e a distinção ainda tão radical entre o clero e o laicato. [Autor, com J. Rieger e N. Míguez, do livro "Para além do Espírito do Império”, Paulus. Twitter: @jungmosung].