(Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS)
De uns tempos para cá, os profetas estão fora de moda. Prevalece o espetáculo recheado de câmeras, holofotes e microfones. Em tempo de mídia, a visibilidade do fantástico ganha terreno sobre o silêncio da semente e do fermento. Com frequência se confunde mudança com show ilusionista, profusamente iluminado e ruidoso, com luzes, sons e imagens. José Comblin viveu, lutou e morreu para mostrar que a profecia continua viva e ativa. E que o Evangelho só é Boa Nova na exata medida em que se faz profecia renova em cada contexto histórico. E, ainda, que profetizar e evangelizar é promover a libertação integral do ser humano.
Três características marcam o movimento profético no Antigo Testamento: memória, denúncia e anúncio. A memória está associada a um reiterado “lembra-te” que remonta à abertura do decálogo: “Eu sou Iahewh teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20,2). O decálogo, por sua vez, vem precedido do código da aliança. Assim, os profetas procuravam, em primeiro lugar, trazer para o contexto do reinado e do exílio o espírito de libertação fundamentado na memória do êxodo. Ali se encontram suas raízes. Em outras palavras, se foste escravo no Egito, como podes agora submeter teus próprios irmãos ao mesmo regime? Enquanto sob o Faraó, os hebreus eram subjugados por uma nação estrangeira, agora era o próprio Estado de Israel que escravizava seu povo através de pesados impostos e do trabalho de corvéia. Contra isso se insurgem o movimento profético, retomando e atualizando as exigências do Deus que os tirou da condição de escravos.
Um Deus que “vê a aflição, ouve o clamor, conhece o sofrimento e desce para libertar” marca profundamente a experiência religiosa do Povo de Israel. Ou seja, esse povo vivenciou o contato vivo com um Deus único: atento, sensível e solidário com as condições de vida e trabalho dos oprimidos. Numa palavra, um Deus que caminha pelo deserto da história pessoal e coletiva. Os profetas tentam reviver e recriar essa mesma experiência num novo contexto de opressão e exploração.
Aqui entra em cena a segunda palavra chave do movimento profético. A denúncia tem uma força devastadora em figuras como Isaías, Jeremias, Amós, Oséias e Miquéias. Na mira de seus ataques estão os poderosos dos reinados do Norte e do Sul. São os “chefes da casa de Jacó e magistrados da casa de Israel”, na medida em que desconhecem o “direito e a justiça”, “comeram a carne de meu povo, arrancam-lhe a pele, quebram-lhe os ossos, cortaram-no como carne na panela” (Mq 3,1-3). Aos mesmos chefes e magistrados, o profeta acusa: “vós que detestais o direito, que torceis o que é reto; vós que edificais Sião com sangue e Jerusalém com injustiça” (Mq 3,9-10). Mas estão também na mira os líderes religiosos: “seus chefes julgam por suborno, seus sacerdotes ensinam por salário e seus profetas vaticinam por dinheiro” (Mq 3,11).
A veemência de Miquéias irá repetir-se nos demais representantes do profetismo vetero-testamentário. Sobrecarregados de tributos, os camponeses gemiam sob o reinado. O templo representava uma espécie de coração político e econômico da Israel, para o qual convergiam os esforços dos trabalhadores em forma de numerosos impostos. Daí a dureza das palavras proféticas contra chefes e magistrados, de um lado, falsos profetas e sacerdotes, de outro, todos circulando na órbita do tempo e de seus rendimentos. Daí também as profecias sobre a destruição do tempo e do exílio.
A denúncia, porém, vinha acompanhada por um anúncio. Este se expressa de forma particular nos poemas de Isaías sobre a “Nova Jerusalém”. “Vou criar novos céus e nova terra” – diz o profeta – “nela não se tornará a ouvir choro nem lamentação. Já não haverá ali criancinhas que vivam apenas alguns dias, nem velhos que não completem a sua idade; com efeito, o menino morrerá com cem anos”. E prossegue: “Os homens construirão casas e as habitarão; plantarão videiras e comerão seus frutos (...). A duração da vida do meu povo será como os dias de uma árvore, os meus eleitos consumirão eles mesmos o fruto do trabalho de suas mãos” (Is 65,17-25)
A imagem de Isaías, que se repete com outras cores e graus nas páginas de vários profetas, será retomada pelo Apocalipse, no capítulo 21: “Vi então um céu novo e uma nova terra (...). Eis a tenda de Deus com os homens. Ele habitará com eles; eles serão o seu povo, e Ele, Deus-com-eles, será seu Deus. Ele enxugará toda lágrima de seus olhos, pois nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor e nem dor haverá mais. Sim! As coisas antigas se foram!” (Ap 21,1-4).
Nas últimas décadas da história brasileira, poucas pessoas representam esse tríplice terreno da profecia como o belga José Comblin. Memória viva, denúncia vigorosa e anúncio de esperança e liberdade – assim se poderia resumir sua trajetória histórica. Ele que seguramente já conhece “o novo céu e a nova terra”, deixa-nos muitas veredas para trilhar o caminho da fonte e da Boa Nova. José está vivo! O profeta com sotaque estrangeiro e com nome e alma brasileira, segue entre nós. Sua fala mansa e seus escritos proféticos seguem clamando por justiça. Nosso ponto final resume-se a um muito obrigado José!
As forças progressistas, da Teologia da Libertação, incluindo teólogos/as, pastorais sociais, Cebs, agentes de pastoral, religiosos/as, leigos e leigas, se mobilizaram para participar da Conferencia de Aparecida (2007) - uma des suas ações foi a Tenda dos Mártires, como espaço aberto, celebrativo, por 15 dias, enquanto durou a Conferência. A Tenda dos Mártires foi um alerta à toda Igreja para não esquecer seus mártires, sua caminhada, sua identidade de libertação.
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quarta-feira, 30 de março de 2011
segunda-feira, 28 de março de 2011
Faleceu nosso querido Pe. Comblin
José Comblin morreu nesta madrugada, em Salvador, na Bahia, aos 88 anos.
Ele nasceu no dia 22 de março de 1923, na Bélgica. Desde 1958 trabalhava no Brasil, especialmente em Pernambuco, na Paraíba e na Bahia.
Padre Comblin estava em tratamento médico na capital baiana. Foi encontrado morto, sentado, em seu quarto, quando era esperado para a oração da manhã e não apareceu na capela. Ele tinha problemas cardíacos e usava marcapasso. Apesar da doença, parecia bem disposto e estava trabalhando.
Ele veio para o Brasil em 1958, atendendo a apelo do papa Pio XII, que no documento Fidei domum(O Dom da Fé) pedia missionários voluntários para regiões com falta de sacerdotes.
Comblin, em 1993, na celebração de seus 70 anos, ao lado de Helder Câmara,Depois de trabalhar em Campinas e, em seguida, passar uma temporada no Chile, foi para Pernambuco, em 1964, quando d. Helder Câmara foi nomeado arcebispo de Olinda e Recife. Perseguido pelo regime militar, foi detido e deportado, em 1972, ao desembarcar no aeroporto de volta de uma viagem à Europa.
José Comblin participou do primeiro grupo da Teologia da Libertação. Esteve na raiz das equipes de formação de seminaristas no campo em Pernambuco e na Paraíba (1969), do seminário rural de Talca, no Chile (1978) e, depois, na Paraíba, em Serra Redonda (1981). Estas iniciativas deram origem à chamada Teologia da enxada.
Além disso, esteve na origem da criação dos Missionários do Campo (1981), das Missionárias do Meio Popular (1986), dos Missionários formados em Juazeiro da Bahia (1989), na Paraíba (1994) e em Tocantins (1997).
É autor de inúmeros livros, dentre eles A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978)
Domingo, 27 de março de 2011 - 19h53min
Notícia postada no site do IHU.
Ele nasceu no dia 22 de março de 1923, na Bélgica. Desde 1958 trabalhava no Brasil, especialmente em Pernambuco, na Paraíba e na Bahia.
Padre Comblin estava em tratamento médico na capital baiana. Foi encontrado morto, sentado, em seu quarto, quando era esperado para a oração da manhã e não apareceu na capela. Ele tinha problemas cardíacos e usava marcapasso. Apesar da doença, parecia bem disposto e estava trabalhando.
Ele veio para o Brasil em 1958, atendendo a apelo do papa Pio XII, que no documento Fidei domum(O Dom da Fé) pedia missionários voluntários para regiões com falta de sacerdotes.
Comblin, em 1993, na celebração de seus 70 anos, ao lado de Helder Câmara,Depois de trabalhar em Campinas e, em seguida, passar uma temporada no Chile, foi para Pernambuco, em 1964, quando d. Helder Câmara foi nomeado arcebispo de Olinda e Recife. Perseguido pelo regime militar, foi detido e deportado, em 1972, ao desembarcar no aeroporto de volta de uma viagem à Europa.
José Comblin participou do primeiro grupo da Teologia da Libertação. Esteve na raiz das equipes de formação de seminaristas no campo em Pernambuco e na Paraíba (1969), do seminário rural de Talca, no Chile (1978) e, depois, na Paraíba, em Serra Redonda (1981). Estas iniciativas deram origem à chamada Teologia da enxada.
Além disso, esteve na origem da criação dos Missionários do Campo (1981), das Missionárias do Meio Popular (1986), dos Missionários formados em Juazeiro da Bahia (1989), na Paraíba (1994) e em Tocantins (1997).
É autor de inúmeros livros, dentre eles A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978)
Domingo, 27 de março de 2011 - 19h53min
Notícia postada no site do IHU.
sexta-feira, 25 de março de 2011
Fórum Mundial de Teologia e os seus desafio(II): teoria da transformação social
Jung Mo Sung
Uma das novidades da Teologia da Libertação Latino-Americana (TLLA) nas suas origens não foi simplesmente criticar o “mundo”, falar em favor dos pobres ou propor ações de “caridade”, mas sim a de propor (a) o uso metódico das ciências sociais para compreender as razões das injustiças e opressões e (b) práticas de transformação das estruturas sociais e culturais.
O desejo de luta e de transformações que nasce da indignação ética diante das injustiças e sofrimentos das pessoas mais vulneráveis pode se perder em discursos vazios e em ações bem intencionadas, mas ineficazes. Para tentar evitar isso, a TLLA deveria se assumir como o momento segundo, sendo o primeiro as práticas de libertação, e que o primeiro passo deste momento segundo deveria ser o diálogo com as ciências do social para compreender as causas da situação. O segundo passo seria interpretar à luz da fé, da Bíblia e da tradição teológica a situação e as práticas realizadas, para no terceiro passo elaborar novas práticas dentro de estratégias de ação transformadora. E esta reflexão teológica deveria estar a serviço das práticas de libertação, com reflexões críticas sobre o mundo, o cristianismo, teologias, e até mesmo da religiosidade do povo.
Passadas quatro décadas do início da TLLA, podemos dizer que equívocos foram cometidos, mas não podemos negar que esta forma de fazer teologia iluminou as práticas e “deu razão da nossa esperança” para muitas comunidades cristãs e não-cristãs espalhadas pela AL e mundo afora.
Há um ponto que acho fundamental retomarmos: o debate sobre as teorias de transformação social. A teoria mais utilizada pela TLLA para compreender as injustiças e opressões sociais foi a “teoria da dependência” de inspiração marxista. Esta teoria não oferecia somente o diagnóstico, mas também uma linha de ação. A dominação era vista como resultado da dependência e subordinação dos países periféricos aos países centrais do capitalismo e a manutenção dessa relação era resultado (a) de uma elite nacional que se beneficiava disso (b) da alienação do povo diante dessa realidade política. Assim, a estratégia alternativa era (a) conscientizar o povo; (b) organizar o povo; (c) ir para política para “tomar o Estado” em favor dos pobres, (d) promover profundas mudanças econômicas e sociais. Por isso tanto esforço em promover cursos bíblicos, análises de conjuntura, cursos de fé e política, atuação em partidos políticos e movimentos sociais. As pequenas ações eram compreendidas e realizadas dentro deste grande perspectiva estratégica.
Hoje, o capitalismo se tornou globalizado e as lutas de libertação se ampliaram e se complexificaram (pobres, gênero, etnia, etc – tema tratado no artigo anterior), porém penso que não temos uma nova teoria sobre as transformações econômicas, sociais e culturais articulando nossas análises e ações. Isso ficou aparente no Fórum Mundial de Teologia ocorrida em Dakar. Nas mais diversas exposições e debates, era possível ver claramente contra o que lutamos e onde queremos chegar, mas muito pouco sobre como transformar a situação e qual a contribuição específica das religiões e teologias críticas neste processo.
Esta falta de visão estratégica de transformação também tem a ver com a precariedade das nossas análises sobre as atuais dinâmicas de dominação econômica, étnica, de gênero etc. Por ex, como o patriarcalismo, machismo e racismo penetraram de uma forma tão profunda no inconsciente das culturas asiáticas marcada por confucionismo, budismo, filosofia de complementaridade (ying e yang)? Como se articulou historicamente a relação entre racismo, dominação de gênero e a exploração capitalista na AL? Como transformar isso? Ou então, por que os povos dos países pobres sonham adentrar no mercado de consumo global, ao invés de desejarem um outro mundo? De onde vem o fascínio do atual Império Capitalista Global? Quais contribuições que as religiões em geral e cristianismo em particular podem e devem fazer nestas lutas?
São perguntas difíceis. Mas devemos enfrentá-las. Esta é uma das funções da teologia e das teorias críticas. Se não assumirmos este debate, nossos discursos teológicos e religiosos serão marcados por idealismos, abstrações e visões românticas, mas com pouca concreticidade e dialeticidade da história. Com discursos abstratos, sem mediações históricas, – que sempre encontra o seu público que aplaude–, a eficiência das nossas práticas ficarão aquém das possibilidades.
(Co-autor com Hugo Assmann do livro “Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus.)
Uma das novidades da Teologia da Libertação Latino-Americana (TLLA) nas suas origens não foi simplesmente criticar o “mundo”, falar em favor dos pobres ou propor ações de “caridade”, mas sim a de propor (a) o uso metódico das ciências sociais para compreender as razões das injustiças e opressões e (b) práticas de transformação das estruturas sociais e culturais.
O desejo de luta e de transformações que nasce da indignação ética diante das injustiças e sofrimentos das pessoas mais vulneráveis pode se perder em discursos vazios e em ações bem intencionadas, mas ineficazes. Para tentar evitar isso, a TLLA deveria se assumir como o momento segundo, sendo o primeiro as práticas de libertação, e que o primeiro passo deste momento segundo deveria ser o diálogo com as ciências do social para compreender as causas da situação. O segundo passo seria interpretar à luz da fé, da Bíblia e da tradição teológica a situação e as práticas realizadas, para no terceiro passo elaborar novas práticas dentro de estratégias de ação transformadora. E esta reflexão teológica deveria estar a serviço das práticas de libertação, com reflexões críticas sobre o mundo, o cristianismo, teologias, e até mesmo da religiosidade do povo.
Passadas quatro décadas do início da TLLA, podemos dizer que equívocos foram cometidos, mas não podemos negar que esta forma de fazer teologia iluminou as práticas e “deu razão da nossa esperança” para muitas comunidades cristãs e não-cristãs espalhadas pela AL e mundo afora.
Há um ponto que acho fundamental retomarmos: o debate sobre as teorias de transformação social. A teoria mais utilizada pela TLLA para compreender as injustiças e opressões sociais foi a “teoria da dependência” de inspiração marxista. Esta teoria não oferecia somente o diagnóstico, mas também uma linha de ação. A dominação era vista como resultado da dependência e subordinação dos países periféricos aos países centrais do capitalismo e a manutenção dessa relação era resultado (a) de uma elite nacional que se beneficiava disso (b) da alienação do povo diante dessa realidade política. Assim, a estratégia alternativa era (a) conscientizar o povo; (b) organizar o povo; (c) ir para política para “tomar o Estado” em favor dos pobres, (d) promover profundas mudanças econômicas e sociais. Por isso tanto esforço em promover cursos bíblicos, análises de conjuntura, cursos de fé e política, atuação em partidos políticos e movimentos sociais. As pequenas ações eram compreendidas e realizadas dentro deste grande perspectiva estratégica.
Hoje, o capitalismo se tornou globalizado e as lutas de libertação se ampliaram e se complexificaram (pobres, gênero, etnia, etc – tema tratado no artigo anterior), porém penso que não temos uma nova teoria sobre as transformações econômicas, sociais e culturais articulando nossas análises e ações. Isso ficou aparente no Fórum Mundial de Teologia ocorrida em Dakar. Nas mais diversas exposições e debates, era possível ver claramente contra o que lutamos e onde queremos chegar, mas muito pouco sobre como transformar a situação e qual a contribuição específica das religiões e teologias críticas neste processo.
Esta falta de visão estratégica de transformação também tem a ver com a precariedade das nossas análises sobre as atuais dinâmicas de dominação econômica, étnica, de gênero etc. Por ex, como o patriarcalismo, machismo e racismo penetraram de uma forma tão profunda no inconsciente das culturas asiáticas marcada por confucionismo, budismo, filosofia de complementaridade (ying e yang)? Como se articulou historicamente a relação entre racismo, dominação de gênero e a exploração capitalista na AL? Como transformar isso? Ou então, por que os povos dos países pobres sonham adentrar no mercado de consumo global, ao invés de desejarem um outro mundo? De onde vem o fascínio do atual Império Capitalista Global? Quais contribuições que as religiões em geral e cristianismo em particular podem e devem fazer nestas lutas?
São perguntas difíceis. Mas devemos enfrentá-las. Esta é uma das funções da teologia e das teorias críticas. Se não assumirmos este debate, nossos discursos teológicos e religiosos serão marcados por idealismos, abstrações e visões românticas, mas com pouca concreticidade e dialeticidade da história. Com discursos abstratos, sem mediações históricas, – que sempre encontra o seu público que aplaude–, a eficiência das nossas práticas ficarão aquém das possibilidades.
(Co-autor com Hugo Assmann do livro “Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus.)
sexta-feira, 4 de março de 2011
CARTA DE ELAINE ANDRADE ao arcebispo Dom Walmor Oliveira e ao bispo Dom Joaquim Mol.
Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2011
Prezados bispos Dom Walmor Oliveira e Dom Joaquim Mol, nossos pastores, tudo bem com vocês? Espero que sim. Que o Deus da vida continue abençoando vocês. Infelizmente nós das comunidades Camilo Torres e Irmã Dorothy, aqui no Barreiro, em Belo Horizonte, não estamos nada bem. Afinal estamos prestes a perder nossos lares e ir para rua com nossas crianças.
No último dia 16 de fevereiro de 2011, data inclusive que a Comunidade Camilo
Torres completou seu terceiro aniversário, tivemos uma reunião no 5o Batalhão de Polícia a respeito do despejo. A reunião foi convocada pelo coronel Carvalho, comandante das polícias especializadas (tropa de choque), com diversas autoridades religiosas, judiciais, municipais e representantes das comunidades, para uma suposta negociação. Uso essa expressão, Dom Walmor e Dom Joaquim, porque participei da reunião e ouvi claramente o Oficial de Justiça dizer que o despejo deve ser feito em caráter de urgência, com uso de força policial. Disse que já conseguiu transporte e galpões para nossos pertences. Fiquei congelada ao ouvir isso.
Prezados Dom Walmor e Dom Joaquim, é de entrar em estado de pânico. Onde colocaremos nossas crianças? Essa pergunta martela na minha cabeça o tempo todo.
O desespero tem tomado conta não só de nós adultos, mas dominado nossas crianças que mais uma vez se vêem nessa situação. Andam tristes, deprimidas e adoecendo. Nas escolas, elas expressam seus sentimentos em desenhos que mostram a chegada da polícia com tratores, casas sendo derrubadas, seus pais e elas ensangüentadas. Infelizmente, Dom Walmor e Dom Joaquim, será muito pesado ver. Ai a mim! Pergunto-me o que fazer, pois até minha filha de três anos se assusta quando vê polícia e tratores, perguntando se é para derrubar nossa casa.
O médico do Posto de Saúde diz que a causa das doenças que vêm tomando conta dos moradores das comunidades Camilo Torres e Irmã Dorothy se chama despejo. Afinal os moradores andam tensos e nervosos o tempo todo. Todos dizem que não abrirão mão do direito de morar e viver com dignidade. Sabemos que é melhor morrer lutando do que sobreviver humilhado. Sem alternativa digna, resistiremos. Não nos resta outra opção.
Estou assustada e com medo dessa ação desumana que pode ocorrer a qualquer momento. Eles se preocuparam com nossos fogões e camas, mas nas nossas crianças eles não querem nem saber. Realmente o desespero é um péssimo conselheiro. Cadê o nosso direito à paz? Cadê o nosso direito de viver em paz?
Dom Walmor e Dom Joaquim, fico tentando prever qual será nossa reação ao ver nossa dignidade ser pisoteada simplesmente porque nossos governantes se negam a ouvir o clamor dos pobres pedindo que se faça valer o direito constitucional à moradia. Não nos negamos, Dom Walmor e Dom Joaquim, a sair do terreno, mas desde que tenhamos casa digna para morarmos com nossos filhos.
Caros Dom Walmor e Dom Joaquim, diante dessa situação desesperadora, venho clamar que os senhores nos ajudem a sermos ouvidos e que nossos gritos de misericórdia cheguem aos ouvidos daqueles que possam impedir essa tragédia anunciada, um massacre. Dom Walmor e Dom Joaquim, vocês visitaram nossas comunidades (Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy), também Dom Aloísio, e vocês puderam ver que se trata de mães em sua maioria e pais de família que investiram não só em tijolos, mas que vivem verdadeiramente o amor ao próximo, algo que sabemos que se esfriou em muitos locais. Clamamos aos senhores que gritem conosco por misericórdia. Sei que a voz de nossos pastores, junto com a nossa, acenderá uma luz no fundo do túnel, pois neste momento, Dom Walmor e Dom Joaquim, apenas o abismo está presente. É claro que nossa fé está voltada à justiça de Deus e acreditamos que a justiça reinará.
Termino esta carta recordando que somos 277 famílias clamando por misericórdia a Deus e às autoridades. Na Dandara estão outras 887 famílias que também clamam por justiça e pelo direito à moradia.
Aos senhores, Dom Walmor e Dom Joaquim, reafirmo que a voz de vocês nos ajudará a impedir que essa cidade seja manchada com sangue de nós trabalhadoras que lutamos todos os dias para garantir um teto que cubra a cabeça de nossos filhos.
Um grande abraço e que Deus abençõe os senhores cada vez mais. Somos eternamente gratas pelo apoio e solidariedade que temos recebido da igreja.
“Dá ouvido SENHOR às minhas palavras e acode ao meu gemido!” (salmos 5)
Elaine Andrade
Rua 16 de fevereiro, 3
Comunidade Camilo Torres,
Barreiro
Belo Horizonte, MG, Brasil.
Prezados bispos Dom Walmor Oliveira e Dom Joaquim Mol, nossos pastores, tudo bem com vocês? Espero que sim. Que o Deus da vida continue abençoando vocês. Infelizmente nós das comunidades Camilo Torres e Irmã Dorothy, aqui no Barreiro, em Belo Horizonte, não estamos nada bem. Afinal estamos prestes a perder nossos lares e ir para rua com nossas crianças.
No último dia 16 de fevereiro de 2011, data inclusive que a Comunidade Camilo
Torres completou seu terceiro aniversário, tivemos uma reunião no 5o Batalhão de Polícia a respeito do despejo. A reunião foi convocada pelo coronel Carvalho, comandante das polícias especializadas (tropa de choque), com diversas autoridades religiosas, judiciais, municipais e representantes das comunidades, para uma suposta negociação. Uso essa expressão, Dom Walmor e Dom Joaquim, porque participei da reunião e ouvi claramente o Oficial de Justiça dizer que o despejo deve ser feito em caráter de urgência, com uso de força policial. Disse que já conseguiu transporte e galpões para nossos pertences. Fiquei congelada ao ouvir isso.
Prezados Dom Walmor e Dom Joaquim, é de entrar em estado de pânico. Onde colocaremos nossas crianças? Essa pergunta martela na minha cabeça o tempo todo.
O desespero tem tomado conta não só de nós adultos, mas dominado nossas crianças que mais uma vez se vêem nessa situação. Andam tristes, deprimidas e adoecendo. Nas escolas, elas expressam seus sentimentos em desenhos que mostram a chegada da polícia com tratores, casas sendo derrubadas, seus pais e elas ensangüentadas. Infelizmente, Dom Walmor e Dom Joaquim, será muito pesado ver. Ai a mim! Pergunto-me o que fazer, pois até minha filha de três anos se assusta quando vê polícia e tratores, perguntando se é para derrubar nossa casa.
O médico do Posto de Saúde diz que a causa das doenças que vêm tomando conta dos moradores das comunidades Camilo Torres e Irmã Dorothy se chama despejo. Afinal os moradores andam tensos e nervosos o tempo todo. Todos dizem que não abrirão mão do direito de morar e viver com dignidade. Sabemos que é melhor morrer lutando do que sobreviver humilhado. Sem alternativa digna, resistiremos. Não nos resta outra opção.
Estou assustada e com medo dessa ação desumana que pode ocorrer a qualquer momento. Eles se preocuparam com nossos fogões e camas, mas nas nossas crianças eles não querem nem saber. Realmente o desespero é um péssimo conselheiro. Cadê o nosso direito à paz? Cadê o nosso direito de viver em paz?
Dom Walmor e Dom Joaquim, fico tentando prever qual será nossa reação ao ver nossa dignidade ser pisoteada simplesmente porque nossos governantes se negam a ouvir o clamor dos pobres pedindo que se faça valer o direito constitucional à moradia. Não nos negamos, Dom Walmor e Dom Joaquim, a sair do terreno, mas desde que tenhamos casa digna para morarmos com nossos filhos.
Caros Dom Walmor e Dom Joaquim, diante dessa situação desesperadora, venho clamar que os senhores nos ajudem a sermos ouvidos e que nossos gritos de misericórdia cheguem aos ouvidos daqueles que possam impedir essa tragédia anunciada, um massacre. Dom Walmor e Dom Joaquim, vocês visitaram nossas comunidades (Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy), também Dom Aloísio, e vocês puderam ver que se trata de mães em sua maioria e pais de família que investiram não só em tijolos, mas que vivem verdadeiramente o amor ao próximo, algo que sabemos que se esfriou em muitos locais. Clamamos aos senhores que gritem conosco por misericórdia. Sei que a voz de nossos pastores, junto com a nossa, acenderá uma luz no fundo do túnel, pois neste momento, Dom Walmor e Dom Joaquim, apenas o abismo está presente. É claro que nossa fé está voltada à justiça de Deus e acreditamos que a justiça reinará.
Termino esta carta recordando que somos 277 famílias clamando por misericórdia a Deus e às autoridades. Na Dandara estão outras 887 famílias que também clamam por justiça e pelo direito à moradia.
Aos senhores, Dom Walmor e Dom Joaquim, reafirmo que a voz de vocês nos ajudará a impedir que essa cidade seja manchada com sangue de nós trabalhadoras que lutamos todos os dias para garantir um teto que cubra a cabeça de nossos filhos.
Um grande abraço e que Deus abençõe os senhores cada vez mais. Somos eternamente gratas pelo apoio e solidariedade que temos recebido da igreja.
“Dá ouvido SENHOR às minhas palavras e acode ao meu gemido!” (salmos 5)
Elaine Andrade
Rua 16 de fevereiro, 3
Comunidade Camilo Torres,
Barreiro
Belo Horizonte, MG, Brasil.
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