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sexta-feira, 25 de março de 2011

Fórum Mundial de Teologia e os seus desafio(II): teoria da transformação social

Jung Mo Sung



Uma das novidades da Teologia da Libertação Latino-Americana (TLLA) nas suas origens não foi simplesmente criticar o “mundo”, falar em favor dos pobres ou propor ações de “caridade”, mas sim a de propor (a) o uso metódico das ciências sociais para compreender as razões das injustiças e opressões e (b) práticas de transformação das estruturas sociais e culturais.
O desejo de luta e de transformações que nasce da indignação ética diante das injustiças e sofrimentos das pessoas mais vulneráveis pode se perder em discursos vazios e em ações bem intencionadas, mas ineficazes. Para tentar evitar isso, a TLLA deveria se assumir como o momento segundo, sendo o primeiro as práticas de libertação, e que o primeiro passo deste momento segundo deveria ser o diálogo com as ciências do social para compreender as causas da situação. O segundo passo seria interpretar à luz da fé, da Bíblia e da tradição teológica a situação e as práticas realizadas, para no terceiro passo elaborar novas práticas dentro de estratégias de ação transformadora. E esta reflexão teológica deveria estar a serviço das práticas de libertação, com reflexões críticas sobre o mundo, o cristianismo, teologias, e até mesmo da religiosidade do povo.
Passadas quatro décadas do início da TLLA, podemos dizer que equívocos foram cometidos, mas não podemos negar que esta forma de fazer teologia iluminou as práticas e “deu razão da nossa esperança” para muitas comunidades cristãs e não-cristãs espalhadas pela AL e mundo afora.
Há um ponto que acho fundamental retomarmos: o debate sobre as teorias de transformação social. A teoria mais utilizada pela TLLA para compreender as injustiças e opressões sociais foi a “teoria da dependência” de inspiração marxista. Esta teoria não oferecia somente o diagnóstico, mas também uma linha de ação. A dominação era vista como resultado da dependência e subordinação dos países periféricos aos países centrais do capitalismo e a manutenção dessa relação era resultado (a) de uma elite nacional que se beneficiava disso (b) da alienação do povo diante dessa realidade política. Assim, a estratégia alternativa era (a) conscientizar o povo; (b) organizar o povo; (c) ir para política para “tomar o Estado” em favor dos pobres, (d) promover profundas mudanças econômicas e sociais. Por isso tanto esforço em promover cursos bíblicos, análises de conjuntura, cursos de fé e política, atuação em partidos políticos e movimentos sociais. As pequenas ações eram compreendidas e realizadas dentro deste grande perspectiva estratégica.
Hoje, o capitalismo se tornou globalizado e as lutas de libertação se ampliaram e se complexificaram (pobres, gênero, etnia, etc – tema tratado no artigo anterior), porém penso que não temos uma nova teoria sobre as transformações econômicas, sociais e culturais articulando nossas análises e ações. Isso ficou aparente no Fórum Mundial de Teologia ocorrida em Dakar. Nas mais diversas exposições e debates, era possível ver claramente contra o que lutamos e onde queremos chegar, mas muito pouco sobre como transformar a situação e qual a contribuição específica das religiões e teologias críticas neste processo.
Esta falta de visão estratégica de transformação também tem a ver com a precariedade das nossas análises sobre as atuais dinâmicas de dominação econômica, étnica, de gênero etc. Por ex, como o patriarcalismo, machismo e racismo penetraram de uma forma tão profunda no inconsciente das culturas asiáticas marcada por confucionismo, budismo, filosofia de complementaridade (ying e yang)? Como se articulou historicamente a relação entre racismo, dominação de gênero e a exploração capitalista na AL? Como transformar isso? Ou então, por que os povos dos países pobres sonham adentrar no mercado de consumo global, ao invés de desejarem um outro mundo? De onde vem o fascínio do atual Império Capitalista Global? Quais contribuições que as religiões em geral e cristianismo em particular podem e devem fazer nestas lutas?
São perguntas difíceis. Mas devemos enfrentá-las. Esta é uma das funções da teologia e das teorias críticas. Se não assumirmos este debate, nossos discursos teológicos e religiosos serão marcados por idealismos, abstrações e visões românticas, mas com pouca concreticidade e dialeticidade da história. Com discursos abstratos, sem mediações históricas, – que sempre encontra o seu público que aplaude–, a eficiência das nossas práticas ficarão aquém das possibilidades.

(Co-autor com Hugo Assmann do livro “Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, Paulus.)

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