As forças progressistas, da Teologia da Libertação, incluindo teólogos/as, pastorais sociais, Cebs, agentes de pastoral, religiosos/as, leigos e leigas, se mobilizaram para participar da Conferencia de Aparecida (2007) - uma des suas ações foi a Tenda dos Mártires, como espaço aberto, celebrativo, por 15 dias, enquanto durou a Conferência. A Tenda dos Mártires foi um alerta à toda Igreja para não esquecer seus mártires, sua caminhada, sua identidade de libertação.
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sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
Natal: a festa da fragilidade divina
20.12.12 - Mundo
José Lisboa Moreira de Oliveira
Adital
"Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho. Ele nasceu de uma mulher” (Gl 4,4). Assim "a Palavra se fez fragilidade (sárx), vindo armar a sua tenda no meio de nós” (Jo 1,14). O Filho abriu mão da sua igualdade com Deus, abraçou o esvaziamento total (kénosis), assumiu livremente uma postura de servo e optou por viver como um homem comum, aceitando inclusive ser assassinado da forma mais ignominiosa então existente (Fl 2,6-8).
Este deveria ser o espírito do Natal, mas, infelizmente, não é o que vemos acontecer na prática. A celebração da fragilidade divina foi usurpada pela sociedade de consumo, que, com as bênçãos do próprio cristianismo, transformou o Natal em trocas de coisas inúteis, cujo personagem principal é um velho de barbas brancas, vestido segundo os costumes das regiões frias do polo norte.
Porém, biblicamente falando, o Natal é a celebração da fragilidade divina. Fragilidade aqui entendida no sentido de que Deus se humaniza e vem ao encontro da humanidade. Fragilidade aqui não quer dizer frouxidão e incapacidade, pois Deus, com a potência do seu braço, continua dispersando os soberbos e derrubando os poderosos de seus tronos (Lc 1,51-52). Significa que Deus abre mão da sua grandeza e onipotência e vem se comunicar conosco usando a nossa linguagem. Para os simples Deus não se manifesta de forma gloriosa e pomposa, mas na fragilidade da condição humana. Para falar conosco e manifestar a sua bondade e misericórdia, Deus não só se torna humano como nós, mas aceita passar por situações humanas humilhantes, como foi o caso da morte na cruz do Filho Jesus.
As anotações do Novo Testamento são poucas, mas suficientes para mostrar a densidade desta verdade. Antes de tudo o registro feito por Paulo na Carta aos Gálatas, afirmando que Jesus, o Filho de Deus Pai, nasceu de uma mulher. Numa cultura andocêntrica, na qual tudo passava pela decisão e pela vontade do macho, Deus decide que o seu Filho nasceria de uma mulher, sem a participação direta do sujeito do sexo masculino. Trata-se de uma revolução fantástica, numa época em que a linhagem era reconhecida através da descendência masculina. Deus, revolucionando e revirando a lógica andocêntrica, coloca o macho numa função secundária. "José levou Maria para a sua casa, e, sem ter relações sexuais com ela, Maria deu à luz um filho. E José deu a ele o nome de Jesus” (Mt 1,24-25).
Outro registro importante do Novo Testamento é o fato de que o Filho de Deus vem ao mundo para viver como um homem qualquer, sem nenhum sinal especial, totalmente submetido ao escondimento da condição humana. Este é o verdadeiro significado da expressão grega "sárx” usada por João no seu evangelho (1,14). As traduções "se fez homem” ou "se fez carne” não estão erradas, mas não expressam o sentido do termo grego. Ao dizer que Jesus se fez "sárx” o evangelista está querendo afirmar que o Filho de Deus, pela encarnação, assumiu para si a fragilidade e as fraquezas que marcam qualquer ser humano normal. Jesus não foi alguém que fez de conta que era homem. Ele realmente foi totalmente humano e quis viver assim. Por isso toda imagem de um Jesus divino, brincando de ser homem, é uma tremenda heresia. Como foi plenamente humano, Jesus livremente se submeteu a todos os limites e fragilidades que marcam a vida de um ser humano aqui na Terra. E quando a Carta aos Hebreus diz que ele foi humano em tudo, exceto no pecado (Hb 4,15), está apenas afirmando que ele não cedeu às inúmeras tentações. Porém, experimentou na carne a tentação e as consequências disso.
Além disso, Jesus quis experimentar a humilhação e a morte injusta, participando assim do destino da humanidade sofrida. Não quis ser Cristo-Rei, mas Cristo-Servo, lavando os pés da humanidade prostrada. E para completar essa participação na humilhação da humanidade, seguindo fielmente o projeto do Pai, se opôs ao poder religioso e civil e terminou assassinado. Poderia ter escapado de tudo isso se tivesse cedido às pressões dos poderosos e celebrado um pacto com eles. Mas isso faria dele um traidor; alguém que não levaria a sério o compromisso assumido com o Pai de levar até o fim a sua mensagem de libertação da humanidade (Lc 4,18-19).
Nós nos acostumamos com certas coisas e, depois de dois milênios, não percebemos mais o caráter revolucionário do Natal. O macho não tendo participação direta na concepção de uma criança. O Filho de Deus vivendo como um homem qualquer, sem manifestação gloriosa nenhuma. E, por fim, vivendo como escravo e sendo ignominiosamente assassinado na cruz. Tudo isso era assustador para a sua época. Por isso José, paradigma de todo macho de ontem e de hoje, tem dificuldade de entender uma gravidez que acontece sem sua participação direta. O povo da época de Jesus não entende como um Filho de Deus seja capaz de aparecer de maneira tão simples (Jo 1,46). Pedro não entende um Jesus, Senhor e Mestre, exercendo funções de um escravo (Jo 13,6-9). A morte dele na cruz causou horror e pânico nas pessoas e foi tida como sinal evidente de que ele não era um homem de Deus (Gl 3,13).
Precisamos, pois, rever a atual maneira cristã de celebrar o Natal, infestada de consumo e de consumismo. É claro que não se trata de deixar de lado a alegria, principal característica desse tempo litúrgico (Lc 2,10.20), mas de rimar a alegria com a fragilidade do Menino que nasce num curral (em grego: fátnê) ou numa cocheira de colocar comida para animais (Lc 2,7). Trata-se da necessidade de celebrarmos o Natal como a festa da revelação da bondade, da misericórdia e da ternura de Deus. Trata-se de alegrar-se com a vinda de um Jesus frágil, simples, escondido.
Mas para que isso aconteça é indispensável repensar e rever muitas práticas dentro das próprias Igrejas. Antes de tudo transformar atitudes machistas e excludentes que deixam fora de certos espaços eclesiais – como é o caso dos ministérios – mulheres e pessoas consideradas de "má fama”. A prática de Jesus era bem outra (Mc 2,15; Lc 8,1-3). As lideranças (bispos, padres, pastores, ministros, ministras) precisam despir-se de toda pompa, de todo luxo e de toda arrogância, para vestir o avental da simplicidade, humildade e serviço. Além disso, as Igrejas precisam renunciar à pretensão de serem infalíveis, admitindo e confessando publicamente seus erros e pedindo humildemente perdão à comunidade. Fatos como a pedofilia dos padres, o desvio de dinheiro das comunidades e vários outros escândalos revelam a fragilidade das Igrejas. E elas só poderão celebrar de verdade o Natal se admitirem publicamente suas fragilidades e renunciarem à pretensão de "serem como deuses” (Gn 3,5).
Oxalá estas e outras coisas aconteçam para que o verdadeiro espírito do Natal seja recuperado e as Igrejas adquiram mais credibilidade, podendo proclamar solenemente: "anuncio para vocês a Boa Notícia, que será uma grande alegria para todo o povo” (Lc 2,10). Sem isso o Natal seguirá adiante com a lógica do mercado, sendo apenas uma festa de troca de presentes e de mero consumo de coisas inúteis. Portanto, bem distante do seu verdadeiro significado.
http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=72953
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo. Doutor em teologia. Ex-assessor do Setor Vocações e Ministérios/CNBB. Ex-Presidente do Inst. de Past. Vocacional. É gestor e professor do Centro de Reflexão sobre Ética e Antropologia da Religião (CREAR) da Universidade Católica de Brasília
Adital
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