As forças progressistas, da Teologia da Libertação, incluindo teólogos/as, pastorais sociais, Cebs, agentes de pastoral, religiosos/as, leigos e leigas, se mobilizaram para participar da Conferencia de Aparecida (2007) - uma des suas ações foi a Tenda dos Mártires, como espaço aberto, celebrativo, por 15 dias, enquanto durou a Conferência. A Tenda dos Mártires foi um alerta à toda Igreja para não esquecer seus mártires, sua caminhada, sua identidade de libertação.
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quarta-feira, 28 de agosto de 2013
Roma e a Teologia da Libertação: fim da guerra
23 de junho de 2013//////////////
“O movimento eclesial teológico da América Latina, conhecido como “teologia da libertação”, que depois do Vaticano II encontrou eco em todo o mundo, deve ser considerado, na minha opinião, entre as correntes mais significativas da teologia católica do século XX”. Quem consagra a Teologia da Libertação com esta elogiosa e peremptória avaliação histórica não é nenhum representante sul-americano das estações eclesiais do passado. O “certificado” de validade chega diretamente do arcebispo Gerhard Ludwig Müller, atual Prefeito do mesmo dicastério vaticano – a Congregação para a Doutrina da Fé – que durante os anos 1980, seguindo o impulso do Papa polonês e sob a direção do então cardeal Ratzinger, interveio com duas instruções para indicar os desvios pastorais e doutrinais que também incluíam os caminhos que as teologias latino-americanas haviam tomado.
A reportagem é de Gianni Valente e publicada no sítio Vatican Insider, 21-06-2013. A tradução é do Cepat.
A avaliação sobre a Teologia da Libertação não é uma declaração que escapou acidentalmente ao atual custódio da ortodoxia católica. O juízo, meditado, aparece nas densas páginas do volume do qual foi tirada a frase: uma antologia de ensaios escrita a quatro mãos, impressa na Alemanha, em 2004, e que agora está sendo publicada na Itália com o título “Da parte dos pobres, Teologia da Libertação, Teologia da Igreja” (Ediciones Messaggero, Padua, Emi).
Atualmente, o livro irrompe como um ato para encerrar as guerras teológicas do passado e os resíduos bélicos que de tempos em tempos brilham para espairecer alarmas que representam ora interesses, ora pretextos. O livro é escrito pelo atual responsável pelo ex-Santo Ofício e pelo teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, pai da Teologia da Libertação e inventor da própria fórmula utilizada para definir essa corrente teológica, cujas obras foram submetidas a exames rigorosos durante muito tempo pela Congregação para a Doutrina da Fé em sua longa estação ratzingeriana, embora nunca tenha sido condenado.
O livro representa o resultado de um longo caminho comum. Müller nunca ocultou sua proximidade com Gustavo Gutiérrez, que conheceu em 1998 em Lima durante um seminário de estudos. Em 2008, durante a cerimônia para o doutorado honoris causa concedido ao teólogo Müller pela Pontifícia Universidade Católica do Peru, o então bispo de Regensburg definiu como absolutamente ortodoxa a teologia de seu mestre e amigo peruano. Nos meses anteriores à nomeação de Müller como presidente do dicastério doutrinal, foi exatamente sua relação com Gutiérrezque foi evocada por alguns como prova da não idoneidade do bispo teólogo alemão para o posto que ocupou (durante 24 anos) o então cardeal Ratzinger.
Nos ensaios da antologia, os dois autores-amigos se complementam reciprocamente. Segundo Müller, os méritos da Teologia da Libertação vão além do âmbito do catolicismo latino-americano. O Prefeito indica que a Teologia da Libertação expressou no contexto real da América Latina das últimas décadas a orientação para Jesus Cristo redentor e libertador que marca qualquer teologia autenticamente cristã, justamente a partir da insistente predileção evangélica pelos pobres. “Neste continente”, reconhece Müller, “a pobreza oprime as crianças, os idosos e os doentes”, e induz muitos a “considerar a morte como uma escapatória”. Desde as suas primeiras manifestações, a Teologia da Libertação ‘obrigava’ as teologias de outras partes a não criar abstrações sobre as condições reais da vida dos povos ou dos indivíduos. E reconhecia nos pobres a “própria carne de Cristo”, como agora repete o Papa Francisco.
Justamente com a chegada do primeiro Papa latino-americano surge com maior força a oportunidade para considerar esses anos e essas experiências sem os condicionamentos dos furores e das polêmicas daquela época. Mesmo afastando-se dos ritualismos dos “mea culpa” postiços ou das aparentes “reabilitações”, hoje é muito mais fácil reconhecer que certas veementes mobilizações de alguns setores eclesiais contra a Teologia da Libertação eram motivadas por certas preferências de orientação política mais que pelo desejo de guardar e afirmar a fé dos apóstolos. Os que pagaram a fatura foram os teólogos peruanos e os pastores que estavam completamente submergidos na fé evangélica do próprio povo, que acabaram “triturados” ou na sombra mais absoluta. Durante um longo período, a hostilidade demonstrada para com a Teologia da Libertação foi um importante fator para favorecer brilhantes carreiras eclesiásticas.
Em um dos textos, Müller (que numa entrevista de 27 de dezembro de 2012 havia expressado a hipótese do cenário de um Papa latino-americano depois de Ratzinger) descreve sem meias palavras os fatores político-religiosos e geopolíticos que condicionaram certas “cruzadas” contra a Teologia da Libertação: “Com o sentimento triunfalista de um capitalismo que, provavelmente, se considerava definitivamente vitorioso”, refere o Prefeito do dicastério doutrinal vaticano, “misturou-se também a satisfação de ter negado desta maneira qualquer fundamento ou justificação da Teologia da Libertação. Acreditava-se que o jogo com ela era muito simples, lançando-a no mesmo conjunto da violência revolucionária e do terrorismo dos grupos marxistas”. Müller também cita o documento secreto, preparado para o presidente Reagan pelo Comitê de Santa Fé, em 1980 (ou seja, quatro anos antes da primeira Instrução sobre a Teologia da Libertação), no qual se solicitava ao governo dos Estados Unidos da América que agisse com agressividade contra a “Teologia da Libertação”, culpada por ter transformado a Igreja Católica em “arma política contra a propriedade privada e o sistema da produção capitalista”. “É desconcertante neste documento”, destaca Müller, “a desfaçatez com que seus autores, responsáveis por ditaduras militares brutais e por poderosas oligarquias, fazem de seus interesses pela propriedade privada e pelo sistema produtivo capitalista o parâmetro do que deve valer como critério cristão”.
Após terem passado décadas de batalhas e contraposições, justamente a amizade entre os dois teólogos (o Prefeito da Doutrina da Fé e aquele que durante um tempo foi perseguido pelo mesmo dicastério doutrinal) alimenta finalmente uma ótica capaz de distinguir as obsoletas armações ideológicas do passado da genuína fonte evangélica que impulsionava muitas das rotas do catolicismo latino-americano depois do Concílio. Segundo Müller, Gutiérrez, com seus 85anos (e que pretende viajar à Itália e passar por Roma em setembro), expressou uma reflexão teológica que não se limitava às conferências nem aos cenáculos universitários, mas que se nutria da seiva das liturgias celebradas pelo sacerdote com os pobres, nas periferias de Lima. Ou seja, essa experiência básica graças à qual – como disse sempre simples e biblicamente o próprio Gutiérrez – “ser cristão significa seguir a Jesus”. É o próprio Senhor, acrescenta Müller ao comentar a frase de seu amigo peruano, quem “nos dá a indicação de nos comprometermos diretamente com os pobres. Fazer prevalecer a verdade nos leva a estar do lado dos pobres”.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521277-roma-e-a-teologia-da-libertacao-fim-da-guerra
sábado, 24 de agosto de 2013
Aqueles que sonham com um VATICANO III
2013-08-22---------
Leonardo Boff, ex-franciscano, expoente mais visível do ponto de vista midiático daquilo que resta da Teologia da Libertação, foi apenas o último em ordem de tempo a pedir um novo concílio, um Vaticano III. Ele o fez nas colunas do Jornal do Brasil, tomando como ponto de partida os 50 anos da morte de João XXIII: "Com as categorias do Concílio Vaticano II não daremos mais conta desta nova realidade".
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 20-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.----------------------------------------------------------------------------------------------
Segundo Boff, deveria ser um concílio de toda a cristandade e deveria "identificar o tipo de colaboração que podemos oferecer na linha de uma nova consciência de respeito, de veneração, de cuidado de todos os ecossistemas".
É curioso notar que se anseia por um Vaticano III há nada menos do que 36 anos. A ideia havia sido lançada pela primeira vez no verão europeu de 1977, quando os teólogos da revista Concilium se reuniram na Notre Dame University, nos EUA. Estavam, dentre outros, o suíço Hans Küng e o holandês Edward Schillebeeckx, os italianos Giuseppe Alberigo e Rosino Gibellini.
A reunião de teólogos e historiadores progressistas fixou os objetivos do futuro concílio: renúncia do papa aos 75 anos; Sínodo dos Bispos não mais consultivo, mas deliberativo; abolição do celibato dos padres; equiparação da mulher na vida da Igreja, incluindo o sacerdócio feminino.
A proposta de linhagem wojtyliana
Mas se equivocaria quem pensasse que a proposta é relançada de tempos em tempos apenas pelos ambientes progressistas, intencionados a pisar no acelerador das reformas. No início dos anos 1990, surpreendentemente, a proposta foi apropriada por ambientes conservadores de provada fé wojtyliana.
Quem relançou a ideia, nas colunas da revista norte-americana Catholic World Report, foi o historiador inglês Paul Johnson. Na Itália, o filósofo Rocco Buttiglione, amigo e colaborador de João Paulo II, tinha ecoado a proposta, ao fazer referência, em uma en-trevista, à preparação de «materiais para um novo grande concílio".
Entre os defensores da ideia, à época, também se incluía o bispo austríaco ultraconser-vador Kurt Krenn. O Vaticano III ansiado pelos wojtylianos mais ortodoxos era, nas in-tenções, o oposto daquele pedido por Küng em 1977.
Na realidade, desejava-se um concílio restaurador que colocasse novamente em linhas os progressistas e os indisciplinados e freasse a tentativa de algumas conferências episcopais de se atribuir poderes e competências. Em suma, para os defensores do Vaticano III de estilo "lei e ordem", a Igreja Católica, apesar da guinada de João Paulo II, ainda vivia uma época de laxismo e de confusão doutrinais.
Mas as aspirações dos conservadores conciliaristas foram acolhidas muito friamente no Vaticano. O cardeal Joseph Ratzinger rotulou a ideia como "absolutamente prematura".
O então prefeito do ex-Santo Ofício e futuro papa, em uma entrevista de 1992, tinha es-friado as expectativas desta forma: "Eu não acho que seja o momento. Seria absoluta-mente prematuro. Porque o concílio é sempre um grande compromisso, que bloqueia por um certo período a vida normal da Igreja. E não se pode fazer isso com muita frequência. São Basílio, diante do convite de participar de outro Concílio de Constantinopla, disse: 'Não, não irei. Porque esses concílios só criam confusão'".
A proposta martiniana
Quem falou novamente sobre isso, desta vez novamente do fronte reformista, foi, em 1999, durante um Sínodo, o cardeal Carlo Maria Martini, do qual lembramos, em alguns dias, o primeiro aniversário de morte.
O arcebispo de Milão apresentou o seu pedido sob a forma de "sonho", desejando "uma experiência de debate universal entre os bispos que valha para desfazer" alguns nós doutrinais e disciplinares da Igreja.
Martini pedia "um instrumento colegial mais universal e com autoridade", que envolvesse "todos os bispos" em um "debate colegial", que repetisse "aquela experiência de comu-nhão e de colegialidade que os seus antecessores realizaram no Vaticano II".
Uma assembleia onde pudessem ser abordados "com liberdade" problemas como a falta de sacerdotes, a posição da mulher na Igreja, os ministérios, a sexualidade, a disciplina do matrimônio, a prática penitencial, as relações ecumênicas. A proposta martiniana foi abandonada, até porque João Paulo II já tinha dito um ano antes, por ocasião do consis-tório de fevereiro de 1998, que "o Vaticano II ainda esperara chegar ao seu verão pleno".
Quando o cardeal Martini fez a sua proposta, ainda faltavam seis anos para a eleição de Bento XVI e para o seu discurso à Cúria Romana em dezembro de 2005, quando o novo papa propôs aquela que ele considerava a hermenêutica correta "da reforma na continui-dade" para ler o Vaticano II, em oposição às hermenêuticas da "ruptura".
Bento XVI criticava sobretudo as leituras progressistas que atribuíam ao Concílio o que o Concílio não tinha dito, mas também esperava suavizar a leitura lefebvriana em vista de uma reconciliação com a Fraternidade São Pio X.
O debate que se seguiu acabou acentuando, no entanto, as polarizações. E assim, hoje, diante de Boff que pede um Vaticano III para ir além do Vaticano II, há à direita grupos que consideram o último Concílio inconciliável com a tradição católica.
Enquanto isso, para além dos anúncios, das polêmicas e dos vetos cruzados, existem documentos do Vaticano II – concílio, vale a pena lembrar, que viu os seus textos apro-vados praticamente por unanimidade – ainda à espera da plena implementação: um exemplo dentre todos é o decreto Apostolicam actuositatem, sobre o papel dos leigos. Tema que continua sendo difícil em tempos de clericalismo ressurgente. Aquele clerica-lismo que o Papa Francisco considera como um dos problemas da Igreja de hoje.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522955-aqueles-que-sonham-com-um-vaticano-iii
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
CARTA AOS BISPOS DO BRASIL
15 de agosto de 2013//////////////
Festa da Assunção de Nossa Senhora//////////////////////
Queridos irmãos no episcopado
Somos três bispos eméritos que, de acordo com o ensinamento do Concílio Vaticano II, apesar de não sermos mais pastores de uma Igreja local, somos sempre participantes do Colégio episcopal, e junto com o Papa, nos sentimos responsáveis pela comunhão universal da Igreja Católica.
Alegrou-nos muito a eleição do Papa Francisco no pastoreio da Igreja, pelas suas mensagens de renovação e conversão, com seus seguidos apelos a uma maior simplicidade evangélica e maior zelo de amor pastoral por toda a Igreja. Tocou-nos também a sua recente visita ao Brasil, particularmente suas palavras aos jovens e aos bispos. Isso até nos trouxe a memória do histórico Pacto das Catacumbas.
Será que nós bispos nos damos conta do que, teologicamente, significa esse novo horizonte eclesial? No Brasil, em uma entrevista, o Papa recordou a famosa máxima medieval: “Ecclesia semper renovanda”.
Por pensar nessa nossa responsabilidade como bispos da Igreja Católica, nos permitimos esse gesto de confiança de lhes escrever essas reflexões, com um pedido fraterno para que desenvolvamos um maior diálogo a respeito.
1. A Teologia do Vaticano II sobre o ministério episcopal:
2.
O Decreto Christus Dominus dedica o 2º capítulo à relação entre bispo e Igreja Particular. Cada Diocese é apresentada como “porção do Povo de Deus” (não é mais apenas um território) e afirma que, “em cada Igreja local está e opera verdadeiramente a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica” (CD 11), pois toda Igreja local não é apenas um pedaço de Igreja ou filial do Vaticano, mas é verdadeiramente Igreja de Cristo e, assim a designa o Novo Testamento (LG 22). “Cada Igreja local é congregada pelo Espírito Santo, por meio do Evangelho, tem sua consistência própria no serviço da caridade, isto é, na missão de transformar o mundo e testemunhar o Reino de Deus. Essa missão é expressa na Eucaristia e nos sacramentos. Isso é vivido na comunhão com seu pastor, o bispo”.
Essa teologia situa o bispo não acima ou fora de sua Igreja, mas como cristão inserido no rebanho e com um ministério de serviço a seus irmãos. É a partir dessa inserção que cada bispo, local ou emérito, assim como os auxiliares e os que trabalham em funções pastorais sem dioceses todos, enquanto portadores do dom recebido de Deus na ordenação são membros do Colégio Episcopal e responsáveis pela catolicidade da Igreja.
2. A sinodalidade necessária no século XXI:
A organização do papado como estrutura monárquica centralizada foi instituída a partir do pontificado de Gregório VII, em 1078. Durante o 1º milênio do Cristianismo, o primado do bispo de Roma estava organizado de forma mais colegial e a Igreja toda era mais sinodal.
O Concílio Vaticano II orientou a Igreja para a compreensão do episcopado como um ministério colegial. Essa inovação encontrou, durante o Concílio, a oposição de uma minoria inconformada. O assunto, na verdade, não foi suficientemente amarrado. Além disso, o Código de Direito Canônico, de 1983 e os documentos emanados pelo Vaticano, a partir de então, não priorizaram a colegialidade, mas restringiram a sua compreensão e criaram barreiras ao seu exercício. Isso foi em prol da centralização e crescente poder da Cúria romana, em detrimento das Conferências nacionais e continentais e do próprio Sínodo dos bispos, este de caráter apenas consultivo e não deliberativo, sendo que tais organismos detêm, junto com o Bispo de Roma, o supremo e pleno poder em relação à Igreja inteira.
Agora, o Papa Francisco parece desejar restituir às estruturas da Igreja Católica e a cada uma de nossas dioceses uma organização mais sinodal e de comunhão colegiada. Nessa orientação, ele constituiu uma comissão de cardeais de todos os continentes para estudar uma possível reforma da Cúria Romana. Entretanto, para dar passos concretos e eficientes nesse caminho – e que já está acontecendo – ele precisa da nossa participação ativa e consciente. Devemos fazer isso como forma de compreender a própria função de bispos, não como meros conselheiros e auxiliares do papa, que o ajudam à medida que ele pede ou deseja e sim como pastores, encarregados com o papa de zelar pela comunhão universal e o cuidado de todas as Igrejas.
3. O cinquentenário do Concílio:
Nesse momento histórico, que coincide também com o cinqüentenário do Concílio Vaticano II, a primeira contribuição que podemos dar à Igreja é assumir nossa missão de pastores que exercem o sacerdócio do Novo Testamento, não como sacerdotes da antiga lei e sim, como profetas. Isso nos obriga colaborar efetivamente com o bispo de Roma, expressando com mais liberdade e autonomia nossa opinião sobre os assuntos que pedem uma revisão pastoral e teológica. Se os bispos de todo o mundo exercessem com mais liberdade e responsabilidade fraternas o dever do diálogo e dessem sua opinião mais livre sobre vários assuntos, certamente, se quebrariam certos tabus e a Igreja conseguiria retomar o diálogo com a humanidade, que o Papa João XXIII iniciou e o Papa Francisco está acenando.
A ocasião, pois, é de assumir o Concílio Vaticano II atualizado, superar de uma vez por todas a tentação de Cristandade, viver dentro de uma Igreja plural e pobre, de opção pelos pobres, uma eclesiologia de participação, de libertação, de diaconia, de profecia, de martírio... Uma Igreja explicitamente ecumênica, de fé e política, de integração da Nossa América, reivindicando os plenos direitos da mulher, superando a respeito os fechamentos advindos de uma eclesiologia equivocada.
Concluído o Concílio, alguns bispos – sendo muitos do Brasil – celebraram o Pacto das Catacumbas de Santa Domitila. Eles foram seguidos por aproximadamente 500 bispos nesse compromisso de radical e profunda conversão pessoal. Foi assim que se inaugurou a recepção corajosa e profética do Concílio.
Hoje, várias pessoas, em diversas partes do mundo, estão pensando num novo Pacto das Catacumbas. Por isso, desejando contribuir com a reflexão eclesial de vocês, enviamos anexo o texto original do Primeiro Pacto.
O clericalismo denunciado pelo Papa Francisco está sequestrando a centralidade do Povo de Deus na compreensão de uma Igreja, cujos membros, pelo batismo, são alçados à dignidade de “sacerdotes, profetas e reis”. O mesmo clericalismo vem excluindo o protagonismo eclesial dos leigos e leigas, fazendo o sacramento da ordem se sobrepor ao sacramento do batismo e à radical igualdade em Cristo de todos os batizados e batizadas.
Além disso, em um contexto de mundo no qual a maioria dos católicos está nos países do sul (América Latina e África), se torna importante dar à Igreja outros rostos além do costumeiro expresso na cultura ocidental. Nos nossos países, é preciso ter a liberdade de desocidentalizar a linguagem da fé e da liturgia latina, não para criarmos uma Igreja diferente, mas para enriquecermos a catolicidade eclesial.
Finalmente, está em jogo o nosso diálogo com o mundo. Está em questão qual a imagem de Deus que damos ao mundo e o testemunhamos pelo nosso modo de ser, pela linguagem de nossas celebrações e pela forma que toma nossa pastoral. Esse ponto é o que deve mais nos preocupar e exigir nossa atenção. Na Bíblia, para o Povo de Israel, “voltar ao primeiro amor”, significava retomar a mística e a espiritualidade do Êxodo.
Para as nossas Igrejas da América Latina, “voltar ao primeiro amor” é retomar a mística do Reino de Deus na caminhada junto com os pobres e a serviço de sua libertação. Em nossas dioceses, as pastorais sociais não podem ser meros apêndices da organização eclesial ou expressões menores do nosso cuidado pastoral. Ao contrário, é o que nos constitui como Igreja, assembleia reunida pelo Espírito para testemunhar que o Reino está vindo e que de fato oramos e desejamos: venha o teu Reino!
Esta hora é, sem dúvida, sobretudo para nós bispos, com urgência, a hora da ação. O Papa Francisco ao dirigir-se aos jovens na Jornada Mundial e ao dar-lhes apoio nas suas mobilizações, assim se expressou: “Quero que a Igreja saia às ruas”. Isso faz eco à entusiástica palavra do apóstolo Paulo aos Romanos: “É hora de despertar, é hora e de vestir as armas da luz” (13,11).
Seja essa a nossa mística e nosso mais profundo amor.
Abraços, com fraterna amizade.
Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba.
Dom Tomás Balduino, bispo emérito de Goiás.
Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia
terça-feira, 20 de agosto de 2013
Atualidade e futuro da Teologia da Libertação
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Quinta, 27 de junho de 2013///////
“Há anos, a Teologia da Libertação valoriza as diferentes culturas, e inclusive as diferentes religiões, pois acredita, por princípio, que Deus acontece incessantemente no mundo. Sua contribuição mais característica nesta sua abertura a todo o real consistiu em valorizar a criatividade dos pobres. Para esta teologia, os pobres não são somente objeto de caridade. Eles devem ser considerados sujeitos que inventam um mundo novo com recursos escassos, mas com a compreensão vital de um Evangelho que foi anunciado a eles antes que a ninguém. Doravante, a maior contribuição da Teologia da Libertação está em crer na criatividade dos pobres.”///////
A reflexão é de Jorge Costadoat Carrasco, jesuíta, professor da Pontifícia Universidade Católica do Chile e diretor do Centro Teológico Manuel Larraín, em artigo publicado no sítio Reflexión y Liberación, 24-06-2013. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
No passado, foi Jorge Mario Bergoglio contrário àTeologia da Libertação? Provavelmente em mais de um ponto. Atualmente, o Papa Francisco é um adversário desta teologia? A impressão é que não.
Consta, isso sim, que os simpatizantes da Teologia da Libertação estão exultantes com ele. É o que se pode verificar na internet. Os setores católicos da libertaçãose identificaram rapidamente com o novo Papa. O nome de Francisco, a simplicidade, os ataques à economia liberal, a já famosa frase “quanto gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres!”, foram sinais inequívocos de um giro que os setores progressistas católicos interpretam como um roteiro favorável.
Que importância teria se o Papa reconhecesse a importância desta teologia? E para os movimentos, congregações religiosas e comunidades de base que se inspiraram nela, dando-lhe ao mesmo tempo chão para o seu desenvolvimento?
João Paulo II não a condenou, mas criticou-a severamente e manteve seus teólogos na linha. O cardeal Ratzinger, que exerceu este controle como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, uma vez convertido em Bento XVI, foi mais tolerante. No ano passado, nomeou para esse cargo Gerhard Müller, bispo alemão que, em 2005, escreveu, junto com o seu amigo Gustavo Gutiérrez, um livro intitulado Do lado dos pobres. Teologia da Libertação. O próprioRatzinger – sabia-se – sempre teve uma simpatia por Gutiérrez, o “pai” desta teologia. A nomeação de Müller foi um sinal de distensionamento, certamente poderoso, de uma guinada que pode acabar sendo decisiva.
Não o será, no entanto, se os simpatizantes de Gutiérrez, Boff, Segundo, Sobrino, Gebara, Codina, Galilea, Trigo,Muñoz, Ellacuría e os outros muitos teólogos da libertação pretenderem revitalizar aquela teologia que motivou o compromisso cristão dos anos 1960 e 1970. Hoje, o tema não é a reforma agrária, nem o imperialismo yankee, nem o marxismo, nem a guerrilha do Che ou de Camilo Torres, nem os anos cinzentos da ditadura de Pinochet. Deve-se recordar isso, porque a tendência de reviver esses tempos é uma tentação inútil e, para completar a torpeza, infiel ao método da própria Teologia da Libertação.
A Teologia da Libertação tem uma atualidade extraordinária. Nunca foi condenada. O próprio João Paulo II advertiu que ela, em alguns casos, era mesmo “necessária” (Brasil, 1986). Também não teria sido fácil fazê-lo, pois o próprio Magistério latino-americano formulou a “opção pelos pobres”, núcleo da convicção mística e teológica desta teologia. Sua atualidade reside em seu método. Os bispos do continente se aproximaram da realidade na chave do “ver, julgar e agir”. Eles popularizaram este procedimento metodológico. Levaram a Igreja a reconhecer a ação de Deus na história presente e a somar-se a ela.
Deve-se reconhecer ao Vaticano II a paternidade ulterior deste método. O documento Gaudium et Spes quis compreender os “sinais dos tempos”; “discernir nos acontecimentos, nas exigências e nas aspirações de nossos tempos, em que (o Povo de Deus) participa com os homens, quais sejam os sinais verdadeiros da presença ou dos desígnios de Deus” (GS 11). Ou seja, que em acontecimentos humanos especialmente significativos é possível reconhecer a ação de Deus e refletir sobre ela. Isto exigiu à Igreja não querer “ensinar” ao mundo o que Deus quer sem “aprender” do mundo o que Deus quer.
Dali em diante, a teologia pôde considerar que o contexto histórico não apenas permite interpretar a doutrina tradicional acomodando-a, a adaptando-a, a novas circunstâncias, mas que o próprio contexto tem algo a dizer sobre Deus e sobre sua vontade. Deus que se revelou na história, na história continua se revelando. A Igreja não veio ao mundo com um pacote de doutrinas debaixo do braço. Ela foi amadurecendo ao longo de séculos sua doutrina, a qual não é senão interpretação da Escritura como Palavra de um Deus que continua falando no presente e que, porque o seguirá fazendo no futuro, obriga a considerar as formulações teológicas como provisórias.
Sendo assim, a Igreja deve hoje estar atenta à história, caso quiser ser historicamente relevante. Como fazê-lo? Ela deve arraigar profundamente na humanidade sofredora, sofrer com ela, esperar com ela, indagar suas necessidades de libertação e de dignificação. Deve, em suma, sintonizar com o Espírito de Cristo que clama nos pobres; e, por outro lado, deve recorrer ao serviço das ciências sociais, que lhe permitirão compreender melhor o que está acontecendo com as pessoas e as sociedades.
Sabemos que Francisco Papa é um homem conectado com o sofrimento do mundo. Quer muito a libertação dos diversos oprimidos deste mundo. Será muito importante, além disso, que tome a sério a contribuição das ciências modernas. Sem estas, o discernimento da viabilidade da libertação é hoje culturalmente impossível. Tomemos, a título de exemplo, o caso da homossexualidade. A doutrina da Igreja pôde variar na medida em que o conhecimento desta realidade humana foi evoluindo. A psicologia moderna em certo momento deixou de considerá-la uma doença, para afirmar que é uma variante da sexualidade humana. A Igreja, neste campo, está se servindo da psicologia para melhorar a sua doutrina. Algo semelhante fez com a compreensão do fenômeno do suicídio.
Hoje, a Igreja necessita que o Papa Francisco estimule e se sirva da Teologia da Libertação, entendida como uma abertura reflexiva e crítica ao agir humano contemporâneo, especialmente aquele de quem sofre algum tipo de discriminação e exclusão. Caso não o fizer, a humanidade continuará a ter a dianteira em relação à Igreja em matérias nas quais a Igreja presumia ter razão. O simples desenvolvimento das ciências não elevou a humanidade ao seu patamar mais elevado. Às vezes, afundou-a em involuções atrozes e aterroriza pensar nas experiências em curso. Mas a Igreja só pode tratar legitimamente de contornar os excessos da modernidade ou de canalizá-los, caso reconhecer, para anunciar que Cristo é uma Boa Notícia, a necessidade do uso da razão – a ciência e a técnica – para dar com uma fé em Deus autenticamente humanizadora.
Atualmente, abrem-se novas possibilidades de interesse à Teologia da Libertação. Ela, que se ocupa da libertação, costuma também dar suma importância à criatividade que amplia os horizontes da vida. Os seres humanos combatem a opressão, a injustiça, as novas e velhas escravidões. Mas também criam e recriam mundos insuspeitos, inovam na estética e na moral. Nas inumeráveis experiências da humanidade, Deus mesmo pode estar se revelando como Criador. Deus não se cansa nem se repete. Há anos, a Teologia da Libertação valoriza as diferentes culturas, e inclusive as diferentes religiões, pois acredita, por princípio, que Deus acontece incessantemente no mundo. Sua contribuição mais característica nesta sua abertura a todo o real consistiu em valorizar a criatividade dos pobres. Para esta teologia, os pobres não são somente objeto de caridade. Eles devem ser considerados sujeitos que inventam um mundo novo com recursos escassos, mas com a compreensão vital de um Evangelho que foi anunciado a eles antes que a ninguém. Doravante, a maior contribuição da Teologia da Libertação está em crer na criatividade dos pobres.
Isto explica o fato de que os simpatizantes da Teologia da Libertação aplaudam o Papa Francisco. Veem nele alguém que aposta nos pobres.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521400-atualidade-e-futuro-da-teologia-da-libertacao
terça-feira, 13 de agosto de 2013
Um Concílio de toda a cristandade?
Leonardo Boff------------
Adital-----------
09/08/2013---------------
Celebramos 50 anos da morte do Papa João XXIII (1881-1963), seguramente o Papa mais importante do século XX. A ela se deve a renovação da Igreja Católica que tentou definir o seu lugar dentro do mundo moderno. No dia 25 de janeiro de 1959, sem avisar a ninguém, declarou diante dos Cardeais estupefatos, reunidos na abadia beneditina de São Paulo junto aos muros, que iria convocar um Concílio Ecumênico. Por sua própria conta havia feito um juízo crítico sobre a situação do mundo e da Igreja. Percebera que estávamos diante de uma nova fase histórica: a fase do mundo moderno com sua ciência, técnica, com suas liberdades e direitos. A Igreja precisava situar-se positivamente dentro deste fato emergente. Até então a atitude era de desconfiança e de condenação. O Papa entendeu que este comportamento levava a Igreja ao isolamento e à estagnação para seu próprio dano e para dano de sua missão no mundo.
Ele repetiu a velho dito: "vox temporis vox Dei("a voz do tempo é a voz de Deus”);” isso não significa”, disse ele, "que tudo no mundo, assim como se encontra, representa a voz de Deus; significa que tudo carrega uma mensagem de Deus, se boa para ser seguida, se ruim para ser mudada”.
Efetivamente, o Concílio Vaticano II se realizou em Roma (1962-1965); o Papa o abriu mas morreu antes de sua conclusão (1963). Seu espírito, entretanto, marcou todo o evento, com consequências até os dias de hoje.
Dois eram seus mottos principais: aggionamentoe Concílio pastoral. Aggiornamento é dizer: sim para o novo, sim para a atualização da Igreja em sua linguagem, em sua estrutura e em sua forma de se apresentar no mundo. Concílio pastoral queria exprimir uma relação para com as pessoas e para com o mundo de abertura, de diálogo, de acolhida e de fraternidade. Portanto, nada de condenações do modernismo e da "nouvelle théologie” como se fizera furiosamente antes. Em vez de doutrinas, diálogo, mútuo aprendizado e trocas.
Talvez esta afirmação de João XXIII resuma todo o seu espírito: "A vida do cristão não é uma coleção de antiguidades. Não se trata de visitar um museu ou uma academia do passado. Isto, sem dúvida, pode ser útil —como o é a visita aos monumentos antigos— mas não é suficiente. Vive-se para progredir, embora tirando seu proveito das práticas, e mesmo das experiências do passado, para ir sempre mais longe na trilha que Nosso Senhor nos mostra”.
De fato, o Concílio colocou a Igreja dentro do mundo moderno, participando de seus avatares e de suas conquistas. A Igreja da América Latina logo percebeu que não havia apenas o mundo moderno; mas, o submundo sobre o qual pouco se disse no Concílio. Em Medellín (1969) e Puebla (1979) viu-se que a missão da Igreja no submundo, feito de pobreza e de opressão, deve ser de promoção da justiça social e de libertação.
Passaram-se já 50 anos do Concílio. O mundo e o submundo mudaram muito. Surgiram novos desafios: da globalização econômico-financeira e a consequente consciência planetária, a dissolução do império soviético, as novas formas de comunicação social (internet, redes sociais e outras) que unificaram o mundo, a erosão da biodiversidade, a percepção dos limites da Terra e da possibilidade de extermínio da espécie humana e com ela do projeto planetário humano.
Só com as categorias do Concílio Vaticano II não daremos mais conta desta nova realidade ameaçadora. Tudo aponta para a necessidade de um novo Concílio Ecumênico. Agora não se trata apenas de convocar só os bispos da Igreja Católica. Face aos perigos que nos ameaçam, todo o Cristianismo.
http://www.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=76945
quinta-feira, 8 de agosto de 2013
A Igreja de Francisco. ‘Voltar para as fontes, e caminhar devagar no ritmo do povo’
. Entrevista com Paulo Suess//////////
IHU - Unisinos//////////
Adital/////////////
Terça, 06 de agosto de 2013///////////////
"Missão, participação, proximidade aos pobres, diálogo, estruturas a serviço do povo de Deus – eis as inspirações pastorais novamente lançadas pelo Papa Francisco", afirma o teólogo.
"A teologia do Papa Francisco é missionária, pastoral e espiritual, orientada para a proximidade com os pobres nas diferentes periferias do mundo, periferias geográficas, sociais, culturais e existenciais”, afirma Paulo Suess (foto abaixo) em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Para ele, os discursos mais importantes de Francisco "são seus gestos”, de tal modo que "sua ida para Lampedusa foi mais importante do que sua Encíclica Lumen Fidei (...) Sua metodologia de ver e discernir a realidade antes de pronunciar discursos e agir, agora pode ser retomado pelas Conferências Episcopais de todo o continente”.
Na entrevista a seguir, Suess avalia os discursos proferidos pelo Papa em visita ao Brasil e enfatiza que a mensagem aos bispos brasileiros é "uma releitura do Documento de Aparecida. (...). A partir do episódio dos dois discípulos de Emaús, que fogem de Jerusalém e da ‘nudez’ de Deus, Francisco faz uma leitura do Êxodo da Igreja, analisa suas razões para depois dar o recado aos pastores. ‘Somos uma Igreja capaz de reconduzir o povo, que está em fuga, a Jerusalém, onde estão nossas fontes? Somos capazes de contar de tal modo essas fontes, que despertem o encanto pela sua beleza? Haverá algo de mais alto que o amor revelado em Jerusalém? Nada é mais alto do que o abaixamento da Cruz, porque lá se atinge verdadeiramente a altura do amor!’”
Paulo Suess nasceu na Alemanha. É doutor em Teologia Fundamental com um trabalho sobre Catolicismo popular no Brasil. Em 1987 fundou o curso de Pós-Graduação em Missiologia, na Pontifícia Faculdade Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, onde foi coordenador até o fim de 2001. Recebeu o título de Doutor honoris causa, das Universidades de Bamberg (Alemanha, 1993) e Frankfurt (2004). É assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário – Cimi e professor no ciclo de pós-graduação em missiologia, no Instituto Teológico de São Paulo – ITESP. Entre suas publicações, citamos Dicionário de Aparecida. 40 palavras-chave para uma leitura pastoral do Documento de Aparecida (São Paulo: Paulus, 2007).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Há muitos comentários acerca do jeito de ser do Papa Francisco, contudo, teologicamente, quais devem ser as linhas mestres de seu pontificado? Já é possível vislumbrar algo nesse sentido?
Paulo Suess - A teologia do Papa Francisco é missionária, pastoral e espiritual, orientada para a proximidade com os pobres nas diferentes periferias do mundo, periferias geográficas, sociais, culturais e existenciais. Nessa proximidade está enraizada a sua teologia. Sua Teologia emerge de uma Mariologia biograficamente assentada e de uma Cristologia formada pela Companhia de Jesus.
Mário Bergoglio perdeu cedo a sua mãe, o que tornou a Mãe de Deus muito importante em sua vida. Na Igreja, que nasce em Jerusalém, Maria, diz Francisco, é mais importante que os apóstolos. Nesta perspectiva ele vai incentivar a dignidade da mulher na Igreja que considera mais importante do que a hierarquia.
Quando os superiores mandaram Mário Bergoglio para fazer estudos de pós-graduação em Frankfurt, logo interrompidos por outra responsabilidade na Companhia, na volta para a sua terra não trouxe escritos acadêmicos em sua mala, mas uma devoção mariana no coração: "Maria a Desatadora dos Nós” que ele encontrou em Augsburg. Essa devoção, que responde às aflições do povo simples, hoje a encontramos espalhada em toda a América Latina. É a devoção da Imaculada que Bergoglio reencontrou em Aparecida. Eventos importantes em sua vida, o Papa Francisco sempre vai iniciar aos pés da Imaculada Desatadora dos Nós, aos pés da cruz.
Com Maria, o Papa Francisco se encontra em Jerusalém. Em Jerusalém foi revelado o amor despojado de Deus. Em Jerusalém, diz Francisco, se encontram as fontes da Igreja: Escritura, Catequese, Sacramentos, Comunidade, amizade do Senhor. Em Jerusalém também se encontram suas fontes de autenticidade, humildade e proximidade. A proximidade atinge o ponto máximo na encarnação. As fontes acompanham o rio. Ninguém tem visto de permanência, nem em Aparecida nem em Jerusalém; são ícones que acompanham a caminhada que é ação na contemplação. São pontos de partida de uma cristologia encarnada, de uma mística vivida na ação em qualquer lugar, sempre "a maior Glória de Deus” (Santo Inácio). O nome é Francisco, mas teologia e espiritualidade de Francisco são inacianas.
IHU On-Line – Entre os discursos do Papa, qual aponta como o mais importante desde seu pontificado? Por quê? O que ele diz em termos de identificação com a Igreja?
Paulo Suess - Os discursos mais importantes do Papa Francisco são seus gestos. Sua ida para Lampedusa foi mais importante do que sua Encíclica Lumen Fidei. O gesto de visitar a comunidade de Varginha foi mais importante do que seu discurso "padronizado” que lá proferiu. Sua metodologia de ver e discernir a realidade antes de pronunciar discursos e agir, agora pode ser retomado pelas Conferências Episcopais de todo o continente. Mário Bergoglio se diz "filho da Igreja”. Não confunde radicalidade cristológica com aventura pastoral. "Sentir com a Igreja” faz parte da espiritualidade inaciana. Mas, faz parte dessa espiritualidade também o "discernimento”.
IHU On-Line - Que avaliação faz do discurso que o papa fez para os Bispos do Brasil, no sábado e, posteriormente, para os Bispos do Celam? O que é possível entender por reforçar e reformar as estruturas da Igreja?
Paulo Suess - O discurso para os Bispos do Brasil é uma releitura do Documento de Aparecida. Depois de uma interpretação espiritual do encontro da imagem da Imaculada Conceição como entrada de Deus nas vestes da pequenez da vida do povo, o papa se volta para a mensagem de Aparecida 2007. A partir do episódio dos dois discípulos de Emaús, que fogem de Jerusalém e da "nudez” de Deus, Francisco faz uma leitura do Êxodo da Igreja, analisa suas razões para depois dar o recado aos pastores. "Somos uma Igreja capaz de reconduzir o povo, que está em fuga, a Jerusalém, onde estão nossas fontes? Somos capazes de contar de tal modo essas fontes, que despertem o encanto pela sua beleza? Haverá algo de mais alto que o amor revelado em Jerusalém? Nada é mais alto do que o abaixamento da Cruz, porque lá se atinge verdadeiramente a altura do amor!”
Voltar com o povo para Jerusalém, voltar para as fontes, e caminhar devagar no ritmo do povo! "A Igreja sabe ainda ser lenta: no tempo para ouvir, na paciência para costurar novamente e reconstruir? Ou a própria Igreja já se deixa arrastar pelo frenesi da eficiência?”, pergunta o Papa. Depois retoma desafios do Documento de Aparecida, como a formação, colegialidade e solidariedade, o estado permanente de missão e Amazônia.
Também em seu discurso aos bispos do Celam, Francisco segue, novamente, o Documento de Aparecida e cobra uma Igreja que coloca "em chave missionária a atividade habitual das Igrejas particulares”. Em consequência disso, evidentemente, verifica-se toda uma dinâmica de reforma das estruturas eclesiais. A "mudança de estruturas” (de caducas a novas) é consequência da dinâmica da missão. O que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos é justamente a missionariedade. Não só a Cúria Romana, cada diocese, cada paróquia tem estruturas que precisam ser ajustadas.
Em função dessa missionariedade, o papa vislumbra uma Igreja voltada ao povo, proativa, participação dos leigos e o funcionamento das estruturas participativas: "Acho que estamos muito atrasados nisso”. Não podemos simplesmente continuar com os parâmetros da "cultura de sempre”, fundamentalmente uma cultura de base rural. Uma pastoral descontextualizada "acabará anulando a força do Espírito Santo. Deus está em toda a parte: há que saber descobri-lo para poder anunciá-lo no idioma dessa cultura; e cada realidade, cada idioma tem um ritmo diferente”.
Missão, participação, proximidade aos pobres, diálogo, estruturas a serviço do povo de Deus – eis as inspirações pastorais novamente lançadas pelo Papa Francisco.
IHU On-Line - Qual é o impacto dos bispos do Celam no pontificado de Francisco?
Paulo Suess - O Papa Francisco já mostrou que procura fortalecer na Igreja a colegialidade e a sinodalidade. Já no primeiro dia de seu papado procurou ajustar a relação entre Bispo de Roma e Papa de toda a Igreja católica: "O Papa é bispo, Bispo de Roma; e porque é Bispo de Roma é sucessor de Pedro, Vigário de Cristo. São outros títulos, mas o primeiro título é ‘Bispo de Roma’, e daí deriva tudo”, disse aos jornalistas no avião que o levou de volta para Roma, e acrescentou: "Há sempre o perigo de considerar-se um pouco superior aos outros, e não como os outros; considerar-se um pouco príncipe. [...] O bispo à frente dos fiéis, para assinalar o caminho; o bispo no meio dos fiéis, para ajudar a comunhão; e o bispo atrás dos fiéis, porque muitas vezes os fiéis têm o faro do caminho. O bispo deve ser assim”.
Depois o Papa falou das tentações da autorreferencialidade, do funcionalismo e do clericalismo, criticou pastorais "distantes”, pastorais disciplinares que privilegiam os princípios, as condutas, os procedimentos organizacionais... obviamente sem proximidade, sem ternura, nem carinho. Ignora-se a "revolução da ternura", que provocou a encarnação do Verbo. Eis os alvos da "conversão pastoral” apontados no Documento de Aparecida. Terminou seu discurso, se incluindo, na afirmação do atraso: "Estamos um pouco atrasados no que se refere à conversão pastoral”.
Certamente precisamos uma reorientação dos canonistas, dos núncios e de uma nova geração de bispos que acompanham a proposta de despojamento e que abrem mão de suas orientações disciplinares e organizacionais, sem nexo pastoral.
IHU On-Line - Qual a teologia de Bergoglio e como ela se diferencia da Teologia da Libertação, praticada na América Latina?
Paulo Suess - A Teologia da Libertaçãonão é uma escola, mas uma prática teológico-pastoral articulada com diferentes contextos culturais e realidades sociais. Por conseguinte, existe um grande leque de Teologias da Libertação. Mário Bergoglio, vindo do contexto argentino, faz parte desse leque, que une a opção pelos pobres à metodologia do ver-julgar-agir que constrói o pensamento teológico articulado com a realidade sócio-histórica e cultural do povo simples. A trajetória de Bergoglio mostra que ele faz questão de testar a sua reflexão teológica e espiritual na proximidade física com "as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias” (GS 1) dos que sofrem discriminação e fome. Bergoglio é um praticante da Teologia da Libertação.
IHU On-Line - Em seus discursos, Bergoglio tocou em outro ponto: o atraso da igreja latino-americana. Como compreende essa crítica? O que ficou subentendido nas palavras do Papa?
Paulo Suess - Ao falar da igreja latino-americana e caribenha precisamos distinguir entre diferentes setores dessa igreja. Atrasados são aqueles setores que acreditam ser possível melhorar a vida do povo através de alianças com as elites, com suas teologias pelagianas e gnósticas. Atrasados são aqueles que sentem os problemas e têm medo de atitudes proféticas. O Papa Francisco, em seu diálogo com a junta diretiva da Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas (CLAR), no dia 6 de junho, pediu ter coragem, e de levar sua missão aos limites e às fronteiras: "Nessas andanças arriscadas podem cometer erros. Podem até receber uma carta da Congregação para a Doutrina da Fé recriminando suas atitudes. Não se preocupem! Expliquem e sigam adiante! Abram portas e façam algo, onde a vida clama! Prefiro uma Igreja que comete erros à uma Igreja que adoece por ficar fechada”. O jesuíta Bergoglio, com seus 76 anos de vida, aprendeu que a primeira virtude da colegialidade episcopal e da comunhão eclesial não é a obediência, mas o diálogo. Por isso pede das Igrejas locais a solidariedade radical com os pobres e uma lealdade crítica e dialogal com Roma: "Não tens medo da denúncia... Vão passar mal, vão ter problemas, mas não tens medo! Essa é a profecia da vida religiosa!”
IHU On-Line - Por que, na sua avaliação, o Papa não deu ênfase a questões morais em seu discurso, especialmente no que se refere ao aborto, considerando que o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei que legaliza o aborto no Brasil?
Paulo Suess - Numa entrevista relâmpago, Francisco responderia provavelmente assim:
1. "Quem sou eu para julgar as pessoas que fizeram aborto? Quem sou eu para julgar os gays? Quem sou eu para julgar a mãe solteira?”
2. "A minha posição é a da Igreja. Sou filho da Igreja. O aborto é ruim”.
3. "Precisamos ir às causas, às raízes. Atrás da lei de ampliar as possibilidades de aborto existem interesses, dinheiro... Não podemos ficar somente com os sintomas”.
4. "No trato pastoral dessas questões, não sejam uma espécie de "alfândega pastoral” nem legalistas, mas seguidores do Bom Pastor! A Igreja não deve fechar as portas a ninguém. Batizem o filho da mãe solteira, acolhem o gay como Nossa Senhora de Aparecida o acolheria! Reservem um tempo para visitar a casa da mulher, que cometeu aborto, e escutem a sua história! Não atirem a primeira nem a última pedra contra essa gente!”
Essas foram as respostas que o papa Francisco deu aos participantes da Missa na Casa Santa Marta, no fim de maio, em Roma, ao pessoal da CLAR e a jornalista brasileira Patrícia Zorzan, no voo de volta a Roma, dia 28 de junto.
IHU On-Line - Qual é o significado do discurso do Papa no Teatro Municipal, no qual propõe recuperar a política como caridade?
Paulo Suess - No Teatro Municipal acompanhamos um papa que nos dá um exemplo de aproximação a ambientes não eclesiais. Francisco não se aproxima às pessoas com dedo em riste (se lembram de uma visita papal na Nicarágua?). Ele está acostumado de conviver com santos e pecadores, nos quais se inclui, pedindo orações. Francisco é um papa que pede licença para poder entrar na casa dos pobres e na assembléia das elites. No Teatro Municipal, o Papa deu uma aula concisa em torno dos seguintes apontamentos:
- O cristianismo une transcendência e encarnação. Por conseguinte procura unir e revitalizar o pensamento e a vida, e dar à racionalidade científica e técnica um "vínculo moral”.
- A vida nos cobra responsabilidade social que assumimos pela política. Por conseguinte precisamos "reabilitar a política, que é uma das formas mais altas da caridade”.
- A política deve evitar o elitismo da democracia representativa, muitas vezes fechada no mero equilíbrio de representação de interesses; deve incentivar "cada vez mais e melhor a participação das pessoas” com a finalidade de assegurar a todos "dignidade, fraternidade e solidariedade”.
- Participação e diálogo entre as diversas riquezas culturais fazem crescer o país. A única maneira para fazer avançar a vida dos povos é o diálogo e a cultura do encontro. Nesse diálogo, "todos têm algo de bom para dar, e todos podem receber em troca algo de bom”. Esse diálogo exige "humildade social” que abre mão de exigências hegemônicas culturais e sociais.
- As "grandes tradições religiosas” podem desempenhar um papel fundamental para a convivência harmoniosa de uma nação, já que a laicidade do Estado garante sua convivência pacífica.
O discurso do Papa Francisco tinha três recados para a própria Igreja:
- Quando estais percorrendo o mundo, não espantem as pessoas com um discurso identitário sobre sua catolicidade. Francisco não falou nenhuma vez em toda a sua passagem por Brasil da superioridade católica.
- Não se orgulhem de viver fora da política! Precisamos reabilitar, na Igreja, a política – nem politicagem nem política partidária – como uma das formas mais altas da caridade. Não basta ser bom e pobre. Precisamos ser politicamente instruídos, destemidos, proféticos, bons e pobres.
- A Igreja é grata ao Estado por sua laicidade que é um pressuposto da convivência pacífica entre as religiões.
Lacunas no discurso do Papa Francisco? Sempre haverá lacunas. Quero lembrar apenas uma. Porque o Papa argentino só falou das "grandes tradições religiosas”. A religião dos Guaraní e Mapuche, dos Quéchua e dos Astecas não teriam também um papel fundamental para a convivência harmoniosa de uma nação? Temos que pedir a Francisco para completar a obra de Anchieta que poderia ser o milagre que até hoje falta para a sua canonização. O sumak kawsay, o bem viver do mundo andino, não representa um papel fundamental para repensar as democracias elitistas e o desenvolvimento destrutivo do nosso continente?
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