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sexta-feira, 1 de junho de 2012

A Igreja Católica está se reduzindo a uma seita?

Quarta, 30 de maio de 2012
Se a hierarquia continuar nesse caminho de privação de direitos em massa, o resultado não será uma Igreja menor e mais fiel, mas sim uma seita isolada e contracultural.
A análise é de Jamie L. Manson, teóloga católica e mestre em teologia pela Yale Divinity School. Suas colunas no jornal National Catholic Reporter - NCR - renderam-lhe um prêmio da Catholic Press Association por melhor coluna/comentário regular em 2010. O artigo foi publicado no sítio do jornal NCR, 24-05-2012.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.


Muito tem se falado nos últimos meses sobre um anúncio publicado no The New York Times (imagem abaixo) encorajando católicos liberais e nominais a "sair da Igreja", porque ela nunca poderá ser mudada a partir de dentro e porque participar dela é colaborar com o seu sistema opressivo.
O anúncio foi pago por uma organização chamada Freedom from Religion Foundation. Mas, quanto mais eu reflito sobre o anúncio e sobre o comportamento da nossa hierarquia ultimamente, há uma parte de mim que não ficaria surpresa se ficássemos sabendo que o próprio Vaticano secretamente pagou pelo anúncio.
Com os seus ataques contra o casamento homossexual, a batalha contra a prestação de cuidados de saúde adequados às mulheres, o golpe hostil contra a LCWR [Leadership Conference of Women Religious] e a inquisição contra as meninas escoteiras, a hierarquia continua se apresentando como um embaraçoso espetáculo midiático em uma sociedade que há muito tempo se recusa a aceitar o ensino sobre o controle de natalidade, que acredita na igualdade das mulheres e que, cada vez mais, apoia o casamento homossexual.
Mesmo aqueles que não são afetados diretamente por essas batalhas ideológicas acham odioso o fato de que a hierarquia prefere gastar uma quantidade preciosa de dinheiro e de recursos em ações judiciais contra o governo Obama e em bizarras novas campanhas como a Fortnight for Freedom [período de oração e reflexão sobre a liberdade religiosa proposto pela Conferência dos Bispos dos EUA para os dias 21 de junho a 4 de julho].

Os líderes da Igreja parecem obcecados por privar de seus direitos o maior número de leigos possível.

A pergunta é: por quê? Por que a hierarquia está agindo como a nova chefe que, para se livrar da equipe que herdou, torna tudo o mais desconfortável possível para que não permaneçam na organização? As lideranças da Igreja tomaram uma decisão por reduzir seu tamanho? Será que ele perceberam que os 2,2 bilhões de dólares em acordos em torno dos abusos sexuais e o número rapidamente decrescente de padres nos Estados Unidos tornou a Igreja incapaz de prover as necessidades dos 72 milhões de católicos?
Talvez, todas essas batalhas ideológicas – que, dizem, estão fundamentadas no desejo do Papa Bento XVI de uma Igreja menor e mais fiel – tenham realmente tudo a ver com dinheiro, ou com a falta dele. Mais de um comentarista sugeriu que o fim da repressão contra a LCWR poderia estar na recaptura de propriedades, bens e reservas de pensão das comunidades religiosas.
Infelizmente, se a hierarquia continuar nesse caminho de privação de direitos em massa, o resultado não será uma Igreja menor e mais fiel, mas sim uma seita isolada e contracultural.

Em seu livro The Sacred Quest, os estudiosos Lawrence Cunningham e John Kelsay descrevem as características de uma Igreja e de uma seita. Eles contam com o trabalho pioneiro do estudioso alemão Ernst Troeltsch - o primeiro a fazer essa distinção com base em suas observações na Europa -, do início do século XX, quando comunidades religiosas como a Igreja da Inglaterra estavam em contraste com grupos dissidentes, como os quakers, cujas crenças religiosas os excluíram da cultura dominante de seu país.
Cunningham e Kelsay definem uma igreja como "uma comunidade religiosa de alguma posição social que convida todos os membros de uma sociedade a participar de suas atividades, tem uma participação no bem-estar da comunidade social, e afirma ser o guardião da verdade religiosa".
Uma seita, por outro lado, "tende a exigir mais da conformidade em seus membros, é exclusiva, distancia-se das preocupações da sociedade em geral e também afirma ser a portadora da verdade religiosa." Seitas são "exclusivistas, introspectivas e têm algumas tensões com a cultura dominante". Exemplos atuais de seitas seriam os Amish ou os judeus hassídicos.
Enquanto a hierarquia e seus devotos gastam todo o seu tempo e energia exilando os "dissidentes" na Igreja, são eles que estão se tornando dissidentes na sociedade. O chamado de Bento XVI para a obediência radical e a recusa de questionamentos soa mais como a demanda absoluta de uma seita para o conformismo do que o chamado para uma igreja universal.
A recusa da hierarquia em reconhecer a necessidade crucial de contracepção global, bem como um sacerdócio que inclua mulheres e pessoas casadas, é um sinal claro de seu isolamento contínuo com relação às preocupações da sociedade.
Alguns na hierarquia e muitos dos que estão no movimento neoconservador até já se voltaram para a noção pré-Vaticano II de que a salvação só pode vir através da Igreja Católica Romana.
Até mesmo os trajes a Igreja Católica estão se tornando sectaristas. Jovens seminaristas e recém-ordenados tornaram-se notórios por arrastar para fora dos armários da Igreja túnicas amarradas como saias, pluviais e manípulos repletos de traças. E qual leitor do NCR pode se esquecer do galero do cardeal Raymond Burke (foto à esquerda), ou da exibição da capa magna de 20 metros de comprimento do bispo Edward Slattery James na Basílica do Santuário Nacional da Imaculada Conceição (foto à direita)?
Quem pode ficar feliz e em paz na Igreja institucional, exceto aqueles que possuem pontos de vista extremistas e contraculturais? Claro, alguém pode argumentar que o próprio Jesus foi considerado extremista e contracultural em seu tempo.
Mas aqui está a diferença: Jesus não tinha medo do mundo.
Jesus nunca permitiu obediência absoluta à lei para trunfar as necessidades pastorais da das pessoas diante dele. Ele desafiou o ritual religioso em prol da cura do sofrimento. Ele chamou todos - coletores de impostos, homens ricos, mulheres, bêbados, prostitutas - para a sua mesa, sem exigir nenhum teste de fidelidade ou confissões.
A Igreja Católica Romana está se tornando rapidamente um refúgio para aqueles que têm medo do mundo. A Igreja que, há 50 anos, chamou a si mesma para imergir no mundo moderno está, em vez de encolhendo, recusando-se a se envolver de uma forma significativa e pastoral com as lutas e necessidades humanas de hoje.
A hierarquia está tão arraigada em ideologias que esqueceu que existem complexas histórias humanas por trás de questões como a contracepção, a ordenação de mulheres e o casamento homossexual. Não é à toa que eles têm tanto medo de mulheres religiosas - que construíram uma Igreja de integridade e credibilidade moral por imersão na realidade da vida humana e pela coragem de se comprometer com um mundo cheio de sofrimento, fissura, imprevisibilidade e paradoxo.
Ao invés de permitir que o ministério da Igreja cresça e evolua com a comunidade humana, a hierarquia parece estar escolhendo o caminho de um grupo religioso dissidente. Ao fazer isso, eles estão abandonando, de bom grado, aqueles que esforçaram-se por décadas para permanecer fiéis à Igreja, mesmo através da desgraça dos abusos sexuais e da rescisão gradual das promessas do Concílio Vaticano II.
E quando essa geração de fiéis morrer, quem entre as novas gerações irá achar vida e sentido nesta Igreja-seita? Aqueles que querem fugir de um mundo em fluxo, com sofrimento, incerteza e luta pela igualdade? Aqueles que querem se recolher em um enclave fundamentalista onde homens europeus e patriarcais afirmam ter a verdade absoluta e inquestionável sobre Deus e sobre o nosso mundo?
Talvez seja uma Igreja mais fraca do que a hierarquia e seus devotos acham que querem. Talvez isso é tudo o que as lideranças sê veem realisticamente capazes de pagar. Quaisquer que sejam as motivações, se eles continuarem nesse caminho, terão que aceitar que deixarão de ser uma Igreja no mundo moderno e, ao contrário, se transformarão em uma seita exclusivista e isolada.


http://www.ihu.unisinos.br/noticias/509959-a-igreja-catolica-esta-se-reduzindo-a-uma-seita

quarta-feira, 30 de maio de 2012

''O Vaticano continua sendo uma corte medieval''. Entrevista com Hans Küng

Terça, 29 de maio de 2012
"É uma situação muito grave e dolorosa e, como dizemos em alemão, faltam cinco minutos para a meia-noite: o tempo máximo ainda não terminou para salvar a Igreja e a Fé do sistema da Cúria Romana". O professor Hans Küng, talvez o teólogo mais rebelde do nosso tempo, foi, em sua juventude, amigo e companheiro de estudos de Bento XVI. Aqui, ele analisa o escândalo do Vaticano.
A reportagem é de Andrea Tarquini, publicada no jornal La Repubblica, 28-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Professor Küng, o quão grave é, segundo o senhor, a situação criada no Vaticano com o escândalo do vazamento de notícias?

É triste quando, justamente coincidindo com a festa do Espírito Santo, ficamos sabendo, no Vaticano, de tantos eventos e comportamentos ocorridos lá, que na verdade não são exatamente algo santo nem sagrado. Os escândalos relacionados ao vazamento de notícias confidenciais por obra do ajudante de quarto, as questões que atingiram o banco IOR e também, ao mesmo tempo, a intenção aparente do Papa Bento XVI de ir rumo à reconciliação com a Fraternidade de São Pio X [os seguidores ultraconservadores de Dom Lefebvre], em minha opinião, tudo isso, infelizmente, é um conjunto de eventos, escolhas, tendências que fazem parte de um todo. Não são casos isolados uns dos outros.

E que opinião o senhor amadureceu dessa situação, que o senhor descreve justamente como uma coincidência de eventos relacionados uns aos outros?
Todos esses eventos parecem ser sintomas da crise de um sistema inteiro em seu conjunto. Eu falo do sistema da Cúria Romana, do sistema romano, de cujas características negativas toda a Igreja Católica sofre, no mundo inteiro. E, naturalmente, esses eventos contemporâneos dão a impressão de uma incapacidade papal. De um pontífice incapaz. A respeito disso, recém escrevi um livro, Salviamo la Chiesa, que está para ser lançado na Itália. O que me preocupa é aprofundar a problemática da indispensável reforma da Igreja.

O senhor também entrevê, como pano de fundo, um problema pessoal para Bento XVI?
Seguramente sim. Há também isso. Ele dedica horas e horas, todos os dias, à escrita de livros, em vez de governar a Igreja. E, nas fileiras da Cúria, está difundida a opinião de que ele não governa. Se queria escrever livros, o melhor era ter permanecido como um grande professor e teórico.

Por que o senhor fala ao mesmo tempo de crise estrutural, de sistema?
Porque a estrutura e a organização da Cúria Romana busca facilmente, mas em vão, nos enganar, esconder o fato-chave: que o Vaticano, em seu núcleo, continua sendo, ainda hoje, uma Corte. Uma Corte em cuja cúpula ainda se senta um reinante absoluto, com trajes e ritos medievais, barrocos e às vezes modernos e tradições cristalizadas, costumes. No seu coração, o Vaticano continua sendo uma sociedade de Corte, dominada e marcada pelo celibato masculino, que se governa com um código próprio de etiquetas e atmosferas. E, quanto mais você se aproxima do príncipe reinante subindo na carreira eclesiástica, menos valem ou contam, na primeira linha, a sua competência, a sua força de caráter, as suas capacidades e talentos, mas conta, ao contrário, que você tem um caráter maleável, com uma capacidade de se adaptar sobretudo aos desejos do reinante. É só ele, o reinante, estabelece se você é persona grata ou, ao invés, persona non grata.

E, mais especificamente, os problemas do Banco Vaticano?
O Vaticano vive em grande parte de doações dos fiéis, das receitas das dioceses. E ele administra bilhões de euros de economias de instituições eclesiásticas, de ordens e de dioceses de todo o mundo, e coloca os lucros à disposição do papa. O que foi pedido ao Kremlin pode ser pedido também ao Vaticano: primeiro, a glasnost, isto é, transparência. O Vaticano deveria se preocupar, em primeiro lugar, com a transparência dos negócios financeiros perante a opinião pública. E, segundo, a perestroika, reconstrução, reestruturação. O Vaticano deveria reestruturar as suas finanças e reorientar os fins da sua política financeira. E, por fim mas não por último, a reconciliação com a ordem de Pio X. O papa acolheria definitivamente na Igreja bispos e sacerdotes cuja consagração não é válida. Com base na Constituição Apostólica de Paulo VI Pontificalis romani recognitio, do dia 18 de julho de 1968, as ordenações sacerdotais e episcopais realizadas por Lefebvre são não só ilícitas, mas também nulas. Em vez de se reconciliar com essa irmandade ultraconservadora, antidemocrática e antissemita, o papa deveria se preocupar com a maioria dos católicos que está pronta para as reformas e com a reconciliação com todas as Igrejas reformadas e com todo o âmbito ecumênico. Assim, ele uniria ao invés de dividir.

De acordo com uma análise tão pessimista, não é tarde para salvar esse pontificado e a credibilidade do Vaticano?
Faltam apenas cinco minutos para a meia-noite, mas ainda não bateu a meia-noite. Um único ato construtivo de reformas lançado por esse papa ajudaria a restabelecer a confiança. Eu espero que o meu ex-colega Joseph Ratzinger não fique na História da Igreja como um papa que não fez nada pela reformar a Igreja.

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/509961-o-vaticano-continua-sendo-uma-corte-medieval-e-ratzinger-nao-tem-mais-a-forca-para-governa-la-entrevista-com-hans-kueng


quinta-feira, 24 de maio de 2012

O Papa está provocando desobediência (por Hans Küng)

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Reinaram descontentamento e frustração gerais no Katholikentag (o Encontro bi-anual dos católicos alemães), realizado em Mannheim, por conta da morosidade no encaminhamento das reformas intra-eclesiais, seja com relação ao âmbito oficial, seja em relação ao âmbito alternativo. Em acintoso contraste com isto, o Papa Bento XVI está claramente preparando a reconciliação definitiva entre a Igreja Católica e a tradicionalista Fraternidade São Pio X, com seus bispos e sacerdotes. Reincorporação que está por realizar-se, também por meio de artifícios canônicos, mesmo que a Fraternidade São Pio X continue a rejeitar os textos fundantes do Concílio Vaticano II. O Papa deveria ser fortemente advertido quanto a tudo isto, e os bispos não deveriam ser os últimos a fazê-lo, porque 1. O Papa estaria acolhendo definitivamente na Igreja também a bispos e padres invalidamente ordenados. De acordo com a Constituição Apostólica do Papa Paulo VI, intitulada Pontificalis Romani recognitio, de 18 de Julho de 1968, as ordenações de bispos e de padres, empreendida pelo Arcebispo Lefebvre, eram, não só ilícitas, mas também inválidas. Esta é também a visão sustentada por Karl Josef Becker S.J, um membro de referência da “Comissão de Reconciliação”, e atual Cardeal, entre outros. 2. Com essa decisão escandalosa, o Papa Bento, em sua postura já bastante desconcertante, afasta-se ainda mais do Povo de Deus. A doutrina clássica sobre cisma deveria servir-lhe de alerta. Segundo a doutrina, ocorre cisma, se alguém se separa da Igreja, mas também se alguém se separa do corpo da Igreja. “Assim, o Papa também pode tornar-se cismático, se ele não desejar manter a união e a afinidade de todo o corpo da Igreja.” (Fracisco Suarez, teólogo espanhol de referência do século XVI/XVII). 3. De acordo com a mesma doutrina eclesial, um papa cismático perde seu ofício. No mínimo, ele já não pode contar com a obediência. O Papa Bento estaria, assim, promovendo ainda mais o já crescente movimento de “desobediência” à hierarquia que está desobedecendo ao Evangelho. Ele seria o único responsável pela séria fissura que ele assim estaria a promulgar na Igreja. Em vez de buscar reconciliação com a ultra-conservadora Fraternidade São Pio X, antidemocrática e anti-semítica, o Papa deveria, antes, atender aos interesses da maioria dos católicos, e buscar a reconciliação com as Igrejas reformadas e com toda a Cristandade ecumênica. Por esse caminho, ele não estaria a dividir os espíritos. Prof. Dr. Hans Küng 22 de Maio de 2012. (Trad. Alder Júlio F. Calado)

http://kairosnostambemsomosigreja.blogspot.com.br/2012/05/o-papa-esta-provocando-desobediencia.html

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Padres da geração Vaticano II ainda adotam modelo do Concílio, apesar de retrocessos

Com a aproximação das bodas de ouro da abertura do Concílio Vaticano II no dia 11 de outubro de 1962, homens ordenados nos anos do Concílio predominantemente adotam "o espírito do Vaticano II" como uma fonte para suas vidas e ministério mesmo enquanto outros católicos depreciam esse "espírito".
Líoderes servos
Westbrook, Reese e Pettingill são o que os sociólogos que estudam as tendências eclesiais definem como "padres do Vaticano II". Um grande estudo sobre os padres e seus ministérios, com lançamento previsto para abril, define o termo como homens nascidos entre 1943 e 1960.

Encomendada pela National Federation of Priests' Councils e realizada pelo Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado (CARA), com sede em Georgetown, a pesquisa afirma que os padres formados nas imediações doVaticano II tendem a ver o sacerdócio, o ministério e a Igreja de forma diferente em muitos aspectos do que homens mais velhos e mais jovens.

Dentre outras coisas, esses padres do Vaticano II se veem mais como "líderes servos" dentro da comunidade do que como "homens postos à parte" como se viam os "padres pré-Vaticano II" e, mais recentemente, os "padres pós-Vaticano II" e os "padres do milênio".

Os padres do Vaticano II são mais propensos a apoiar o princípio de se consultar com líderes leigos e suas congregações.

Intitulado Same Call, Different Men: The Evolution of the Priesthood since Vatican II [Um mesmo chamado, homens diferentes: A Evolução do sacerdócio desde o Vaticano II], o novo estudo também relata que homens ordenados mais recentemente tendem a enfatizar a ortodoxia da Igreja e se consideram mais felizes no ministério do que os padres do Vaticano II. Eles também sentem o apoio episcopal e papal mais fortemente do que os homens do Vaticano II.

Em um apaixonado artigo de dezembro de 2010 intitulado "Reflexões sobre um aniversário de Bodas de Ouro Sacerdotais", um renomado padre australiano, Eric Hodgens, declarou: "Nós assumimos o Vaticano II no coração. Mudamos de padres chamados e consagrados por Deus para presbíteros chamados e ordenados pela Igreja – o Povo de Deus".

"Nós somos os padres da Gaudium et Spes", escreveu Hodgens, aludindo à constituição pastoral do Concílio sobre a Igreja no mundo moderno, que fornece um quadro teológico chamando a Igreja a se envolver mundialmente em questões que vão da justiça social e da tecnologia à economia e ao ecumenismo.

Padre da Arquidiocese de Melbourne, Hodgens criticou o que ele vê como preocupantes tendências pós-Vaticano IIno ecumenismo, na timidez e condescendência episcopais, na falta de discernimento científico das lideranças eclesiais, em conhecimentos teológicos e bíblicos restritos, na regressão litúrgica mal concebida, na falta de colegialidade, transparência e discussão aberta, e em costumes sexuais, que "estão sendo promovidas para a prateleira superior" das atenções da Igreja.

"As decisões discordantes têm vindo do papa para baixo", escreveu Hodgens. "O celibato sacerdotal, apesar de ser altamente controverso, foi reafirmado por Paulo VI em 1967, sem discussão. Em 1968, a Humanae Vitae foi uma decepção chocante. A maioria de nós nunca a aceitou. Paulo VI começou a nomear bispos opostos ao ethos do Concílio. (...) Toda a tendência foi desmoralizadora".

No entanto, Hodgens também enfatizou o que o estudo do CARA constatou e que as entrevistas do NCR confirmaram: os padres do Vaticano II estão geralmente muito satisfeitos com suas vidas e ministérios, mesmo que não no mesmo nível dos grupos mais velhos e mais jovens.

Hodgens chama o fenômeno de "ser feliz em seu próprio quadrado".

Ordenado em 1969, o padre Gary Lombardi  está feliz em seu "quadrado", na Paróquia São Vicente de Paulo, emPetaluma, Califórnia, mas ele claramente poderia estar mais feliz com o futuro da Igreja.

"De muitas formas, as coisas reverteram ao modelo autoritário, hierárquico e institucional. As coisas vêm muito mais de cima para baixo", explicou. "Tudo parece vir de Roma. Os bispos são nomeados sem muitas consultas com os bispos da região. Há uma espécie de ênfase na ortodoxia e na fidelidade, e no magistério e na lealdade ao Santo Padre, que é a mesma de antes do Concílio".

Houve um retorno à "rigidez" e uma ênfase sobre "pessoas que se enquadram à Igreja, ao invés de a Igreja ministrar às pessoas", disse Lombardi, que chefiou o escritório de educação do clero da Diocese de Santa Rosa por 16 anos. "Às vezes, vejo pessoas boas sofrendo por causa dessa rigidez".

Lombardi lembra ter se debatido nos últimos anos de sua formação no seminário com o fato de "se eu iria servir a Igreja ou se eu iria servir o povo".

"Então, isso me surpreendeu", disse. "A Igreja é o povo de Deus. O Vaticano II fez isso".

Embora dizendo que a Igreja "certamente precisa de uma autoridade de governo", Lombardi destacou que o Vaticano II enfatizou uma Igreja "em contato com as vidas das pessoas" e aberta à "colegialidade e à consulta nas questões da vida e do ensino da Igreja".

"Essa era uma dinâmica fundamental e operativa no Concílio", disse. Isso levou a "uma espécie de maior conforto", em que os pastores como ele podiam "olhar diretamente para as vidas das pessoas" e "ajudar o ensino da Igreja a fazer sentido para elas".

A geração Gaudium et Spes realmente vê mudanças na perspectiva pastoral. Lombardi afirma sinteticamente: "Parece haver um crescente clericalismo por parte do clero mais jovem".

E também com o encorajamento oficial da Igreja, apontou Pettingill. "Parece-me que, em certos documentos, o padre está gradualmente sendo exaltado acima das pessoas a quem ele vai servir – coisas como: só os ordenados são autorizados a limpar os utensílios sagrados, a ênfase no sacerdócio ao ponto de um homem quase ser posto em um pedestal. E isso é perigoso tanto para o sacerdote quanto para o povo, porque somos todos humanos, e é essa humanidade que nos torna capazes de lidar uns com os outros".

Padres versus leigos?

Outros, incluindo o padre Norbert Dlabal , concordam. "A nova geração de padres realmente parece querer manter uma distinção entre o sacerdócio e o laicato", disse Dlabal, pároco daIgreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Goodland,Kansas

O novo estudo do CARA ecoa a sua opinião. Os sacerdotes ordenados mais recentemente "sentem fortemente que (...) há uma clara distinção entre eles e os leigos", escrevem os autores.

Segundo a pesquisa de 2009-2010, mais de dois terços dos padres do milênio – ordenados depois da metade do papado deJoão Paulo II de 1978 a 2005 – concordam "fortemente" com a afirmação: "A ordenação confere ao sacerdote um novo status ou um caráter permanente que lhe torna essencialmente diferentes dos leigos dentro da Igreja", em comparação com os 48% dos padres pré e pós-Vaticano II e dos 36% dos padres do Vaticano II.

Embora Dlabal, ex-diretor vocacional da Diocese de Salina, Kansas, e missionário no Peru por cinco anos, diga que tenta "fazer luz de tudo isso", ele questionou os católicos "impressionados pelas aparências" que concedem "nobreza" a "qualquer clérigo comprometido com se vestir de preto".

"Autenticidade? O que é isso?", perguntou Dlabal, que foi ordenado em 1972. "Maturidade, generosidade, sabedoria, bondade, abnegação, paciência, responsabilidade pessoal, longanimidade, amizade, respeito e amor? O que são essas coisas? Apenas vista uma batina com um colarinho romano e você é um servo fiel, leal, dócil, confiável. Vista uma camisa de outra cor e você é suspeito. Deixe a batina velha no armário e vista uma camisa colorida e você é um traidor".

Ele também observou que "os padres mais jovens realmente não sentem a necessidade de colaborar tão proximamente. Há uma espécie de ideia geral de que eles são os líderes da paróquia e todos os outros podem dançar a sua música".

Evitar o modelo de sacerdócio "líder servo" do Vaticano II em favor de um mais autoritário vai contra tanto o espírito do Vaticano II quanto o Catecismo da Igreja Católica, denuncia o Mons. Ralph Kuehner em reflexões recentes sobre os seus 60 anos de sacerdócio.

O catecismo, disse, "dirige os padres ministeriais para servir o sacerdócio dos leigos: enquanto o sacerdócio comum dos fiéis é exercido no desdobramento da graça batismal (...) o sacerdócio ministerial está a serviço do sacerdócio comum".

Kuehner, um renomado ativista da justiça social da Arquidiocese de Washington, disse temer que "muitos aspectos da nossa Igreja reflitam um monarca ao invés de um servo". Ele contou a história de sua sobrinha de três anos de idade que, quando perguntada sobre uma missa celebrada por um bispo, ela disse ter visto "um rei com um bastão amarelo".

Novas questões

O sacerdote apresentou uma "visão pessoal pelo futuro da Igreja", defendendo o encorajamento do serviço da Igreja por "padres que deixaram o ministério para se casar" e a expansão da ordenação presbiteral para homens casados e mulheres.

Outros padres do Vaticano II também apoiam esse chamado para discutir abertamente o papel das mulheres na Igreja, assim como outras questões, dos católicos gays e lésbicas à ciência da fertilidade.

"Simplesmente dizer que nós não discutimos essas coisas" não funciona, disse Westbrook.

Reese disse: "A Igreja simplesmente não conseguiu descobrir como lidar com um laicato instruído. Ela ainda pensa que tudo o que ela tem a fazer é que os bispos e o Vaticano ajam como pais de filhos adolescentes. Eles pensam que, se eles apenas gritarem um pouco mais alto, as crianças vão se comportar. Eles dizem coisas equivalentes a 'não na minha casa' ou 'você não vai, e deu'. Qualquer pessoa com filhos adolescentes sabe o quanto essa estratégia é bem sucedida".

Ele disse: "O que a Igreja precisa desenvolver é um novo estilo de ensinar o Evangelho que seja compreensível para as pessoas do século XXI. Você não pode simplesmente repetir fórmulas do século XIII".

Pettingill se esforça por isso em suas aulas para católicos leigos que se preparam para o ministério paroquial. "Eu vou fazer tudo o que posso para tornar conhecidas as riquezas do Vaticano II. Supõe-se que a teologia deve ser criativa", disse ele ao NCR. "Por exemplo, no Novo Testamento, cada um dos autores dos Evangelhos reconta e readapta a sua mensagem, cada um com ênfases diferentes, para ir ao encontro das necessidades dos seus ouvintes".

Geralmente, comentou, a "teologia agora parece ser uma exegese dos documentos papais. Gostaria de saber onde está a criatividade. Se não a tivermos, não crescemos".

Westbrook disse ver uma deserção institucional do diálogo. "Eu tive padres que realmente me disseram que a colegialidade deve ser suprimida", afirmou.

"Há pessoas como eu que ainda estão tentando viver no espírito da Gaudium et Spes", disse, "e há pessoas que estão tentando pôr um fim nisso. Do seu ponto de vista, a Igreja estava em uma grande forma e, por razões desconhecidas, até mesmo lunáticas, João XXIII virou tudo de cabeça para baixo. Um certo grupo sente que o velho deve ser restaurado. Sem dúvida. Sem hesitação. A autoridade vai cuidar de tudo".

Um exemplo de uso inadequado da autoridade que veio à tona como um incômodo frequente para os padres doVaticano II é o desenvolvimento e a implementação da nova tradução inglesa do Missal Romano.

Dlabal vê a tradução como um "exemplo de transformar uma questão em uma não questão por algum outro propósito" – e esse propósito é "deixar que a Igreja saiba quem está no comando" e vaporizar a tradução que vem se desenvolvendo desde o Concílio Vaticano II.

Pettingill, que dava aulas de inglês no Ensino Médio como jovem sacerdote, assinalou: "Ninguém perguntou ao povo de Deus se ele gostaria de ter uma nova tradução inglesa. Em segundo lugar, ou talvez isso seja mais uma suspeita, os bispos locais não foram consultados, no sentido de serem questionados se eles sentiam que isso era apropriado nesse momento particular. Em terceiro lugar, se você tem qualquer relação com o ensino do inglês, você percebe que a tradução não é o inglesa. É um inglês latinizado, que é pesado, desajeitado e muito difícil de proclamar".

Desprezo pelo diálogo e menosprezo pela consulta repetidamente atraem a ira dos homens formados e ordenados dentro da curta sombra do Concílio Vaticano II. Durante o Concílio, dizem, a fórmula operacional para buscar a verdade era que o papa trabalhasse em conjunto com o colégio dos bispos.

Eles concordariam com um jovem teólogo consultor do Concílio que escreveu em 1963: "A formulação das leis litúrgicas para as suas próprias regiões é agora, dentro de certos limites, a responsabilidade das várias conferências episcopais. E isso não por delegação da Santa Sé, mas sim em virtude da sua própria autoridade independente".

De acordo com o biógrafo John L. Allen Jr., esse teólogo, o padre Joseph Ratzinger e futuro Papa Bento XVI, também escreveria durante os dias do Concílio: "Para muitas pessoas, hoje, a Igreja se tornou o principal obstáculo para a crença. Eles só conseguem ver nela a luta humana por poder, o espetáculo mesquinho daqueles que, com a sua pretensão de administrar o cristianismo oficial, parecem estar mais no caminho do verdadeiro espírito do cristianismo".

E esse verdadeiro espírito do cristianismo, dirão os padres do Vaticano II, era – e é – brilhantemente iluminado pelo "espírito do Vaticano II".