Quarta, 30 de maio de 2012
Se a hierarquia continuar nesse caminho de privação de direitos em massa, o resultado não será uma Igreja menor e mais fiel, mas sim uma seita isolada e contracultural.
A análise é de Jamie L. Manson, teóloga católica e mestre em teologia pela Yale Divinity School. Suas colunas no jornal National Catholic Reporter - NCR - renderam-lhe um prêmio da Catholic Press Association por melhor coluna/comentário regular em 2010. O artigo foi publicado no sítio do jornal NCR, 24-05-2012.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Muito tem se falado nos últimos meses sobre um anúncio publicado no The New York Times (imagem abaixo) encorajando católicos liberais e nominais a "sair da Igreja", porque ela nunca poderá ser mudada a partir de dentro e porque participar dela é colaborar com o seu sistema opressivo.
O anúncio foi pago por uma organização chamada Freedom from Religion Foundation. Mas, quanto mais eu reflito sobre o anúncio e sobre o comportamento da nossa hierarquia ultimamente, há uma parte de mim que não ficaria surpresa se ficássemos sabendo que o próprio Vaticano secretamente pagou pelo anúncio.
Com os seus ataques contra o casamento homossexual, a batalha contra a prestação de cuidados de saúde adequados às mulheres, o golpe hostil contra a LCWR [Leadership Conference of Women Religious] e a inquisição contra as meninas escoteiras, a hierarquia continua se apresentando como um embaraçoso espetáculo midiático em uma sociedade que há muito tempo se recusa a aceitar o ensino sobre o controle de natalidade, que acredita na igualdade das mulheres e que, cada vez mais, apoia o casamento homossexual.
Mesmo aqueles que não são afetados diretamente por essas batalhas ideológicas acham odioso o fato de que a hierarquia prefere gastar uma quantidade preciosa de dinheiro e de recursos em ações judiciais contra o governo Obama e em bizarras novas campanhas como a Fortnight for Freedom [período de oração e reflexão sobre a liberdade religiosa proposto pela Conferência dos Bispos dos EUA para os dias 21 de junho a 4 de julho].
Os líderes da Igreja parecem obcecados por privar de seus direitos o maior número de leigos possível.
A pergunta é: por quê? Por que a hierarquia está agindo como a nova chefe que, para se livrar da equipe que herdou, torna tudo o mais desconfortável possível para que não permaneçam na organização? As lideranças da Igreja tomaram uma decisão por reduzir seu tamanho? Será que ele perceberam que os 2,2 bilhões de dólares em acordos em torno dos abusos sexuais e o número rapidamente decrescente de padres nos Estados Unidos tornou a Igreja incapaz de prover as necessidades dos 72 milhões de católicos?
Talvez, todas essas batalhas ideológicas – que, dizem, estão fundamentadas no desejo do Papa Bento XVI de uma Igreja menor e mais fiel – tenham realmente tudo a ver com dinheiro, ou com a falta dele. Mais de um comentarista sugeriu que o fim da repressão contra a LCWR poderia estar na recaptura de propriedades, bens e reservas de pensão das comunidades religiosas.
Infelizmente, se a hierarquia continuar nesse caminho de privação de direitos em massa, o resultado não será uma Igreja menor e mais fiel, mas sim uma seita isolada e contracultural.
Em seu livro The Sacred Quest, os estudiosos Lawrence Cunningham e John Kelsay descrevem as características de uma Igreja e de uma seita. Eles contam com o trabalho pioneiro do estudioso alemão Ernst Troeltsch - o primeiro a fazer essa distinção com base em suas observações na Europa -, do início do século XX, quando comunidades religiosas como a Igreja da Inglaterra estavam em contraste com grupos dissidentes, como os quakers, cujas crenças religiosas os excluíram da cultura dominante de seu país.
Cunningham e Kelsay definem uma igreja como "uma comunidade religiosa de alguma posição social que convida todos os membros de uma sociedade a participar de suas atividades, tem uma participação no bem-estar da comunidade social, e afirma ser o guardião da verdade religiosa".
Uma seita, por outro lado, "tende a exigir mais da conformidade em seus membros, é exclusiva, distancia-se das preocupações da sociedade em geral e também afirma ser a portadora da verdade religiosa." Seitas são "exclusivistas, introspectivas e têm algumas tensões com a cultura dominante". Exemplos atuais de seitas seriam os Amish ou os judeus hassídicos.
Enquanto a hierarquia e seus devotos gastam todo o seu tempo e energia exilando os "dissidentes" na Igreja, são eles que estão se tornando dissidentes na sociedade. O chamado de Bento XVI para a obediência radical e a recusa de questionamentos soa mais como a demanda absoluta de uma seita para o conformismo do que o chamado para uma igreja universal.
A recusa da hierarquia em reconhecer a necessidade crucial de contracepção global, bem como um sacerdócio que inclua mulheres e pessoas casadas, é um sinal claro de seu isolamento contínuo com relação às preocupações da sociedade.
Alguns na hierarquia e muitos dos que estão no movimento neoconservador até já se voltaram para a noção pré-Vaticano II de que a salvação só pode vir através da Igreja Católica Romana.
Até mesmo os trajes a Igreja Católica estão se tornando sectaristas. Jovens seminaristas e recém-ordenados tornaram-se notórios por arrastar para fora dos armários da Igreja túnicas amarradas como saias, pluviais e manípulos repletos de traças. E qual leitor do NCR pode se esquecer do galero do cardeal Raymond Burke (foto à esquerda), ou da exibição da capa magna de 20 metros de comprimento do bispo Edward Slattery James na Basílica do Santuário Nacional da Imaculada Conceição (foto à direita)?
Quem pode ficar feliz e em paz na Igreja institucional, exceto aqueles que possuem pontos de vista extremistas e contraculturais? Claro, alguém pode argumentar que o próprio Jesus foi considerado extremista e contracultural em seu tempo.
Mas aqui está a diferença: Jesus não tinha medo do mundo.
Jesus nunca permitiu obediência absoluta à lei para trunfar as necessidades pastorais da das pessoas diante dele. Ele desafiou o ritual religioso em prol da cura do sofrimento. Ele chamou todos - coletores de impostos, homens ricos, mulheres, bêbados, prostitutas - para a sua mesa, sem exigir nenhum teste de fidelidade ou confissões.
A Igreja Católica Romana está se tornando rapidamente um refúgio para aqueles que têm medo do mundo. A Igreja que, há 50 anos, chamou a si mesma para imergir no mundo moderno está, em vez de encolhendo, recusando-se a se envolver de uma forma significativa e pastoral com as lutas e necessidades humanas de hoje.
A hierarquia está tão arraigada em ideologias que esqueceu que existem complexas histórias humanas por trás de questões como a contracepção, a ordenação de mulheres e o casamento homossexual. Não é à toa que eles têm tanto medo de mulheres religiosas - que construíram uma Igreja de integridade e credibilidade moral por imersão na realidade da vida humana e pela coragem de se comprometer com um mundo cheio de sofrimento, fissura, imprevisibilidade e paradoxo.
Ao invés de permitir que o ministério da Igreja cresça e evolua com a comunidade humana, a hierarquia parece estar escolhendo o caminho de um grupo religioso dissidente. Ao fazer isso, eles estão abandonando, de bom grado, aqueles que esforçaram-se por décadas para permanecer fiéis à Igreja, mesmo através da desgraça dos abusos sexuais e da rescisão gradual das promessas do Concílio Vaticano II.
E quando essa geração de fiéis morrer, quem entre as novas gerações irá achar vida e sentido nesta Igreja-seita? Aqueles que querem fugir de um mundo em fluxo, com sofrimento, incerteza e luta pela igualdade? Aqueles que querem se recolher em um enclave fundamentalista onde homens europeus e patriarcais afirmam ter a verdade absoluta e inquestionável sobre Deus e sobre o nosso mundo?
Talvez seja uma Igreja mais fraca do que a hierarquia e seus devotos acham que querem. Talvez isso é tudo o que as lideranças sê veem realisticamente capazes de pagar. Quaisquer que sejam as motivações, se eles continuarem nesse caminho, terão que aceitar que deixarão de ser uma Igreja no mundo moderno e, ao contrário, se transformarão em uma seita exclusivista e isolada.
Se a hierarquia continuar nesse caminho de privação de direitos em massa, o resultado não será uma Igreja menor e mais fiel, mas sim uma seita isolada e contracultural.
A análise é de Jamie L. Manson, teóloga católica e mestre em teologia pela Yale Divinity School. Suas colunas no jornal National Catholic Reporter - NCR - renderam-lhe um prêmio da Catholic Press Association por melhor coluna/comentário regular em 2010. O artigo foi publicado no sítio do jornal NCR, 24-05-2012.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Muito tem se falado nos últimos meses sobre um anúncio publicado no The New York Times (imagem abaixo) encorajando católicos liberais e nominais a "sair da Igreja", porque ela nunca poderá ser mudada a partir de dentro e porque participar dela é colaborar com o seu sistema opressivo.
O anúncio foi pago por uma organização chamada Freedom from Religion Foundation. Mas, quanto mais eu reflito sobre o anúncio e sobre o comportamento da nossa hierarquia ultimamente, há uma parte de mim que não ficaria surpresa se ficássemos sabendo que o próprio Vaticano secretamente pagou pelo anúncio.
Com os seus ataques contra o casamento homossexual, a batalha contra a prestação de cuidados de saúde adequados às mulheres, o golpe hostil contra a LCWR [Leadership Conference of Women Religious] e a inquisição contra as meninas escoteiras, a hierarquia continua se apresentando como um embaraçoso espetáculo midiático em uma sociedade que há muito tempo se recusa a aceitar o ensino sobre o controle de natalidade, que acredita na igualdade das mulheres e que, cada vez mais, apoia o casamento homossexual.
Mesmo aqueles que não são afetados diretamente por essas batalhas ideológicas acham odioso o fato de que a hierarquia prefere gastar uma quantidade preciosa de dinheiro e de recursos em ações judiciais contra o governo Obama e em bizarras novas campanhas como a Fortnight for Freedom [período de oração e reflexão sobre a liberdade religiosa proposto pela Conferência dos Bispos dos EUA para os dias 21 de junho a 4 de julho].
Os líderes da Igreja parecem obcecados por privar de seus direitos o maior número de leigos possível.
A pergunta é: por quê? Por que a hierarquia está agindo como a nova chefe que, para se livrar da equipe que herdou, torna tudo o mais desconfortável possível para que não permaneçam na organização? As lideranças da Igreja tomaram uma decisão por reduzir seu tamanho? Será que ele perceberam que os 2,2 bilhões de dólares em acordos em torno dos abusos sexuais e o número rapidamente decrescente de padres nos Estados Unidos tornou a Igreja incapaz de prover as necessidades dos 72 milhões de católicos?
Talvez, todas essas batalhas ideológicas – que, dizem, estão fundamentadas no desejo do Papa Bento XVI de uma Igreja menor e mais fiel – tenham realmente tudo a ver com dinheiro, ou com a falta dele. Mais de um comentarista sugeriu que o fim da repressão contra a LCWR poderia estar na recaptura de propriedades, bens e reservas de pensão das comunidades religiosas.
Infelizmente, se a hierarquia continuar nesse caminho de privação de direitos em massa, o resultado não será uma Igreja menor e mais fiel, mas sim uma seita isolada e contracultural.
Em seu livro The Sacred Quest, os estudiosos Lawrence Cunningham e John Kelsay descrevem as características de uma Igreja e de uma seita. Eles contam com o trabalho pioneiro do estudioso alemão Ernst Troeltsch - o primeiro a fazer essa distinção com base em suas observações na Europa -, do início do século XX, quando comunidades religiosas como a Igreja da Inglaterra estavam em contraste com grupos dissidentes, como os quakers, cujas crenças religiosas os excluíram da cultura dominante de seu país.
Cunningham e Kelsay definem uma igreja como "uma comunidade religiosa de alguma posição social que convida todos os membros de uma sociedade a participar de suas atividades, tem uma participação no bem-estar da comunidade social, e afirma ser o guardião da verdade religiosa".
Uma seita, por outro lado, "tende a exigir mais da conformidade em seus membros, é exclusiva, distancia-se das preocupações da sociedade em geral e também afirma ser a portadora da verdade religiosa." Seitas são "exclusivistas, introspectivas e têm algumas tensões com a cultura dominante". Exemplos atuais de seitas seriam os Amish ou os judeus hassídicos.
Enquanto a hierarquia e seus devotos gastam todo o seu tempo e energia exilando os "dissidentes" na Igreja, são eles que estão se tornando dissidentes na sociedade. O chamado de Bento XVI para a obediência radical e a recusa de questionamentos soa mais como a demanda absoluta de uma seita para o conformismo do que o chamado para uma igreja universal.
A recusa da hierarquia em reconhecer a necessidade crucial de contracepção global, bem como um sacerdócio que inclua mulheres e pessoas casadas, é um sinal claro de seu isolamento contínuo com relação às preocupações da sociedade.
Alguns na hierarquia e muitos dos que estão no movimento neoconservador até já se voltaram para a noção pré-Vaticano II de que a salvação só pode vir através da Igreja Católica Romana.
Até mesmo os trajes a Igreja Católica estão se tornando sectaristas. Jovens seminaristas e recém-ordenados tornaram-se notórios por arrastar para fora dos armários da Igreja túnicas amarradas como saias, pluviais e manípulos repletos de traças. E qual leitor do NCR pode se esquecer do galero do cardeal Raymond Burke (foto à esquerda), ou da exibição da capa magna de 20 metros de comprimento do bispo Edward Slattery James na Basílica do Santuário Nacional da Imaculada Conceição (foto à direita)?
Quem pode ficar feliz e em paz na Igreja institucional, exceto aqueles que possuem pontos de vista extremistas e contraculturais? Claro, alguém pode argumentar que o próprio Jesus foi considerado extremista e contracultural em seu tempo.
Mas aqui está a diferença: Jesus não tinha medo do mundo.
Jesus nunca permitiu obediência absoluta à lei para trunfar as necessidades pastorais da das pessoas diante dele. Ele desafiou o ritual religioso em prol da cura do sofrimento. Ele chamou todos - coletores de impostos, homens ricos, mulheres, bêbados, prostitutas - para a sua mesa, sem exigir nenhum teste de fidelidade ou confissões.
A Igreja Católica Romana está se tornando rapidamente um refúgio para aqueles que têm medo do mundo. A Igreja que, há 50 anos, chamou a si mesma para imergir no mundo moderno está, em vez de encolhendo, recusando-se a se envolver de uma forma significativa e pastoral com as lutas e necessidades humanas de hoje.
A hierarquia está tão arraigada em ideologias que esqueceu que existem complexas histórias humanas por trás de questões como a contracepção, a ordenação de mulheres e o casamento homossexual. Não é à toa que eles têm tanto medo de mulheres religiosas - que construíram uma Igreja de integridade e credibilidade moral por imersão na realidade da vida humana e pela coragem de se comprometer com um mundo cheio de sofrimento, fissura, imprevisibilidade e paradoxo.
Ao invés de permitir que o ministério da Igreja cresça e evolua com a comunidade humana, a hierarquia parece estar escolhendo o caminho de um grupo religioso dissidente. Ao fazer isso, eles estão abandonando, de bom grado, aqueles que esforçaram-se por décadas para permanecer fiéis à Igreja, mesmo através da desgraça dos abusos sexuais e da rescisão gradual das promessas do Concílio Vaticano II.
E quando essa geração de fiéis morrer, quem entre as novas gerações irá achar vida e sentido nesta Igreja-seita? Aqueles que querem fugir de um mundo em fluxo, com sofrimento, incerteza e luta pela igualdade? Aqueles que querem se recolher em um enclave fundamentalista onde homens europeus e patriarcais afirmam ter a verdade absoluta e inquestionável sobre Deus e sobre o nosso mundo?
Talvez seja uma Igreja mais fraca do que a hierarquia e seus devotos acham que querem. Talvez isso é tudo o que as lideranças sê veem realisticamente capazes de pagar. Quaisquer que sejam as motivações, se eles continuarem nesse caminho, terão que aceitar que deixarão de ser uma Igreja no mundo moderno e, ao contrário, se transformarão em uma seita exclusivista e isolada.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/509959-a-igreja-catolica-esta-se-reduzindo-a-uma-seita
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