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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Confira sabatina do bispo dom Demétrio Valentini

‘Estamos assistindo um refluxo do conservadorismo dentro da Igreja’, diz ele ao Conselho de Leitores Luciano Moura e Wilson Gasino
jornal Diário de S. Paulo - Globo


O bispo dom Demétrio Valentini está em Jales há quase 30 anos e afirma que foi sua opção criar raízes sólidas na cidade que fica a 147 quilômetros de Rio Preto. Dom Demétrio foi presidente da Cáritas Brasileira por 16 anos. Com bagagem de sobra para falar sobre os pilares e polêmicas da Igreja Católica, principalmente, sobre a importância sobre o Concílio Vaticano 2º, o bispo foi contundente ao responder às perguntas dos membros do Conselho de Leitores do BOM DIA. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Edilberto Imbernom - Como o senhor conseguiu participar como “foca” (recém-formado) na reunião do Concílio Vaticano 2º? O senhor já confessou esse pecado para alguém?
Era seminarista e estava em Roma. No dia da reunião do Concílio Vaticano 2º fui cedo para a praça Dom Pedro para ver o desfile de bispos que saíam do Vaticano e entravam na Basílica. Para minha surpresa, o frei Boaventura Kloppenburg era responsável pelos repórteres de língua portuguesa. Não apareceu nenhum jornalista. Ele estava na mão com os ingressos desses jornalistas. Ele me viu passando e reconheceu como brasileiro por causa da faixa verde e amarela na batina. Então, me ofereceu um ingresso da reunião. Tirei a faixa para não ser reconhecido como seminarista e coloquei em um bolso da batina e no outro coloquei a máquina fotográfica. Participei da reunião inteira. Não achei que foi pecado e sim uma graça de Deus.

Marco Antônio Vanzeli: Qual a sua opinião hoje sobre os jovens na Igreja?
É um desafio sem dúvida nenhuma. A Igreja está tentando se entender e, principamente, se aproximar da juventude. Teremos uma oportunidade preciosa em 2013 porque está marcado no Rio de Janeiro o Encontro Mundial da Juventude com o papa. São encontros que o papa João Paulo 2º começou e os jovens mostravam um respeito especial com ele. Estamos pensando em valorizar o encontro no Brasil no sentido de mobilizar a juventude por meio das dioceses. Fizemos um encontro este ano em Jales chamado DNJ (Dia Nacional da Juventude). Reunimos mais de 5 mil jovens. Isso já é um sintoma positivo. Temos esperança que haja uma reaproximação da Igreja com a juventude.

Erina Ferreira: Porque houve um corte na Teologia da Libertação?
O assunto é complexo. Estranhou-se pela primeira vez uma teologia fora dos moldes europeus. Uma igreja tem o direito de ter sua reflexão. Essa reflexão é muito importante para motivar e perceber a consistência dos passos a serem dados. Percebe que quem se incomodou com a teologia foi a Igreja da Europa. O livro da Bíblia que inspirou a Teologia da Libertação foi o Êxodo. É a libertação do Egito. Uma percepção de que a causa humana tem tudo haver com os designos que Deus tem de dignidade humana, de liberdade responsável e de solidariedade. Uma teologia que procurava integrar bem a realidade que o povo estava vivendo à luz do evangelho que projeta uma compreensão diferente e valoriza pessoas. Ela permite que as pessoas se tornem sujeitos da sua própria libertação. Tem todo um conjunto de valores muito importantes que estão aglutinados em torno daquilo que se identificou como Teologia da Libertação.


Ela foi de fato questionada sobre tudo porque usou categorias que são válidas de interpretação da realidade. Alguns dizem que por semelhante a interpretação marxista. Na Europa e sobretudo o papa João Paulo 2º, que tinha vivido com muita intensidade o que foi o comunismo na Europa Ocidental, ficou muito intrigado percebendo certas semelhanças de expressões filosóficas e de interpretações da realidade parecida com a análise marxista. Na verdade, a análise marxista pode nos ajudar a entender os esquemas de dominação que vão sendo montados. Houve o equívoco de achar que a Teologia de Libertação implicava uma concepção e adesão política marxista. O socialismo histórico ajudou para que se alertasse para os perigos da Teologia da Libertação. A teologia da libertação não está morta. Tanto que se celebra agora os 50 anos do Concílio e 40 anos da Teologia da Libertação com o livro do padre Gutierrez. Nos países periféricos é uma teologia que ajuda a levar as pessoas a assumirem uma libertação mais ampla, mais humana e em que as pessoas se sentem protagonista da própria história.

Davi Augusto Leme - Porque os jovens estão fora da Igreja. Com quais argumentos para atraí-los e conservá-los?
Se os jovens estão fora da Igreja é porque precisam de mais espaço dentro dela. Mas não é só de espaço que eles precisam. Existe um desafio para que os jovens assumam o protagonismo fora da Igreja. O protagonismo de ordem política, econômica e profissional. É um desafio não só da Igreja, mas da sociedade. Um dos caminhos evidentes é dar espaço para eles dentro durante a celebração e que também exercem ministérios. Eles precisam de uma dinâmica de reflexão e ação. Precisam ser entendidos na sua maneira de ser e de agir.


Gilberto Scandiuzzi – Até que ponto o Concílio Vaticano 2º é válido? Estamos vivendo ainda as consequências dele? Enfim, a Igreja precisa se atualizar?
Me senti na obrigação de escrever um pequeno livro (Revisitar o Concílio Vaticano 2º). É uma espécie de introdução ao Concílio para recordar o contexto e os movimentos que precederam o Concílio. O Concílio foi uma surpresa que se deu a uma figura de destaque que foi o papa João 23. O Concílio foi convocado por um papa eleito com 77 anos. Em poucos meses ele conseguiu angariar uma simpatia excepcional. Mostrando que ser papa é ser pai. Ele tomou posse no dia 4 de novembro de 1958. No Natal saiu do Vaticano, coisa que há mais de 100 anos não acontecia. Depois que os estados pontifícios foram tomados pela Itália em 1870, sobrou para a Igreja o Vaticano, graças a Deus. Então, ele surpreendeu saindo do Vaticano e foi visitar um hospital de crianças. No dia seguinte foi visitar os presos em Roma. Aí o povo começou a dizer que este era o papa que nós queríamos. E no dia 25 de janeiro de 1959 ele surpreendeu anunciando o Concílio. Aí se desencadeou um processo muito intenso de renovação da Igreja. Esse processo de um lado foi envolvendo todos os setores da Igreja. Foi surpreendente ver como a Igreja se colocou em estado de renovação. Agora, depois de 50 anos vemos o desafio de olharmos e perguntarmos: Será que o Concílio conseguiu atingir os objetivos? Hoje uma maneira clara de interpretar o Concílio é que ele foi generoso nas intenções e tímido nas decisões. Propôs uma decisão muito ampla da Igreja para ir sendo feita aos poucos na esperança que depois o desencadear do processo de renovação pudesse avançar rapidamente. Percebemos que não foi bem assim. Estamos assistindo agora um refluxo do conservadorismo dentro da Igreja e também na sociedade. É um fenômeno de ordem cultural porque as pessoas se sentem mais abaladas e inseguras. Por isso, se agarram mais a tradição. Isso é fácil de entender. Dentro da Igreja teve um grupo que a partir do Concílio nunca aceitou plenamente a renovação da Igreja. Depois do Concílio, em vez de diminuir esse grupo foi se consolidando até que, infelizmente, se separaram da Igreja Católica. Agora, o papa atual fez um gesto de reconciliação possibilitando que eles voltem a rezar a missa em latim. Estamos agora no jubileu do Concílio nos perguntando exatamente como retomar o impulso renovador da Igreja que o Concílio lançou.

José Carlos Sé – O que o senhor tem a falar sobre Igreja Católica e política? Apoia ou não os representantes católicos?
Propomos como critério não que seja de uma religião ou outra. Mas, que tenha capacidade de prestar um bom serviço público. Os critérios devem ser de ordem ética e administrativa. Acho que indicar é um jeito equivocado de encarar a política. A política é uma realidade que envolve a todos. A pior política é quando se diz que não se faz. A aparente neutralidade do bispo ou do padre acaba sendo aprovação de uma determinada linha política. A política é imprescindível e todos são chamados a ter nossa participação.

Jonatam Fantim Jardim – O senhor é contra ou a favor do aborto? Os jovens saíram da Igreja por causa dos casos de pedofilia envolvendo padres?
A vida é o que temos de mais sagrado. Não somos donos dela. A vida é um dom que Deus nos concede. Então, é mais que coerente sermos contra o aborto. Por isso, deveria ter uma política de esclarecimento na juventude e apoio às gestantes. Precisa ter educação sexual nas escolas. Tudo feito com equilibrio e bom senso. Não basta ser contra, é preciso ter uma política de apoio aos familiares da gestante. Quanto aos casos de pedofilia é triste de constatar. É um problema sério de formação e educação nos seminários. Esses desvios e crimes não podem ser escondidos e sim assumidos. É preciso pedir perdão para as pessoas que foram prejudicadas com isso.

Gilberto Scandiuzzi- Em algum momento ou época a igreja analisou a liberação do padre para se casar?
A Igreja tem medo de falar sobre o assunto e perder os poucos padres que têm. Existe uma proposta equilibrada que garante em primeiro lugar a valorização do celibato. Que não se limite o celibato a uma lei, porque é um dom que a igreja assumiu e o levou a essa unção que empenha profundamente uma vida. Mas, ao mesmo tempo possibilita outro exercício do presbiterato de termos padres de um lado celibatários (que seriam até mais valorizados) encumbidos de formar outros padres: os ordenados. Seria proposto que cada comunidade tenha no mínimo três padres ordenados, ou seja, casados. Eles serão padres de comunidades. É uma causa boa que está sendo levada em frente. Vamos ver quanto tempo vai demorar para ser colocada em prática.

Doraci de Oliveira – O senhor não acha que a Igreja deveria ter uma postura mais efetiva a respeito da política?
Seria muito salutar promover uma participação política não só no momento de eleições. De colocar e saber que estado, município e até país que nós queremos. Uma participação mais direta da população. Política todos fazemos, a importância é saber como fazer. Não só no sentido partidário, mas do bem comum. Dessa maneira todos temos a responsabilidade política. O que falta da Igreja é incentivar os católicos a assumir a militância política.

Cleusa Idalgo - A família tem hoje outras formatações como por exemplo formada com filhos de outros casamentos, casais homossexuais e pessoas que moram sozinhas. Como a Igreja age dentro dessas mudanças?
É notório que a família mudou. Antes era família patriarcal. Haviam vínculos envolvendo não só filhos, sobrinhos, primos. Fazia parte de uma espécie de clã que já passou há muito tempo. Existe mudanças evidentes sociológicas. A sociedade tem como normal certas posturas que para a Igreja são estranhas. A Igreja reconhece que o formato da Igreja mudou muito. O importante é cultivar a responsabilidade e valores humanos que são imprescindíveis. A Igreja começa a perceber que uma coisa é propor o que é ideal. Ela não pode deixar de propor por será cobrada.

http://www.diariosp.com.br/noticia/detalhe/8697/Confira+sabatina+do+bispo+dom+Demetrio+Valentini

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