(Com estes textos, fazemos memória de Dom Clemente Isnard, falecido dia 24 de agosto de 2011, em Recife aos 94 anos de Idade)
(+)Dom Clemente Isnard
Quem tem medo da verdade?
Quem quer calar os Profetas?
Quem quer zerar o Concílio Vaticano II
e voltar para a Igreja-Poder e para a centralização vaticana?
(João Tavares)
No dia oito de julho do ano passado (2007), completei noventa anos e, a convite de um grande amigo, pe. José Romero Rodrigues de Freitas, vim a Recife para festejar a data com os amigos daqui.
Celebrei a Missa na Igreja das Fronteiras, onde está bem viva a lembrança de nosso inesquecível Dom Helder Camara, com muitos concelebrantes e mais duas centenas de amigos. No meu sermão terminei, depois de narrar os quatro períodos de minha longa vida, aludindo a um projeto de futuro. Que ousadia era fazer projetos aos noventa anos! E dizia: reatando com a mocidade, lutar pelo Movimento Litúrgico, pelo Concílio Vaticano II, por uma Igreja sem Núncio Apostólico e sem Cúria Romana (entenda-se sem a Cúria Hiperatrofiada de hoje).
Ouviu esse sermão o grande teólogo José Comblin, que me animou a escrever. No segundo semestre de 2007 escrevi um livrinho com o título de “O que o Concílio não fez” e pedi ao padre Comblin para ler antes da publicação e escrever o Prefácio. O que ele fez, sugerindo uma mudança de título para “Reflexões de Um Bispo sobre as Instituições Eclesiásticas”.
Em dezembro de 2007 procurei a Editora Paulus para publicar o livro. Aceitou a incumbência e conversei com muitas pessoas sobre o conteúdo do livro. Em fevereiro fui surpreendido por um telefonema da Paulus dizendo que o livro estava pronto para publicação, mas que não poderiam editar por terem recebido uma proibição do Núncio Apostólico, Dom Lourenzo Baldisseri. Não procurei diálogo com essa autoridade eclesiástica que não me procurou diretamente, mas se dirigiu por cima de minha cabeça à Editora.
No mês de março, estando em Recife, recebi uma atenciosa carta do Regional Leste 1, assinada por todos os bispos do mesmo Regional. Nessa carta pediam que eu não publicasse o livro.
Evidentemente, a opinião unânime dos bispos da região me confundiu, mas não me convenceu. Respondi a cada um dos companheiros uma carta do mesmo teor, em que estranhava que tivessem condenado o livro sem o ter lido (não sei qual dos bispos o teria lido) desprezando a opinião de um teólogo que já publicou mais de 50 obras e que tinha corrigido o livro e redigido o Prefácio, Padre José Comblin. Como sou teimoso, consegui uma editora que se interessou pelo assunto do livro e se ofereceu para publicá-lo.
A Igreja tem um organismo em Roma encarregado de examinar a doutrina dos livros que se publicam no mundo inteiro. Mas o meu livro nada tem contra a doutrina da Igreja. É um livro não de doutrina, mas de disciplina da Igreja que tem variado incessantemente nesses dois mil anos de vida, e ainda recentemente teve um Concílio Ecumênico de Reforma, o Vaticano II.
O Concílio Vaticano II foi elogiado pelo Papa Paulo VI, que o presidiu depois de João XXIII, como um dos maiores e melhores Concílios da História da Igreja pelo número de participantes, pelo número de documentos promulgados, e pela extensão de sua preocupação também com a vida da humanidade. No Concílio eu me habituei com as lutas internas da Igreja, que não terminaram. Há muitas coisas nas Instituições Eclesiásticas que deveriam ter sido corrigidas. Coisas grandes e pequenas. O Concílio fez muito mas não pode fazer tudo. Será que João XXIII teria presidido melhor que Paulo VI ? Agora é preciso abordar os temas que foram tocados pelo Concílio mas não concluídos, para que sejam resolvidos por quem de direito.
São grandes os problemas da Igreja hoje: A nomeação dos Bispos, os Bispos Auxiliares e os Eméritos, o Celibato Sacerdotal e a Exclusão das mulheres do Sacramento da Ordem. Desses cinco assuntos é que trata o livro que será lançado no dia 13, às 19:00hs, na Igreja das Fronteiras em Recife.
Os que se interessarem por esses problemas da Igreja devem procurar companheiros e organizar grupos de estudo, para aprofundamento dos assuntos e procura de soluções.
Dom Clemente Isnard
Bispo Emérito de Nova Friburgo, Rio de Janeiro
Leia a Reportagem e entrevista publicadas pelo Diário de Pernambuco, em 12 de junho de 2008.
Bispo lança livro e desafia leis da Igreja
Por Jailson da Paz, Diário de Pernambuco
Há temas que quase toda pessoa, seja católica ou não, gosta de se posicionar. Alimentar discussões e polêmicas. Entre eles o celibato sacerdotal e o direito das mulheres celebrarem missas. Já o Vaticano costuma tratar os assuntos com certo cuidado. E poucas vozes da Igreja, nas últimas décadas, ousaram contribuir com o debate fora das paredes dos seminários e das cúrias. O bispo emérito da Diocese de Nova Friburgo (Rio de Janeiro), dom Clemente Isnard, resolveu derrubar tais barreiras. Aos 90 anos e reconhecido internacionalmente por seu trabalho no campo litúrgico, ele lança hoje o livro - Reflexões de um bispo sobre as instituições eclesiásticas atuais - que promete jogar lenha na fogueira. E não fala apenas do celibato e das mulheres, trata de um dos pontos quase intocável no Vaticano: a participação dos leigos na escolha dos bispos. Um sinal de reconhecimento ao trabalho feito por dom Helder Camara.
"Fala-se tanto na falta de sacerdotes, nas paróquias sem padres, nos padres que se secularizaram deixando o ministério. E não se pensa nos padres de valor e que se casaram e que poderiam ter continuado no ministério se a Igreja lhes tivesse concedido matrimônio", argumentou o bispo emérito. Dom Isnard encontra justificativa para seu posicionamento na experiência. Foram mais de 30 anos à frente da Diocese Nova Friburgo. E também no conhecimento histórico. Ele lembra que a exigência do celibato apareceu pela primeira vez por volta do ano 300, mas que ainda hoje as igrejas orientais católicas permitem que padres se casem. Segundo o religioso, a multiplicação dos diáconos permanentes é um sinal de que o padre casado seria bem aceito em muitos lugares. Os diáconos são homens casados ou celibatários que podem pregar, mas não estão autorizados a consagrar a hóstia e o vinho.
Dom Isnard recorre ao olhar de pastor para se posicionar em defesa das mulheres. "Em minha longa vida conheci padres incapazes de ser párocos e conheci também religiosas e leigas consagradas com capacidade de dirigir comunidades", testemunhou. Para o monge beneditino, a dispensa do celibato não é uma mudança teológica, mas disciplinar. E sugere a necessidade de se analisar a Bíblia, quando São Paulo afirma que todos - judeu e grego, servo e livre, homem e mulher - são iguais perante Deus. "Esse me parece um poderoso argumento bíblico em favor da ordenação de mulheres", acredita.
As análises do autor se voltam também para a eleição dos bispos. "Em nossos dias o povo não é ouvido na eleição, mas pode se manifestar na hora do enterro", afirma, lembrando que a participação dos leigos nas eleições era comum no primeiro milênio de existência da instituição. Essa a prática foi caindo em desuso com a crescente interferência dos reis. Diante do que viveu e conhece, o bispo emérito defende que o ideal seria voltar ao regime do primeiro milênio, onde bispos, clero e povo participavam das escolhas.
O povo, exemplifica, seria homens e mulheres engajados na Igreja, idosos e jovens, em número que expressasse as duas categorias E conclui, de maneira incisiva que a "descentralização das nomeações episcopais traria um alívio notável para as finanças da Sé Apostólica, uma vez que o pessoa da nunciatura não precisaria ser tão numeroso". Coincidência ou não, dom Isnard contou que uma cópia do seu livro foi entregue ao núncio apostólico no Brasil antes da publicação. E esse teria pedido a Editora Paulus, com quem estava outra cópia do texto, para não publicar o livro.
Ainda sobre os bispos, dom Isnard se pergunta como recuperar um episcopado zeloso, culto e avançado. Ele mesmo responde que na situação atual seria necessário um novo concílio ecumênico para completar o Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965 e responsável por mudanças na Igreja. Uma delas foi permitir a celebração das missas em diversas línguas, acabando com a ditadura do latim. Mesmo apontando o caminho, o bispo emérito acredita que dificilmente haveria mudanças hoje. Isso porque a Cúria Romana prepara e redige tudo.
Leia a Entrevista com D. Clemente Isnard:
'Não nos comportemos como fariseus'.
A dedicação de dom Clemente Isnard à Igreja Católica se aproxima de sete décadas. Nesse tempo, ele assumiu diversas funções. Foi o primeiro bispo de Nova Friburgo, vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), além de ter participado como padre conciliar de todas as etapas do Vaticano II e integrado comissões junto à Santa Sé. O bispo emérito conhece bem os caminhos da Igreja, especialmente no campo litúrgico. Parte desse conhecimento está no livro Viver a liturgia também a ser lançado hoje, no qual reúne uma série de reflexões. Na obra, dom Isnar afirma que, à medida que a idade vai chegando, sente-se mais livre para escrever o que pensa. "Gozando de plena liberdade, posso elogiar ou criticar também autoridades eclesiásticas sem considerar cargos ou pessoas", salienta. Essa firmeza pode ser vista na entrevista abaixo:
Por que escrever sobre temas polêmicos como o celibato e a escolha dos bispos?
- Para dar meu testemunho como bispo para o povo.
E como surgiu a idéia da publicação?
- Depois da missa de meus 90 anos, na Igreja das Fronteiras, no ano passado. Na homilia, falei dos meus sonhos para a Igreja e depois da celebração. O padre José Comblin, da Paraíba, pediu para eu escrever. O livro é o resultado.
O senhor recebeu alguma pressão para não publicar o livro?
- Quando o texto estava pronto, uma cópia foi tirada do meu computador sem minha autorização indo parar nas mãos do núncio apostólico, dom Lourenzo Baldisseri, que pediu a Editora Paulus para não publicar o trabalho. O livro está saindo por outra editora, a Olho d'Água.
Alguma autoridade chegou a pedir diretamente para que o senhor desistisse?
- Todos os bispos do Regional Leste 1, que reúne as dioceses do Rio de Janeiro, fizeram uma carta me pedindo para não publicar o livro. Eles alegavam que os assuntos poderiam ser mal interpretados e isso seria ruim para a Igreja.
Não teme repercussões negativas?
- Meu Deus! Eu acho que a discussão sobre esses temas somente fará bem. A Igreja é santa e pecadora. E a história mostra que as mudanças na Igreja demoram séculos para acontecer. Talvez tenhamos que esperar um milênio, mas temos que ser insistentes. Com o livro, quero apenas conscientizar as pessoas.
E se o Vaticano chamar o senhor como fez com Leonardo Boff nos anos 80?
- Já estou velho, mas vou lá. Repito o que está no livro e outras coisas mais. Tudo farei sob a luz do Evangelho, que pediu para não nos comportarmos como fariseus.
O senhor pensa escrever outros livros desse tipo?
- Sim. E penso em incluir um capítulo que, a princípio, seria publicado nas reflexões atuais, mas retirei por sugestão de um padre que fez análise do livro.
E de que tratava?
- Nesse capítulo, eu abordava a questão dos bispos auxiliares, tendo como fundamento experiências vividas em dioceses brasileiras.
(+)Dom Clemente Isnard
Bispo Emérito de Nova Friburgo, Rio de Janeiro
Adital
Carta de Dom Clemente Isnard sobre as peripécias da publicação do seu livro
Quem tem medo da verdade?
Quem quer calar os Profetas?
Quem quer zerar o Concílio Vaticano II
e voltar para a Igreja-Poder e para a centralização vaticana?
(João Tavares)
No dia oito de julho do ano passado (2007), completei noventa anos e, a convite de um grande amigo, pe. José Romero Rodrigues de Freitas, vim a Recife para festejar a data com os amigos daqui.
Celebrei a Missa na Igreja das Fronteiras, onde está bem viva a lembrança de nosso inesquecível Dom Helder Camara, com muitos concelebrantes e mais duas centenas de amigos. No meu sermão terminei, depois de narrar os quatro períodos de minha longa vida, aludindo a um projeto de futuro. Que ousadia era fazer projetos aos noventa anos! E dizia: reatando com a mocidade, lutar pelo Movimento Litúrgico, pelo Concílio Vaticano II, por uma Igreja sem Núncio Apostólico e sem Cúria Romana (entenda-se sem a Cúria Hiperatrofiada de hoje).
Ouviu esse sermão o grande teólogo José Comblin, que me animou a escrever. No segundo semestre de 2007 escrevi um livrinho com o título de “O que o Concílio não fez” e pedi ao padre Comblin para ler antes da publicação e escrever o Prefácio. O que ele fez, sugerindo uma mudança de título para “Reflexões de Um Bispo sobre as Instituições Eclesiásticas”.
Em dezembro de 2007 procurei a Editora Paulus para publicar o livro. Aceitou a incumbência e conversei com muitas pessoas sobre o conteúdo do livro. Em fevereiro fui surpreendido por um telefonema da Paulus dizendo que o livro estava pronto para publicação, mas que não poderiam editar por terem recebido uma proibição do Núncio Apostólico, Dom Lourenzo Baldisseri. Não procurei diálogo com essa autoridade eclesiástica que não me procurou diretamente, mas se dirigiu por cima de minha cabeça à Editora.
No mês de março, estando em Recife, recebi uma atenciosa carta do Regional Leste 1, assinada por todos os bispos do mesmo Regional. Nessa carta pediam que eu não publicasse o livro.
Evidentemente, a opinião unânime dos bispos da região me confundiu, mas não me convenceu. Respondi a cada um dos companheiros uma carta do mesmo teor, em que estranhava que tivessem condenado o livro sem o ter lido (não sei qual dos bispos o teria lido) desprezando a opinião de um teólogo que já publicou mais de 50 obras e que tinha corrigido o livro e redigido o Prefácio, Padre José Comblin. Como sou teimoso, consegui uma editora que se interessou pelo assunto do livro e se ofereceu para publicá-lo.
A Igreja tem um organismo em Roma encarregado de examinar a doutrina dos livros que se publicam no mundo inteiro. Mas o meu livro nada tem contra a doutrina da Igreja. É um livro não de doutrina, mas de disciplina da Igreja que tem variado incessantemente nesses dois mil anos de vida, e ainda recentemente teve um Concílio Ecumênico de Reforma, o Vaticano II.
O Concílio Vaticano II foi elogiado pelo Papa Paulo VI, que o presidiu depois de João XXIII, como um dos maiores e melhores Concílios da História da Igreja pelo número de participantes, pelo número de documentos promulgados, e pela extensão de sua preocupação também com a vida da humanidade. No Concílio eu me habituei com as lutas internas da Igreja, que não terminaram. Há muitas coisas nas Instituições Eclesiásticas que deveriam ter sido corrigidas. Coisas grandes e pequenas. O Concílio fez muito mas não pode fazer tudo. Será que João XXIII teria presidido melhor que Paulo VI ? Agora é preciso abordar os temas que foram tocados pelo Concílio mas não concluídos, para que sejam resolvidos por quem de direito.
São grandes os problemas da Igreja hoje: A nomeação dos Bispos, os Bispos Auxiliares e os Eméritos, o Celibato Sacerdotal e a Exclusão das mulheres do Sacramento da Ordem. Desses cinco assuntos é que trata o livro que será lançado no dia 13, às 19:00hs, na Igreja das Fronteiras em Recife.
Os que se interessarem por esses problemas da Igreja devem procurar companheiros e organizar grupos de estudo, para aprofundamento dos assuntos e procura de soluções.
Dom Clemente Isnard
Bispo Emérito de Nova Friburgo, Rio de Janeiro
Leia a Reportagem e entrevista publicadas pelo Diário de Pernambuco, em 12 de junho de 2008.
Bispo lança livro e desafia leis da Igreja
Por Jailson da Paz, Diário de Pernambuco
Há temas que quase toda pessoa, seja católica ou não, gosta de se posicionar. Alimentar discussões e polêmicas. Entre eles o celibato sacerdotal e o direito das mulheres celebrarem missas. Já o Vaticano costuma tratar os assuntos com certo cuidado. E poucas vozes da Igreja, nas últimas décadas, ousaram contribuir com o debate fora das paredes dos seminários e das cúrias. O bispo emérito da Diocese de Nova Friburgo (Rio de Janeiro), dom Clemente Isnard, resolveu derrubar tais barreiras. Aos 90 anos e reconhecido internacionalmente por seu trabalho no campo litúrgico, ele lança hoje o livro - Reflexões de um bispo sobre as instituições eclesiásticas atuais - que promete jogar lenha na fogueira. E não fala apenas do celibato e das mulheres, trata de um dos pontos quase intocável no Vaticano: a participação dos leigos na escolha dos bispos. Um sinal de reconhecimento ao trabalho feito por dom Helder Camara.
"Fala-se tanto na falta de sacerdotes, nas paróquias sem padres, nos padres que se secularizaram deixando o ministério. E não se pensa nos padres de valor e que se casaram e que poderiam ter continuado no ministério se a Igreja lhes tivesse concedido matrimônio", argumentou o bispo emérito. Dom Isnard encontra justificativa para seu posicionamento na experiência. Foram mais de 30 anos à frente da Diocese Nova Friburgo. E também no conhecimento histórico. Ele lembra que a exigência do celibato apareceu pela primeira vez por volta do ano 300, mas que ainda hoje as igrejas orientais católicas permitem que padres se casem. Segundo o religioso, a multiplicação dos diáconos permanentes é um sinal de que o padre casado seria bem aceito em muitos lugares. Os diáconos são homens casados ou celibatários que podem pregar, mas não estão autorizados a consagrar a hóstia e o vinho.
Dom Isnard recorre ao olhar de pastor para se posicionar em defesa das mulheres. "Em minha longa vida conheci padres incapazes de ser párocos e conheci também religiosas e leigas consagradas com capacidade de dirigir comunidades", testemunhou. Para o monge beneditino, a dispensa do celibato não é uma mudança teológica, mas disciplinar. E sugere a necessidade de se analisar a Bíblia, quando São Paulo afirma que todos - judeu e grego, servo e livre, homem e mulher - são iguais perante Deus. "Esse me parece um poderoso argumento bíblico em favor da ordenação de mulheres", acredita.
As análises do autor se voltam também para a eleição dos bispos. "Em nossos dias o povo não é ouvido na eleição, mas pode se manifestar na hora do enterro", afirma, lembrando que a participação dos leigos nas eleições era comum no primeiro milênio de existência da instituição. Essa a prática foi caindo em desuso com a crescente interferência dos reis. Diante do que viveu e conhece, o bispo emérito defende que o ideal seria voltar ao regime do primeiro milênio, onde bispos, clero e povo participavam das escolhas.
O povo, exemplifica, seria homens e mulheres engajados na Igreja, idosos e jovens, em número que expressasse as duas categorias E conclui, de maneira incisiva que a "descentralização das nomeações episcopais traria um alívio notável para as finanças da Sé Apostólica, uma vez que o pessoa da nunciatura não precisaria ser tão numeroso". Coincidência ou não, dom Isnard contou que uma cópia do seu livro foi entregue ao núncio apostólico no Brasil antes da publicação. E esse teria pedido a Editora Paulus, com quem estava outra cópia do texto, para não publicar o livro.
Ainda sobre os bispos, dom Isnard se pergunta como recuperar um episcopado zeloso, culto e avançado. Ele mesmo responde que na situação atual seria necessário um novo concílio ecumênico para completar o Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965 e responsável por mudanças na Igreja. Uma delas foi permitir a celebração das missas em diversas línguas, acabando com a ditadura do latim. Mesmo apontando o caminho, o bispo emérito acredita que dificilmente haveria mudanças hoje. Isso porque a Cúria Romana prepara e redige tudo.
Leia a Entrevista com D. Clemente Isnard:
'Não nos comportemos como fariseus'.
A dedicação de dom Clemente Isnard à Igreja Católica se aproxima de sete décadas. Nesse tempo, ele assumiu diversas funções. Foi o primeiro bispo de Nova Friburgo, vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), além de ter participado como padre conciliar de todas as etapas do Vaticano II e integrado comissões junto à Santa Sé. O bispo emérito conhece bem os caminhos da Igreja, especialmente no campo litúrgico. Parte desse conhecimento está no livro Viver a liturgia também a ser lançado hoje, no qual reúne uma série de reflexões. Na obra, dom Isnar afirma que, à medida que a idade vai chegando, sente-se mais livre para escrever o que pensa. "Gozando de plena liberdade, posso elogiar ou criticar também autoridades eclesiásticas sem considerar cargos ou pessoas", salienta. Essa firmeza pode ser vista na entrevista abaixo:
Por que escrever sobre temas polêmicos como o celibato e a escolha dos bispos?
- Para dar meu testemunho como bispo para o povo.
E como surgiu a idéia da publicação?
- Depois da missa de meus 90 anos, na Igreja das Fronteiras, no ano passado. Na homilia, falei dos meus sonhos para a Igreja e depois da celebração. O padre José Comblin, da Paraíba, pediu para eu escrever. O livro é o resultado.
O senhor recebeu alguma pressão para não publicar o livro?
- Quando o texto estava pronto, uma cópia foi tirada do meu computador sem minha autorização indo parar nas mãos do núncio apostólico, dom Lourenzo Baldisseri, que pediu a Editora Paulus para não publicar o trabalho. O livro está saindo por outra editora, a Olho d'Água.
Alguma autoridade chegou a pedir diretamente para que o senhor desistisse?
- Todos os bispos do Regional Leste 1, que reúne as dioceses do Rio de Janeiro, fizeram uma carta me pedindo para não publicar o livro. Eles alegavam que os assuntos poderiam ser mal interpretados e isso seria ruim para a Igreja.
Não teme repercussões negativas?
- Meu Deus! Eu acho que a discussão sobre esses temas somente fará bem. A Igreja é santa e pecadora. E a história mostra que as mudanças na Igreja demoram séculos para acontecer. Talvez tenhamos que esperar um milênio, mas temos que ser insistentes. Com o livro, quero apenas conscientizar as pessoas.
E se o Vaticano chamar o senhor como fez com Leonardo Boff nos anos 80?
- Já estou velho, mas vou lá. Repito o que está no livro e outras coisas mais. Tudo farei sob a luz do Evangelho, que pediu para não nos comportarmos como fariseus.
O senhor pensa escrever outros livros desse tipo?
- Sim. E penso em incluir um capítulo que, a princípio, seria publicado nas reflexões atuais, mas retirei por sugestão de um padre que fez análise do livro.
E de que tratava?
- Nesse capítulo, eu abordava a questão dos bispos auxiliares, tendo como fundamento experiências vividas em dioceses brasileiras.
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