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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Reformas eclesiásticas são insuficientes

José Lisboa Moreira de Oliveira Adital Durante o período entre o anúncio da renúncia de Bento XVI e a eleição do papa Francisco muito se falou sobre a necessidade de uma reforma na Igreja e da Igreja Católica Romana. O assunto continuou mesmo depois da eleição do último papa. Depois o assunto parece ter caído um pouco no esquecimento. Muitas pessoas ficaram empolgadas com certos gestos de Francisco e algumas delas chegaram a pensar que isso seria suficiente para mudar o rosto da Igreja Romana. Porém, o tempo está passando e as mentes pensantes estão se perguntando se já não está na hora do papa ousar um pouco mais e começar a mexer na máquina burocrática eclesiástica. Ninguém discute o valor simbólico de alguns gestos e de algumas declarações do papa Francisco. Sabe-se também que ele precisa agir com muita prudência, pois a aceleração de alguns processos de renovação poderia colocar o sistema eclesiástico em alvoroço e até bloquear qualquer ação ou iniciativa do pontífice. Há mesmo o risco real de uma possível eliminação do papa, como se suspeita que teria acontecido em outras ocasiões com grandes reformadores. Diz a tradição monástica que um grupo de monges beneditinos tentou envenenar São Bento, quando este propôs algumas reformas para a recém-criada ordem monástica. Entende-se, pois, a necessidade da paciência e da prudência em situações como essas. Porém, não é possível realizar profundas transformações na Igreja se não se mexe na paquidermiana máquina burocrática eclesiástica. Se não se toca naquelas estruturas de pecado existentes dentro da Igreja e que foram pensadas e criadas para que as mudanças não aconteçam. Tais estruturas estão relacionadas com vícios como o carreirismo, o nepotismo, as recomendações, a perpetuação de pessoas em determinados cargos, a negligência, a mentira, a hipocrisia, a articulação com o poder civil ultraconservador e assim por diante. Sonhar com mudanças só porque foi eleita para a função de papa uma pessoa simples é pura ilusão, e se algo não for feito o quanto antes a decepção começará a tomar conta das pessoas. Estas considerações mostram que as transformações não virão apenas por conta de uma canetada de um papa. É claro que na atual estrutura burocrática eclesiástica a decisão final será sempre dele. Mas se a comunidade dos "cristãos insatisfeitos” não se mobilizar as coisas continuarão do mesmo jeito e, talvez, por muitas décadas e até séculos. Lembro-me que anos atrás um ilustre teólogo, agora admirador do papa Francisco, disse em um artigo que João Paulo II havia montado um esquema de "retorno à grande disciplina” que iria durar pelo menos um século. Concordo com essa afirmação, pois estou convencido de que se não houver uma mobilização mundial as coisas irão continuar do mesmo jeito. E isso por uma simples razão: a direita católica ultraconservadora, representada hoje pelos grandes movimentos eclesiais internacionais, saberá sempre "domesticar” e desvirtuar as ações do papa Francisco, como mostrei num artigo anterior. As mudanças que esperamos não podem vir apenas do papa. Ele sozinho não dará conta de uma tarefa tão grande. Precisamos nos mobilizar para retomarmos o espírito do Concílio Vaticano II e voltarmos ao Evangelho. Precisamos pensar, refletir e agir para fazer com que a onda de conservadorismo, que invadiu a Igreja nos últimos trinta anos, seja varrida pelos ventos inspiradores do tão sonhado "aggionamento” eclesial que o papa João XXIII tanto queria a cerca de cinquenta anos atrás. E precisamos fazer isso porque o atual conservadorismo eclesiástico se camufla de modernidade. Utilizando a tecnologia e a linguagem moderna, típica das redes sociais e da internet, engana os mais simples e desprovidos de racionalidade crítica. E a mais comum das linguagens utilizadas pelo moderno ultraconservadorismo católico é a emocional, aquela que mexe com a sensibilidade das pessoas. E para se comprovar isso basta entrar nos sites católicos ou assistir a programas de boa parte das redes televisivas ditas católicas. A quase totalidade deles não estimula o pensamento crítico, a reflexão séria, mas alimenta uma religiosidade melosa, intimista, individualista e falsa. No atual contexto eclesial as reformas não bastam. Elas não levarão a nada. Lembro-me muito bem que Regis de Morais, em seu livro Os bispos e a política no Brasil (São Paulo: Cortez, 1982), afirmava categoricamente que "as reformas são maneiras de mudar não mudando” (p. 77). As reformas mexem apenas com a exterioridade, com a aparência, mas deixam o sistema funcionando do mesmo jeito. Elas enganam, dando a impressão de que houve transformações profundas. Porém, quando nos aproximamos da realidade verificamos que tais reformas foram como que uma espécie de verniz aplicado sobre uma madeira podre. Por um tempo houve brilho impressionante, mas depois começam a aparecer as brechas e os buracos feitos pelos cupins que continuaram a roer a madeira, mesmo depois da aplicação da tinta. Regis Morais, na mesma obra (p. 78), nos lembra de que na atual conjuntura é indispensável aruptura, que é o contrário da reforma. A ruptura parte da constatação de que há uma profunda contradição na realidade e que não se pode prosseguir mantendo tal esquizofrenia. Somente a ruptura permite fazer uma avaliação sensata, racional e realista do que está acontecendo e partir para a criatividade e a concretização de uma utopia que não se rende a fantasias e nem a sonhos ilusionistas. Quando nos limitamos a pura reformas, continuamos a manter o sistema. Nós acreditamos que o que já existe é perfeito e que se deve apenas aperfeiçoá-lo, tornando mais adequada e fazendo funcionar melhor a velha estrutura. Assim, por exemplo, troca-se a velha máquina de escrever da secretaria paroquial por um moderno computador ou o folheto dominical por um excelente Datashow, mas a vida da comunidade e a eucaristia dominical continuam do mesmo jeito, entediando as pessoas. Arturo Paoli, há mais de trinta anos, no seu livro Converter-se (São Paulo: Paulinas, 1978), já nos lembrava de que a fé só pode ser conservada se sabemos enfrentar as contradições históricas. Quando o cristianismo se fecha numa atitude apologética, defensiva, obstinada, integrista e agressiva, isso é sinal de que existe falta de fé. A fé é luta, motivação e contestação. "Ou é assim ou não é. Motivação para viver, para fazer esta esfera e todas as galáxias que a cercam girarem. Contestação, isto é, energia capaz de vencer a tendência a sentar-se, a achar bonito e suficiente aquilo que atualmente temos nas mãos” (p. 105). Portanto, quem se senta, achando bonito e suficiente o que o papa Francisco está fazendo, negando a contradição e fechando os olhos para o que aí está, esquece que quando tudo isso esfriar só restará o vazio e a decepção de uma fé estática que não se mobilizou. Terá sido vítima da fé apologética que não se move e nem se mexe. http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=76686

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