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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

‘Santo’ popular na reta final de beatificação

Teologia da Libertação//////// 18.02.2015////// [ El Salvador ]////// Sergio Ferrari//////////// Adital///////////// Sergio Ferrari*///////////////////// Na primeira semana de fevereiro, o Vaticano anunciou a decisão de avançar, rapidamente, na beatificação do bispo salvadorenho Oscar Arnulfo Romero, dinamizando assim um processo interno da igreja iniciado em 1994. Esse anúncio foi interpretado como um sinal a mais do Papa Francisco de aproximação com a Igreja latino-americana comprometida, da qual Monsenhor Romero é uma das suas figuras emblemáticas. Em 24 de março de 1980, Monsenhor Romero foi assassinado quando celebrava uma missa na Capela do Hospital da Divina Providência, na capital de El Salvador. Era o momento da Eucaristia. "Que este Corpo imolado e este Sangue sacrificado pelos homens nos alimente também para dar o nosso corpo e nosso sangue pelo sofrimento e a dor, como Cristo, não para si, mas para dar conceitos de Justiça e de paz ao nosso povo…”. Nesse instante da alocução soou o disparo que atravessou seu coração, decretando a morte instantânea no mesmo altar onde ministrava. Mais de 30 anos depois, foi conhecida a identidade do assassino, um sub-sargento da extinta Guarda Nacional. Marino Samayor Acosta reconheceu que a ordem para o crime foi recebida do major Roberto d’Abuisson, um dos promotores dos esquadrões da morte e depois fundador do partido ARENA (Alianza Republicana Nacionalista) que gobernó el país durante veinte años até 2009. O impacto de matar um bispo "O assassinato de Monsenhor Romero teve uma repercussão enorme, na América Central, na América Latina, na Europa, no mundo inteiro. Não havia precedentes na história contemporênea de um atentado dessa natureza contra um alto prelado, assassinado justamente no momento da consagração”, explica o jornalista Jacques Berset. Berset, que durante anos foi o chefe de redação da Agência de Notícias Internacional Católica, com sede em Friburgo, Suíça, hoje, integra a equipe da Cath-Info. É um fino analista da realidade de El Salvador, país para onde tem realizado várias viagens. A primeira delas, em 1984, a última, em 2014, quando percorreu todas as dioceses do país. Os "dois” Romero O bispo de San Salvador – e vice-presidente da Conferência Episcopal – havia recebido várias ameaças desde o início de1977, quando, aos 60 anos, viveu uma transformação pessoal radical. Até então, se autoclassificava como conservador e não renegava de pertencer a uma linha eclesial tradicional. "Foi sempre um religioso honesto e próximo das pessoas. Contudo, o assassinato, em março de 1977, do sacerdote jesuíta Rutilio Grande, um íntimo amigo e estreito colaborador, operou como detonador de uma mudança profunda em sua postura”, assinala Berset. Rutilio Grande, identificado com a Teologia da Libertação, promovia na Paróquia de Aguilares as comunidades eclesiais de base e a organização dos camponeses da zona. Em apenas três anos, Romero foi assumindo posturas públicas que o levaram a enfrentar cada vez mais o gobierno da época e as forças armadas. "Paradoxicalmente, quando foi nomeado arcebispo de San Salvador, em 03 de fevereiro de 1977, a maioria do clero, com forte inserção na base e compromisso social, não ficou contente com sua nomeação. E foi a oligarquia salvadorenha que festejou sua nomeação”, destaca o jornalista da Cath-ch. Praticamente, em nenhuma homilia desses três últimos anos, faltou uma referência direta à situação política nacional e às vivências sofridas e cotidianas dos setores mais marginalizados, a base da sua igreja. "Lutar pelo reino de Deus…não é comunismo, não é se meter em política. É, simplesmente, o Evangelho que se reclama do homem, do cristião de hoje, mais compromisso com a história” ressaltava Romero em 16 de julho del 1977. Tornando-se porta-voz da defesa dos direitos humanos de sua comunidade. E seu tom foi, dia a dia, aumentando em intensidade. Até denunciar, abertamente, em fevereiro de 1980, a oligarquia, "que defende seus mesquinhos interesses…o controle do investimento, a agro-exportação e o monopólio da terra”. Ou interpelar, nesse mesmo mês, o então presidente dos Estados Unidos da América, James Carter, por sua política agressiva que "agrava a injustiça e a repressão contra o povo organizado”. A voz profética Mas foi, sem dúvida, a homilia do dia anterior ao seu assassinato, em 23 de março de 1980, a que exemplifica o nível de compromisso do prelado, segundo analisa Jacques Berset. Que recorda, textualmente, a ordem episcopal lançada pelo bispo: "Cesse à repressão! Eu quero fazer um chamamento muito especial aos homens do exército e, concretamente, às bases da Guarda Nacional, da polícia, dos quartéis. Irmãos, são do nosso mesmo povo, matam seus próprios irmãos camponeses…Nenhum soldado é obrigado a obedecer uma ordem contra a lei de Deus de "não matar”, exclamava Romero. Um grito profético pela desobediência civil em um momento de intensa guerra civil, que, após mais de uma década, culminaría, em 1992, com os Acordos de Paz de Chapultepec, deixando o terrível saldo de mais de 100 mil mortos, lembra Jacques Berset. Sua transformação de uma postura conservadora para a denúncia do poder político, econômico e militar. A força do seu testemunho e do seu compromisso. Em síntese, seu estilo de vida e a forma brutal da sua morte; a dor não dissimulada de centena de milhares de salvadorenhos e milhões de cristãos latino-americanos, constituem algumas das razões que explicam a notoriedade de Monsenhor Romero, explica Berset. Que destaca, entretanto, como o fato essencial, a "conversão rápida do bispo” que o converteu, ao morrer, em "São Romero das Américas”, segundo a terminologia popular. Um santo da rua a caminho agora da beatificação oficial pelo Vaticano. *Sergio Ferrari, swissinfo.ch em colaboração com E-CHANGER/COMUNDO Monsenhor Romero frente a um espelho "Não tenho medo de morrer, apenas certo temor prudente, mas não um medo que me iniba de trabalhar…Deus está comigo e se algo me acontecer estou disposto a tudo”. Foi uma das respostas premonitórias do bispo salvadorenho aos jornalistas suíços Otto Honegger e Oswald Item, que apenas cinco meses antes do seu assassinato o entrevistaram para realizar um filme documentário que ganharia logo o prêmio Unda Monte Carlo, em 1980. "Não creio que houve uma mudança substancial, mas bem uma evolução”, afirmou Monsenhor Romero, respondendo a outra pergunta que o interpelava sobre sua transformação pessoal. "De acordo com minha vocação, pretendi ser sempre fiel no serviço à Igreja e ao povo…” Para o bispo salvadorenho, sua nova sensibilidade foi produto, fundamentalmente, das circunstâncias violentas do contexto no qual devia atuar. "Quando cheguei ao arcebispado, estavam expulsando sacerdotes…Pouco tempo depois, mataram o padre Rutilio Grande… que não era só um colaborador, mas um exemplo de fidelidade até a morte. O impulso dele, por um lado, e a necessidade de defender uma igreja tão perseguida, até o assassinato de sacerdotes, me impulsionaram a uma pastoral com mais sentido de fortaleza em defesa dos direitos da igrela e do homem”, afirmou o bispo salvadorenho nesse já histórico filme.

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