Sérgio Ricardo Coutinho é mestre em História pela UnB; professor de História da Igreja no Instituto São Boaventura em Brasília; professor de História da Igreja Antiga no Curso de especialização em História do Cristianismo Antigo na UnB; membro da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR) e presidente do Centro de Estudos em História da Igreja na América Latina (Cehila-Brasil).
Terminou no dia 13 último, a 49ª Assembléia Geral da CNBB, realizada este ano em Aparecida (SP), depois de mais de 30 anos em que ela se dava nas dependências dos jesuítas na Vila Kotska, em Itaici (Indaiatuba-SP).
A mudança de local e a proximidade com os devotos de N. S. Aparecida parecem ter mexido com o espírito dos bispos, pois também acabaram por fazer algumas mudanças internas em vista de uma atuação mais missionária da Igreja no Brasil.
Esta Assembléia se concentrou basicamente nas eleições de sua Presidência e das Comissões Episcopais Pastorais, e do estudo e aprovação de novas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (2011-2015).
Diferentemente do clima de tensão que marcou a Assembléia do ano anterior, em Brasília – quando um grupo de bispos, que classifiquei em artigo publicado no IHU do ano passado como de “concentração católica” (D.-H. Leger), exigia uma posição contundente da CNBB contrária ao PNDH3 aprovado pelo governo Lula –, neste ano o cenário era totalmente diferente e aquele grupo se manteve quase que em total silêncio durante toda a reunião. De certa forma, todos aqueles fatos ocorridos na 48ª Assembléia já estavam marcados pelo clima de eleições presidenciais, que culminou com toda a polêmica gerada pela divulgação do panfleto do Regional Sul 1 contrária a candidatura da atual presidente Dilma Rousseff.
Apesar disso, partiu deste grupo de bispos a solicitação de uma nota da presidência da CNBB se posicionando contrária à decisão do STF sobre o reconhecimento de união estável de casais homoafetivos.
Como é de costume, seguindo o método da antiga Ação Católica Especializada, a Assembléia se iniciou com o “ver” a realidade por meio das análises de conjuntura sócio-política e eclesial. Tanto a exposição do Prof. Márcio Porchmann, como do Pe. Mário de França Miranda, respectivamente, teve excelente aceitação entre os bispos e com avaliações de “ótimo” e “bom” em torno de 90% [n.1].
Também se fez um balanço do quadriênio 2007-2011. De forma geral, a atuação da presidência neste período obteve uma alta aprovação (58% “ótimo” e 39% “bom”). Mas quando se analisou alguns de suas ações mais específicas, ficou muito claro que o episcopado brasileiro apoiou mais aquelas que se referiam às suas relações com a Santa Sé (62% “ótimo”) [n.2], caindo bem em relação às de ordem pastoral e administrativa (ambas 47% “ótimo”), e mais baixo ainda quanto às suas relações com os poderes públicos (leia-se aqui Governo federal) e sociedade civil quando alcançou 41% “ótimo” e 49% “bom”. Talvez aqui esteja um dos motivos para os resultados das eleições internas: uma presidência que reconduza a CNBB à uma presença pública mais efetiva.
Por outro lado, foi possível fazer um balanço das opções pastorais do episcopado brasileiro a partir do uso das principais publicações da CNBB nos últimos quatro anos. O documento das “Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora (2008-2010)” – que é a principal referência de animação da ação pastoral da Igreja no Brasil –, por exemplo, foi muito importante nos planejamentos pastorais para apenas 32% dos bispos(!). Já as publicações referentes às questões mais candentes no atual contexto social e político brasileiro, como o Documento-azul nº 91 “Por uma Reforma do Estado com Participação Democrática” e o de Estudos nº 99 “Igreja e Questão Agrária no início do século XXI”, foram considerados altamente relevantes para, respectivamente, 16% e 13% do episcopado(!) [n.3].
Ainda em relação à presença pública da Igreja na sociedade brasileira, três temas foram apresentados nesta 49ª Assembléia que considero-os de suma importância: a proposta de uma 5ª Semana Social Brasileira (apresentação feita por Dom Pedro Luiz Stringhini), os 50 anos do Movimento de Educação de Base (MEB) e um comunicado sobre a atual “Questão Indígena” (feita por Dom Erwin Kräutler).
Na primeira, os bispos que consideraram a proposta excelente alcançaram 29%, já 23% acharam “regular” e “deficiente”. Quanto à atuação do MEB no contexto atual brasileiro, 24% dos bispos o consideram altamente relevante e 29% já o vêem como insuficiente e “desnecessário”. Os números também são muito semelhantes quanto à posição dos bispos sobre a atuação da Igreja na causa indígena. Na verdade, o que estava em avaliação era a própria atuação do CIMI: 23% dos bispos consideram excelente sua atuação, mas, por outro lado, outros 22% acham regular e deficiente.
Mas o tema principal tratado foram as novas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora (DGAE/2011-2015).
O Pe. Joel Portella, um dos peritos da Comissão de redação, chamou a atenção dos bispos para o fato de que estas novas DGAE assumem de modo mais intenso as conclusões da Conferência de Aparecida, até mais do que o documento do quadriênio anterior. Além disso, o texto também assume a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini. Assim, as atuais DGAE estão em continuidade e descontinuidade com as anteriores. Descontinuidade no sentido de que buscam ser de fato Diretrizes, e não Plano de Pastoral; continuidade por manter o espírito de Aparecida.
Este texto foi elaborado dentro de dois conceitos fundamentais presentes no documento de Aparecida: a) mudança de época como questão de atualidade; b) a conversão pastoral como resposta da Igreja. Trabalha-se o primeiro conceito, sobretudo no Cap. 2 das Diretrizes, visando entender as implicações deste fenômeno na ação evangelizadora da Igreja. Além disso, no nº 365 de Aparecida, os bispos orientam para que se abandonem as estruturas ultrapassadas que não mais possibilitam a transmissão da fé hoje.
Desta forma, o novo texto apresenta, nos Capítulos 3 e 4, as 5 (cinco) urgências como critérios da ação evangelizadora e como perspectiva de ação: 1) a Igreja em permanente estado de missão; 2) a Igreja como casa de iniciação à vida cristã; 3) a Igreja como fonte de animação bíblica da pastoral e de toda a vida; 4) a Igreja como comunidade de comunidades; 5) a Igreja a serviço da vida plena para todos. Para a equipe da Comissão redatora, esses cinco pontos estão interligados, fragilizando-se um deles, os demais também se fragilizarão.
Um ponto destacado pelo Pe. Agenor Brighenti, outro perito da Comissão, é que as novas Diretrizes retomam o apelo para uma pastoral da Paróquia como rede de comunidades, setorização da pastoral, além da necessidade de uma diversificação dos ministérios. No final do documento são apresentadas indicações de operacionalização. O atual texto, de certa forma, propõe a volta do planejamento pastoral, esquecido por muitas dioceses nos últimos anos.
Para a implementação deste “plano de governo”, como disse D. Belisário da Silva (arcebispo de São Luís do Maranhão e presidente da Comissão de redação), ou da “central energética da Igreja”, como bem diz D. Celso Queiroz (bispo emérito de Catanduvas-SP e ex-secretário geral e vice-presidente da CNBB), os bispos passaram para as discussões sobre as eleições da presidência da Conferência e das Comissões Episcopais Pastorais.
Antes disso, fizeram um balanço das atribuições e objetivos de cada uma das 10 (dez) Comissões existentes, e votaram favoravelmente pela criação de mais duas: Comissão para a Juventude e Comissão para as Comunicações Sociais. Os bispos presidentes destas Comissões formam, juntamente com os membros da presidência da CNBB, o Conselho Episcopal Pastoral (CONSEP).
O processo de eleição começou com as reuniões dos bispos em cada um dos 17 Regionais. E de lá apresentaram os indicados para cada função na CNBB.
Dom Raymundo Damasceno (cardeal-arcebispo de Aparecida) como presidente, Dom José Belisário da Silva (arcebispo de São Luís) como vice-presidente e D. Leonardo Ulrich Steiner (bispo-prelado de São Félix do Araguaia) na secretaria-geral, revelam a opção de centro-moderado assumida pela CNBB [n.6].
Passando os olhos pelos nomes dos 12 (doze) novos presidentes das Comissões Pastorais, podemos afirmar que apenas um deles estaria mais próximo àquele grupo que nominei como de “concentração católica”. Os demais perfazem um perfil que vão de uma linha moderado-conservadora aos com clara opção por uma “Igreja da libertação”.
Ficaram assim as Comissões Episcopais Pastorais:
Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada: Dom Pedro Britto Guimarães (Palmas-TO);
Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato: Dom Fr. Severino Clasen, OFM (Araçuaí-MG);
Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Missionária e Cooperação Intereclesial: Dom Sérgio Arthur Braschi (Ponta Grossa-PR);
Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética: Dom Jacinto Bergmann (Pelotas-RS);
Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé: Dom Sérgio da Rocha (Teresina-PI);
Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia: Dom Armando Bucciol (Livramento de Nossa Senhora-BA);
Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-Religioso: Dom Francesco Biasin (Pesqueira-PE);
Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz: Dom Guilherme Werlang (Ipameri-GO);
Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura e Educação: Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães (auxiliar de Belo Horizonte-MG);
Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação Social: Dom Dimas Lara Barbosa (Campo Grande-MS) [n.8];
Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e Família: Dom João Carlos Petrini (Camaçari-BA);
Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude: Dom Eduardo Pinheiro da Silva, SDB (auxiliar de Campo Grande-MS) [n.9].
O que estava se desenhando como uma possível guinada do “pêndulo para a direita” – em função dos fatos ocorridos durante a Assembléia anterior, diante das orientações do papa Bento XVI nas visitas Ad limina e das nomeações que aconteceram, ainda no início deste ano, para Salvador e para Dicastérios romanos –, o que podemos perceber é que os bispos, em sua grande maioria, optaram pelo “caminho do meio”.
No entanto, um caminho que faça a retomada da CNBB rumo a uma presença ativa, profética e dialogal com a sociedade brasileira.
Como bem disse o Prof. Márcio Porchmann, ao responder uma pergunta de Dom Tomas Balduíno (bispo emérito de Goiás) [n.10]: “no momento não existe nada que impeça de mudar o curso dos acontecimentos e inovar no sentido de um futuro mais promissor para o país. Não estamos mais submetidos ao regime militar, nem ao FMI. A única coisa que nos impede é o medo de fazer diferente ou o medo de ousar, e nesse sentido a participação da CNBB pode ajudar a mudar esse medo”.
Notas:
1 - Em quase todas as Assembléias este momento é o ponto de partida para as muitas divergências e tensões ao longo do encontro. Os dados percentuais se referem aos resultados de questionários avaliativos aplicados durante a Assembléia Geral. O número de bispos presentes no início da reunião girava em torno de 300.
2 - Como me revelou um importante arcebispo, as relações da Igreja do Brasil com a Cúria Romana “mudaram da água para o vinho”. Segundo ele, depois da viagem do papa Bento XVI ao Brasil por ocasião da canonização de Frei Galvão e da abertura da V Conferência Geral do CELAM em Aparecida, o papa viu que a Igreja do Brasil “não era nada daquilo que pintavam em Roma” e agora existe o maior respeito e cordialidade. Talvez isto explique as muitas nomeações de bispos brasileiros para as atividades e cargos na Cúria romana.
3 - O número de bispos que consideram estes documentos de fraca relevância foram 8% e 14%, respectivamente.
4 - A criação desta Comissão foi uma solicitação dos bispos que acompanham o Setor Juventude nos 17 regionais da CNBB, originalmente vinculado à Comissão do Laicato, em vista de uma maior articulação das “diversas expressões juvenis eclesiais” e também em vista da provável realização da Jornada Mundial da Juventude no Brasil, especificamente no Rio de Janeiro, em 2013. Nossa hipótese é de que esta Comissão dará maior preferência aos chamados “movimentos eclesiais e novas comunidades” em detrimento das Pastorais da Juventude (PJ, PJE, PJMP e PJR).
5 - Esta foi um desmembramento da Comissão de Comunicação, Educação e Cultura.
6 - Tanto D. Belisário quanto D. Leonardo foram membros da Comissão de redação das novas DGAE. Por isso, pode-se pensar que os dois trabalharão pela difusão e implementação mais efetiva delas na vida da Igreja no Brasil nestes próximos quatro anos.
7 - Não houve nenhum reeleito nestas eleições. Portanto, estamos diante de uma Presidência e de um CONSEP completamente renovados. Há uma situação curiosa, que é de Dom Dimas Lara Barbosa que deixou a Secretaria-geral para se tornar o novo presidente da nova Comissão para as Comunicações. Ele é o único que continuará participando das reuniões do CONSEP só que em uma nova função.
8 - Foi anunciado durante a Assembléia, pelo Núncio Apostólico, a nomeação de D. Dimas Barbosa para arcebispo de Campo Grande-MS, deixando de ser bispo auxiliar da arquidiocese do Rio de Janeiro.
9 - Curiosidade: os dois bispos de Campo Grande agora fazem parte do CONSEP (!).
10 - A pergunta foi: “Como segunda maior Conferência Episcopal do Mundo, o que podemos fazer de concreto diante das problemáticas que vemos? Ou apenas devemos assistir a tudo com uma postura inerte?”
As forças progressistas, da Teologia da Libertação, incluindo teólogos/as, pastorais sociais, Cebs, agentes de pastoral, religiosos/as, leigos e leigas, se mobilizaram para participar da Conferencia de Aparecida (2007) - uma des suas ações foi a Tenda dos Mártires, como espaço aberto, celebrativo, por 15 dias, enquanto durou a Conferência. A Tenda dos Mártires foi um alerta à toda Igreja para não esquecer seus mártires, sua caminhada, sua identidade de libertação.
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segunda-feira, 23 de maio de 2011
“A esperança venceu o medo”. Um balanço da 49º Assembleia Geral da CNBB
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