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quinta-feira, 9 de junho de 2011

O Deus em que não creio

Juan Arias

(fonte:Agenda Latino-americana-2011)

Conhecido correspondente do diário El País, o autor escreveu, há mais de 40 anos, um artigo com este título. O sucesso foi tanto, que ele precisou transformá-lo em um livro − logo traduzido para dez idiomas, e que ainda continua sendo reeditado. Expressava um salto na consciência religiosa da sociedade do tempo do Concílio Vaticano II.

Meu livro O Deus em quem não creio, antes de aparecer como livro, foi objeto de um artigo estampado com grande escândalo na primeira página do desaparecido vespertino de Madri, PUEBLO. E isso faz uns 40 anos. Eram tempos duros da ditadura franquista, com censura nos jornais. Naquela ocasião, eles devem ter pensado tratar-se de um artigo sobre religião e o deixaram passar, certamente sem o terem lido. No final, foi motivo de escândalo até para o então arcebispo de Madri, d. Marcílio, que me chamou para apresentar suas queixas.

Como eu me atrevera a dizer – ele deve ter se perguntado − que não se devia crer “em um Deus que manda para o inferno”, ou “em um Deus que não precisa do ser humano”; em um “Deus que ame a dor”, ou em um “Deus do qual os ricos não tenham medo” etc.? Eram 99 imagens falsas de Deus, que a muitos ajudaram a refletir, naquele ambiente de caverna da Espanha ditatorial. Por exemplo, um jovem casal me escreveu, dizendo que eles eram ateus, mas que tinham recortado meu artigo para que se um dia seus dois filhos pequenos decidissem acreditar em Deus, que o fizessem naquele Deus “incapaz de condenar a sexualidade”.

Faz agora 40 anos que o título daquele artigo fez surgir meu primeiro livro em Assis pela Citadella Editrice. Relutei em aceitar sua publicação. Tinha pouco mais de 30 anos e ninguém me conhecia na Itália. O livro, contudo, foi o mais traduzido dentre os meus. Foi publicado em mais de dez idiomas, entre eles em coreano e indonésio. Hoje mesmo, quando vejo que o livro continua sendo publicado em vários países, me pergunto por quê. O falecido cardeal Giovanni Benelli me dizia que era fruto do Concílio Vaticano II, que havia acabado com aquelas imagens negativas do Deus do medo.

Talvez hoje eu acrescentasse outras novas imagens negativas de Deus àquele catálogo. Em 40 anos, as coisas mudaram bastante, mas creio que continua viva em tantos corações a esperança em um Deus que não condene, no Deus da compaixão entendida etimologicamente: o Deus que sofre com o ser humano; no Deus do perdão, o Deus que ama nosso barro, nossas misérias, como as mães. No Deus que se interessa por nosso planeta Terra, por todos os deserdados do mundo; por todos os humilhados; por todos os diferentes.

Hoje, enquanto o agnosticismo aumenta, curiosamente cresce também a busca de uma imagem diferente de Deus, sem etiquetas, com a qual o ser humano moderno – como o Jó da Bíblia – possa enfadar-se, pedir-lhe contas e até se queixar, como Jesus na cruz, de ter abandonado o ser humano a seu destino.

Não é Deus quem está em crise. São essas falsas imagens de Deus que temos misturado com nossa visão estreita do mistério, do divino, de uma fé estéril, incapaz já de mover montanhas. O Vaticano II removeu muitas falsas imagens de Deus. Chegou a defender que a culpa do ateísmo no mundo eram as deformações que nós, crentes, havíamos feito de Deus e de seu filho, Jesus. Ainda restam, contudo, muitas por desmascarar.

Ainda mantemos algum paternalismo e certa religião do poder em relação à figura de Deus. Palavras-chave da mensagem cristã foram prostituídas. Até a formidável palavra “misericórdia”, que Jesus, seguindo a Oseias, preferia aos “sacrifícios”, perdeu sua força porque foi interpretada com o sentido de poder, referente a Deus. É ele quem se compadece do ser humano, porque é ele o misericordioso, superior em sua bondade. Jesus pensou, entretanto, na misericórdia como na moderna “solidariedade”. Desse modo, a chave da misericórdia não é a bondade de Deus para com o ser humano a quem ajuda, mas nós, os seres humanos, é que teremos de ser “solidários” com os demais, não porque somos superiores àqueles que oferecemos nossa misericórdia, mas porque somos iguais em dignidade, todos irmãos de uma mesma raça, cunhada com a imagem do Criador. Ninguém é superior a ninguém na lógica misericordiosa de Jesus. Se, por acaso, alguém de alguma forma se considerar superior, deve, então, lavar os pés dos demais, para que fique bem claro que ninguém é superior a ninguém.

O mesmo acontece com a palavra “perdão”. Quem perdoa coloca-se acima do perdoado. De novo trata-se de uma relação de poder. Jesus, na cruz, dá um exemplo magnífico de como se deve perdoar sem humilhar, sem se sentir superior: Perdoai-os, porque não sabem o que fazem. Não os perdoa, colocando-se superior aos que o crucifixam, mas os desculpa: não sabiam o que estavam fazendo, portanto, não precisavam ser perdoados.

Também João XXIII, em seu testamento, afirmou que não precisava perdoar pessoa alguma, porque “nunca havia se sentido ofendido por alguém”.

É a sublimidade do amor. São esses os novos rostos de Deus que dificilmente seriam rejeitados, ao menos como conceito, nem pelos agnósticos nem pelos ateus, e que serviriam em nosso mundo moderno, ainda dominado pela lei eterna da violência, das invejas, dos ódios mútuos, das ambições, para descansar na praia amável de um Deus diferente ao que sempre lhes tem sido apresentado. Não é o Deus das leis – Jesus investiu contra o sábado –, nem o Deus Meu livroO Deus em quem não creio, antes de aparecer como livro, foi objeto de um artigo estampado com grande escândalo na primeira página do desaparecido vespertino de Madri, PUEBLO. E isso faz uns 40 anos. Eram tempos duros da ditadura franquista, com censura nos jornais. Naquela ocasião, eles devem ter pensado tratar-se de um artigo sobre religião e o deixaram passar, certamente sem o terem lido. No final, foi motivo de escândalo até para o então arcebispo de Madri, d. Marcílio, que me chamou para apresentar suas queixas.

Como eu me atrevera a dizer – ele deve ter se perguntado − que não se devia crer “em um Deus que manda para o inferno”, ou “em um Deus que não precisa do ser humano”; em um “Deus que ame a dor”, ou em um “Deus do qual os ricos não tenham medo” etc.? Eram 99 imagens falsas de Deus, que a muitos ajudaram a refletir, naquele ambiente de caverna da Espanha ditatorial. Por exemplo, um jovem casal me escreveu, dizendo que eles eram ateus, mas que tinham recortado meu artigo para que se um dia seus dois filhos pequenos decidissem acreditar em Deus, que o fizessem naquele Deus “incapaz de condenar a sexualidade”.

Faz agora 40 anos que o título daquele artigo fez surgir meu primeiro livro em Assis pela Citadella Editrice. Relutei em aceitar sua publicação. Tinha pouco mais de 30 anos e ninguém me conhecia na Itália. O livro, contudo, foi o mais traduzido dentre os meus. Foi publicado em mais de dez idiomas, entre eles em coreano e indonésio. Hoje mesmo, quando vejo que o livro continua sendo publicado em vários países, me pergunto por quê. O falecido cardeal Giovanni Benelli me dizia que era fruto do Concílio Vaticano II, que havia acabado com aquelas imagens negativas do Deus do medo.

Talvez hoje eu acrescentasse outras novas imagens negativas de Deus àquele catálogo. Em 40 anos, as coisas mudaram bastante, mas creio que continua viva em tantos corações a esperança em um Deus que não condene, no Deus da compaixão entendida etimologicamente: o Deus que sofre com o ser humano; no Deus do perdão, o Deus que ama nosso barro, nossas misérias, como as mães. No Deus que se interessa por nosso planeta Terra, por todos os deserdados do mundo; por todos os humilhados; por todos os diferentes.

Hoje, enquanto o agnosticismo aumenta, curiosamente cresce também a busca de uma imagem diferente de Deus, sem etiquetas, com a qual o ser humano moderno – como o Jó da Bíblia – possa enfadar-se, pedir-lhe contas e até se queixar, como Jesus na cruz, de ter abandonado o ser humano a seu destino.

Não é Deus quem está em crise. São essas falsas imagens de Deus que temos misturado com nossa visão estreita do mistério, do divino, de uma fé estéril, incapaz já de mover montanhas. O Vaticano II removeu muitas falsas imagens de Deus. Chegou a defender que a culpa do ateísmo no mundo eram as deformações que nós, crentes, havíamos feito de Deus e de seu filho, Jesus. Ainda restam, contudo, muitas por desmascarar.

Ainda mantemos algum paternalismo e certa religião do poder em relação à figura de Deus. Palavras-chave da mensagem cristã foram prostituídas. Até a formidável palavra “misericórdia”, que Jesus, seguindo a Oseias, preferia aos “sacrifícios”, perdeu sua força porque foi interpretada com o sentido de poder, referente a Deus. É ele quem se compadece do ser humano, porque é ele o misericordioso, superior em sua bondade. Jesus pensou, entretanto, na misericórdia como na moderna “solidariedade”. Desse modo, a chave da misericórdia não é a bondade de Deus para com o ser humano a quem ajuda, mas nós, os seres humanos, é que teremos de ser “solidários” com os demais, não porque somos superiores àqueles que oferecemos nossa misericórdia, mas porque somos iguais em dignidade, todos irmãos de uma mesma raça, cunhada com a imagem do Criador. Ninguém é superior a ninguém na lógica misericordiosa de Jesus. Se, por acaso, alguém de alguma forma se considerar superior, deve, então, lavar os pés dos demais, para que fique bem claro que ninguém é superior a ninguém.

O mesmo acontece com a palavra “perdão”. Quem perdoa coloca-se acima do perdoado. De novo trata-se de uma relação de poder. Jesus, na cruz, dá um exemplo magnífico de como se deve perdoar sem humilhar, sem se sentir superior: Perdoai-os, porque não sabem o que fazem. Não os perdoa, colocando-se superior aos que o crucifixam, mas os desculpa: não sabiam o que estavam fazendo, portanto, não precisavam ser perdoados.

Também João XXIII, em seu testamento, afirmou que não precisava perdoar pessoa alguma, porque “nunca havia se sentido ofendido por alguém”.

É a sublimidade do amor. São esses os novos rostos de Deus que dificilmente seriam rejeitados, ao menos como conceito, nem pelos agnósticos nem pelos ateus, e que serviriam em nosso mundo moderno, ainda dominado pela lei eterna da violência, das invejas, dos ódios mútuos, das ambições, para descansar na praia amável de um Deus diferente ao que sempre lhes tem sido apresentado. Não é o Deus das leis – Jesus investiu contra o sábado –, nem o Deus burocrático do direito canônico, mas o Deus que não exige do ser humano nada mais nem nada menos que ser fiel à voz da própria consciência, que por certo é mais severa e exigente que todas as leis promulgadas pelos humanos. E que, como dizia o convertido cardeal Newman: “É melhor se enganar seguindo a própria consciência do que acertar, indo contra ela”. burocrático do direito canônico, mas o Deus que não exige do ser humano nada mais nem nada menos que ser fiel à voz da própria consciência, que por certo é mais severa e exigente que todas as leis promulgadas pelos humanos. E que, como dizia o convertido cardeal Newman: “É melhor se enganar seguindo a própria consciência do que acertar, indo contra ela”.

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