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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O Cardeal dos Direitos Humanos

Maurício Tragtenberg
(O São Paulo, 29.10.1982)

Certa vez, justificando-se de sua prolixidade, padre Vieira escrevia “não tenho tempo para ser breve”: contrariamente, tenho esse tempo.
O catolicismo atual fecundado Medellín e Puebla se afastou muito da esteira aristocrática de um Mounier, de um Claudel ou de um Mauriac.
No quadro latino-americano, a organização da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos no Brasil), em 1952, e a CELAM (Conferência Episcopal Lationo-American), em 1955, indicavam a formação de estruturas horizontais coexistindo com estruturas tradicionalmente verticais na Igreja; ela, dialeticamente, vivia a contradição organizacional e assumia as contradições do social.
Paralelamente, João XXIII assumia o ecumenismo como nova mensagem. Enquanto isso, no Brasil, vivíamos um momento de trevas, torturas, prisões e censura.
Nesse momento é que a presença de d. Evaristo, em São Paulo, assume a forma de verdadeiro testemunho sobre a terrível condição humana em situação opressiva, é o período da morte do estudante Vanucchi Leme, do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho. Nesse momento, sua voz se ergueu em defesa dos direitos humanos elementares, sem os quais nenhuma sociedade sobrevive e, especialmente, não sobrevive o direito à vida.
No plano institucional, o Movimento de Educação de Base e a Operação Periferia ampliam-se, especialmente, em São Paulo. A Pastoral Operária assume um espaço no conflito social urbano; é o momento da morte de Santo Dias, ele mesmo membro da Pastoral. A gigantesca manifestação pública na ocasião, tendo à frente d. Evaristo Arns, havia mascarado indelevelmente a vida paulista e definido a decisão dos trabalhadores em lutarem organizadamente por seus interesses, econômicos e humanos.
Graças à visão do cardeal paulista, Santo André e São Bernardo, com d. Cláudio e a zona leste, com d. Sândalo, assisti-se ao espetáculo da Igreja vinculada ao proletário, dando forca na sua luta pela auto-organização. O desenvolvimento das Comunidades Eclesiais de Base como elementos de integração e organização da Mao de obra advinda das migrações rurais do interior do Nordeste, de Minas Gerais e de São Paulo atestam a clarividência da política social levada a efeito por d. Evaristo.
Sem duvida, assim agindo, conseguiu muitos inimigos entre muitos setores da elite dominante, acostumados a ver na Igreja a legitimação de seu poder; em troca, conquistou milhares de amigos entre os que nada têm, os trabalhadores espoliados de seus direitos mínimos por uma política antissocial inaugurada em 1964; e os operários expulsos da cidade, ocupando as periferias e convertendo urbanização em favelamento. A Operação Periferia, a Pastoral Operária, as Comunidades Eclesiais de Base e a Pastoral dos Cortiços definem a ênfase da dimensão social presente na prática de d. Evaristo. Nesse sentido, é um marco histórico, no plano da Igreja e no plano do país, sua ação em defesa dos direitos humanos, dos direitos sociais dos espoliados do campo e da cidade.
Temos certeza de que sua ação no plano do social se aproxima em muito à de Casaldáliga e d. Thomaz Balduíno, d. Pelé e muitos outros que, no quadro da realidade nacional e latino-americana, procuram desvincular a ação da Igreja da defesa de estruturas obsoletas corridas pelo tempo e de interesses privatistas antissociais. Esse cristianismo ativo é que se coloca na grande tradição do cristianismo primitivo, um cristianismo comunitário soldado na aliança dos pobres e oprimidos.

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