24.10.11 - Adital
Agradeço o convite que me fizeram, para participar destas Jornadas Teológicas Andinas, em vista da celebração dos 50 anos do Concílio Ecumênico Vaticano II.
Neste momento de conversa com vocês, me proponho, simplesmente, reviver alguns lances deste vasto acontecimento que foi o Concílio Vaticano II. Mais em forma de depoimento pessoal, do que propriamente de reflexões teológicas em torno das vastas questões que este concílio levanta.
Passados 50 anos da realização do Vaticano II, já são muito poucos os bispos ainda vivos, que participaram das quatro sessões conciliares. No dia 24 de agosto passado, morria no Brasil Dom Clemente Isnard, um dos baluartes da renovação litúrgica. Ainda está vivo D. José Maria Pires, com 93 anos de idade.
Dá para dizer que a geração dos bispos conciliares já se foi. Agora, somos herdeiros de um acontecimento que envolveu profundamente a Igreja, cujo impulso de renovação cabe a nós agora sustentar.
Pessoalmente, me sinto na obrigação de dar o meu testemunho do contexto em que se realizou este Concílio. Tive a sorte de viver muito de perto o Vaticano II, como estudante de teologia em Roma, no tempo em que se realizava o Concílio.
Lembro de modo muito especial a sorte que eu tive no dia 11 de outubro de 1962, no dia da abertura do Concílio. Tinha ido muito cedo à Praça São Pedro, para ver a procissão de bispos que devia passar pela praça e entrar na Basílica. Estava lá, muito consciente da importância histórica daquele momento.
Aí fui surpreendido com a inesperada oferta que o Frei Boaventura Kloppenburg me fez. Ele era encarregado das credenciais de jornalistas de língua portuguesa. E como não tivesse aparecido nenhum, me perguntou se eu não queria uma credencial de jornalista. Mais do que depressa aceitei. Guardei no bolso a faixa verde e amarela de seminarista brasileiro, continuei na praça até a entrada dos bispos e do Papa, e então me apresentei à porta central da Basílica, munido com minha credencial de jornalista! Me olharam desconfiados, mas me deixaram entrar. Fui me achegando, até ficar bem próximo ao Papa, mais perto do que todos os cardeais, arcebispos e bispos.
Assim, pude ver de perto, com meus próprios olhos, e ouvir da própria boca de João XXIII seu famoso discurso de abertura do Vaticano II, afirmando enfaticamente que este não seria um concílio para repetir anátemas, nem para proclamar novos dogmas. Mas seria para apresentar de maneira nova e acessível aos homens de hoje as grandes verdades que compõem o rico patrimônio que a Igreja precisa testemunhar a todas as gerações.
De modo que me sinto, também eu, responsável agora para testemunhar o que foi este concílio. Há tempos vinha carregando uma inquietação na consciência, até que resolvi escrever um pequeno livro, ao qual dei o título de "Revisitar o Concílio Vaticano II”, onde procurei recordar o intenso processo de preparação, realização e recepção deste grande concilio. O livro está publicado pelas Edições Paulinas, e seria uma boa obra traduzi-lo para o espanhol, dado que foi escrito por um repórter de língua portuguesa!
O que me proponho fazer hoje, é um pouco o que fiz com o pequeno livro. Mas prometo que não vou ler todas as suas páginas, não! Pois não quero matar a curiosidade de vocês a respeito dele.
Ainda a título de introdução, é bom dar-nos conta que agora somos desafiados a olhar o concílio a partir dos 50 anos de sua realização. Para responder a inquietantes perguntas:
-até que ponto o Concílio Vaticano II ainda é válido?
-Seus documentos ainda continuam vigentes?
-Seu processo já se encerrou, ou ainda estamos vivendo as conseqüências do Vaticano II?
Para responder a estas perguntas, nada melhor do que recordar as palavras do Papa João Paulo II, na Tertio Millenio Ineunte, onde ele afirmou:
"Sinto ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura para nos orientar no caminho do século que começa”.
Feita na passagem do milênio, esta afirmação sinaliza com muita clareza a importância que o Concílio ainda tem.
Ao mesmo tempo, precisamos nos dar conta que vivemos agora um momento de forte refluxo do conservadorismo, que se manifesta de muitas maneiras, e que em alguns grupos eclesiais se expressa explicitamente como contestação diante do processo conciliar.
Este é um fenômeno com precisa ser analisado com calma, e compreendido com muito discernimento. Ele certamente nos apresenta um sério desafio, para a exata compreensão do concílio, e para o alcance de suas propostas de renovação eclesial.
Isto não deixa de causar uma forte perplexidade.50 anos atrás ninguém poderia imaginar que chegássemos à situação que vivemos hoje, com este refluxo conservadorista, cujo símbolo maior se identificar no retorno da celebração eucarística nos moldes anteriores ao Concílio.
Somos chamados a refletir melhor sobre o que está em jogo com este fenômeno. Para isto, certamente, pode ajudar o conhecimento do contexto histórico, seja do tempo da realização do Vaticano II, como da realidade vivida hoje, sobretudo com as profundas mudanças em andamento, de ordem social, religiosa e cultural.
Para isto, vamos aqui nos propor uma rápida consideração sobre como surgiu o Concílio, as reações suscitadas, o contexto histórico daqueles anos, a preparação do Concílio, seus momentos decisivos, suas grandes intuições, a recepção do concílio, as resistências ao processo conciliar, e as perspectivas que se apresentam pela frente.
Tudo muito simples e breve!
1) Como surgiu o Vaticano II
Uma primeira constatação a fazer, para compreender o Concílio, é perceber quanto ele dependeu do Papa João XXIII. Nunca um concílio esteve tão ligado à figura de um papa, como o Vaticano II esteve ligado a João XXIII
Sem João XXIII, não teria acontecido este concílio. Sem nenhum exagero, dá para dizer que este é o Concílio do Papa João XXIII
A dinâmica dos fatos que levaram ao anúncio de um concílio ecumênico, começou já com a eleição de João XXIII. Ninguém esperava que o Cardeal Ângelo Giuseppe Roncalli fosse eleito papa.
Com a morte de Pio II em outubro de 1958, todos se perguntavam quem iria substituir um papa da estatura intelectual de Pio XII.
O próprio andamento do conclave demonstrava a dificuldade de encontrar um bom sucessor de Pio XII. Iam se sucedendo as votações, com a insistente fumaça preta a demonstrar a dificuldade de chegarem a um consenso.
Quando finalmente apareceu a fumaça branca, depois de quatro dias,, foi anunciado o nome de Ângelo Roncalli. A grande maioria não sabia quem era o novo papa. Ao constatar que já tinha 77 anos de idade, foi se difundindo rapidamente a versão de um "papa de transição”, que viveria breves anos, até que aparecesse alguém em condições de levar em frente o pontificado de Pio II.
Portanto, João XXIII começou sob o estigma de "papa de transição”, que ele mesmo assumiu,e colocou a serviço dos seus planos, que ninguém suspeitava quanto seriam arrojados, e dignos de um papa, que ao contrário das expectativas, iria ficar na história como um dos papas de maior influência sobre a Igreja do seu tempo. Ele surpreendeu a todos, e soube muito bem usar a oportunidade que a história lhe oferecia.
Começou a surpreender com a data da posse, escolhida por ele mesmo: 04 de novembro! Era o dia de São Carlos Borromeu, um dos bispos que mais tinha colocado em prática o Concílio de Trento. O novo Papa entendia de concílio!
Mas João XXIII soube conquistar muito rapidamente a estima de todos Em poucas semanas, foi logo identificado como o "Papa bom”, o "Papa da bondade”.
No dia de natal, para surpresa de todos, João XXIII saiu do Vaticano, e foi visitar as crianças doentes no hospital de Roma. No dia seguinte, foi visitar os presos na cadeia da cidade!
Foi o suficiente para todos se sentirem muito felizes como o novo Papa, de 77 anos! Para o povo romano, não precisa outro papa! E de fato, a primeira missão do Papa é ser bispo do povo romano!
Foi neste contexto de admiração pelo papa, e de pronta adesão às suas atitudes, que foi anunciada a grande surpresa. O Papa iria convocar um concílio ecumênico.
Foi no dia 25 de janeiro, festa da conversão de São Paulo. Estava se concluindo a "Semana de orações pela unidade dos cristãos”, na Basílica de São Paulo em Roma. O Papa tinha convidado, e estava se preparando para ir.
Três dias antes, em depoimento ouvido com freqüência do próprio João XXIII, em conversa com seu secretário pessoal,Mons Capovilla, o Papa João XXIII confidenciou a ele que sentia a necessidade de, como papa, fazer alguma coisa pelaunidade dos cristãos. E perguntou ao secretário o que ele achava. E ao fazer a pergunta, lhe veio a resposta: um concílio?
A ideia não lhe saiu mais da mente.Três dias depois, nas dependências da Basílica São Paulo, no encerramento da "Semana de orações pela unidade dos cristãos”,João XXIII surpreendeu a Igreja e o mundo com o arrojado anúncio dos seus planos.
Brincando com o epíteto de "Papa de transição” que lhe tinham dado, ele afirmou que, apesar disto, ele também os seus planos para o pontificado. E aí foi dizendo quais eram estes planos:
-realizar um sínodo para a Igreja de Roma,
-atualizar o Código de Direito Canônico,
-e convocar um concílio ecumênico para toda a Igreja!
2. As reações suscitadas
A notícia se espalhou rapidamente, e foi acolhida com a mesma simpatia que já cercava a figura do papa.
No meio desta história, houve um episódio muito significativo, que mostra bem quanto o Papa João XXIII estava consciente do alcance de suas propostas, muito especialmente da realização de um concílio ecumênico.
Ele fez uma manobra muito interessante. Antes de ir para a reunião com os cardeais na Basílica São Paulo, João XXIII tinha pedido para a Rádio Vaticana anunciar a notícia do concilio diretamente, sem esperar o encerramento da cerimônia religiosa.
De modo que, quando os cardeais saíram, a notícia já tinha se espalhado pelo mundo, como grande manchete do dia! Os cardeais, que tinham ouvido com reservas e alguma desconfiança as ousadas propostas do novo Papa, de repente se encontraram com o entusiasmo do povo diante da difusão da notícia.
Assim, João XXIII conseguiu, estrategicamente, contornar as possíveis resistências que poderiam vir da Cúria Romana. Com o anúncio do concílio recebido com tanto entusiasmo, ninguém iria se opor esta a iniciativa. De tal modo que, desde o seu anúncio, o concílio foi aceito na Igreja com muito entusiasmo e esperança, sobretudo de ordem ecumênica, dada a circunstância da Semana.
As expectativas ecumênicas foram rapidamente se difundindo, a ponto do próprio João XXIII sentir a necessidade de moderá-las, explicando que o Concílio seria para a Igreja Católica. Mas o clima ecumênico ficou profundamente associado ao futuro concílio.
De modo que a idéia do concílio foi logo aceita com muito entusiasmo, e foi avalizada desde o começo pela figura do Papa João XXIII.
Mesmo antes de começar, o concílio mudou o clima eclesial, que rapidamente foi envolvendo a todos, suscitando especialmente muitas esperanças de participação e de profundas transformações eclesiais.
Olhando estes fatos a partir de agora, depois de 50 anos, é válido perguntar se a estratégia de João XXIII, foi de todo positiva. Agora nos damos conta quanto ela propiciou que as resistências se acumulassem, para depois se manifestarem na preparação dos documentos conciliares, e sobretudo ao longo do desenrolar do concílio, e mais ainda, depois de concluído o concílio.
O fato é que se demorou demais para perceber a consistência da oposição ao concílio. Ele começou com muito entusiasmo, mas não levou suficientemente em conta o poder se reação de nichos de resistências, que infelizmente chegaram a assumir ares de cismas, e agora ameaçam contagiar a Igreja inteira, como cinzas de um vulcão dos Andes, que se espalham por todo o continente!
Nunca é demais a busca insistente do diálogo, e da superação de resistências, sobretudo quando assumem posturas fundamentalistas.
O próprio "Concílio de Jerusalém” mostra quanto são importantes as mútuas concessões para se garantir a unidade e a comunhão. Até "carnes imoladas aos ídolos”fizeram parte do compromisso entra as duas correntes de opinião!
3) O contexto histórico do Vaticano II
Para compreender o clima vivido com tanta intensidade durante o concílio, é necessário constatar o ambiente de otimismo que o mundo vivia naquele tempo.
Dá para dizer que as duas décadas, de 50 e de 60, foram as mais otimistas dos últimos séculos. A Europa estava se refazendo da guerra. Os países da África estavam em plena efervescência de sua independência, o desenvolvimento parecia estar prestes a chegar todos os países, a distensão entre leste e oeste estava se consolidando, e teve no episódio dos "mísseis de Cuba”, em 1962, o episódio símbolo, com a emergência do trio de personalidades que espelhavam a nova situação mundial: Kennedy, Kruschev e João XXIII, que iria escrever a "Pacem in terris”.
Parecia que a utopia da paz e do progresso universal estava chegando!
Este clima de euforia contagiou o ambiente do concílio, e se traduziu, especialmente, no documento conciliar Gaudium et Spes.
Ao mesmo tempo, é muito importante outra constatação. O clima de euforia mundial foi abruptamente rompido com a "revolução cultural de 1968”, com a revolta dos jovens, e com o desencadear do velocíssimo processo de secularização, que foi atingindo sobretudo os países da Europa Ocidental, onde mais de perto tinham se firmando as esperanças do concílio.
Se esta crise tivesse vindo antes, ou se o concílio tivesse sido feito depois, com certeza muitos enfoques teriam sido diferentes, seja nos documentos voltados para o interior da Igreja, como para os voltados para a sua missão no mundo.
Um fato que precisa ser anotado com muita clareza é o equívoco de interpretação histórica, usado com muita insistência pelos que combatem hoje o Vaticano II. Acusam o Concílio de ter sido a causa da secularização que atingiu profundamente a Europa e outros países. E´ um grave erro de interpretação histórica.
A secularização teria acontecido mesmo sem que o Concílio tivesse sido realizado.
Portanto, vivemos agora o incômodo de conviver com pressupostos equivocados, que possibilitam acusações gratuitas, atribuindo ao Concílio conseqüências, das quais ele não foi, absolutamente, sua causa.
Isto não nos dispensa de fazermos agora uma lúcida avaliação, para perceber como foi conduzido o processo de implementação do Concílio, e sobretudo como daqui para a frente precisamos proceder. A esperança é que a celebração séria e profunda do jubileu do concílio, nos ajude a perceber bem os valores importantes que podemos levar em conta e tomar como referência em nossa ação eclesial.
4) A preparação do concílio
Pela pronta adesão encontrada, dá para dizer que o processo do concílio começou no dia 25 de janeiro de 1959, com o anúncio de sua realização.
A convocação oficial, na verdade, foi feita no Natal de 1961, pela bula Humanae Salutis, quando João XXIII estabeleceu que o concílio seria aberto no ano seguinte, sem ainda precisar a data. Sua abertura oficial se deu, efetivamente, a 11 de outubro de 1962, data do encerramento do Concílio de Efeso, em 431, quando o povo aclamou Maria como Mãe de Deus. Aí percebemos de novo estilo de João XXIII. Sem ofender os "irmãos separados”, colocava o Concílio sob a proteção de Maria.
A preparação do Concílio foi conduzida com muita firmeza pelo próprio João XXIII, deixando transparecer a preocupação com sua idade avançada, e a disposição de garantir a efetiva realização do seu grande sonho.
Lodo após o anúncio do concílio, nomeou uma "Comissão Central ante preparatória”,com a primeira tarefa de identificar os temas centrais que deveriam ser abordados pelo Concílio. Pois, pela primeira vez na história, um concílio era convocado sem um problema específico a resolver.
A Comissão teve a feliz idéia de pedir a opinião dos bispos, dos superiores das grandes congregações religiosas, e dos reitores de universidades católicas. A resposta foi surpreendente. As sugestões recolhidas preencheram doze grossos volumes, que serviram então de fonte para a elaboração dos 75 esquemas de documentos, já na fase preparatória do Concílio.
fato é que o concílio se constituiu numa forte experiência de participação eclesial, já pela sua realização. Antes de declarar que a Igreja é o povo de Deus, o Concílio propiciou aos cristãos que se sentissem, de verdade, como povo de Deus consciente e participante.
Por isto, a melhor maneira de reviver o concílio não é tanto estudar seus documentos, mas reviver sua experiência de participação eclesial.
5) Momentos decisivos do Concílio
O discurso de abertura, no dia 11 de outubro, se constituiu em referência muito importante para todo o processo conciliar. Na declaração enfática de João XXIII, seria um concílio para fazer o grande "aggiornamento” da Igreja Católica, com os conseqüentes desdobramentos que esta "atualização” comportava.
Outro momento decisivo se deu na primeira reunião ordinária, após a abertura do Concílio. Era a sessão destinada a eleger as dez Comissões de trabalho. Cada bispo devia apresentar 16 nomes para cada Comissão. O impasse era evidente. Quem teria na cabeça 160 nomes de bispos para indicar?
Esta situação proporcionou uma esperta manobra da Cúria Romana. Na entrada da aula conciliar, os bispos receberam dez listas, cada qual com 16 nomes de bispos. A intenção era clara. Colocar nas comissões os nomes indicados pela Cúria.
Foi então o que o Cardeal Lienard, de Lille, propôs suspender a sessão, e dar três dias para os bispos poderem fazer as consultas adequadas para, em cada episcopado, encontrar os nomes mais adequados para cada comissão.
A ideia contou com o apoio de diversos outros bispos, e acabou sendo aceita.
Assim ficou comprovada a importância que teria, neste concílio, a articulação episcopal para sustentar e apoiar o processo conciliar. E ficou afirmada a autonomia dos bispos como sujeitos do processo conciliar.
Alguns bispos se destacaram nesta função. Entre eles emergiu com muita evidência e eficácia, D. Helder Câmara, do Brasil e Mons Larrain, do Chile.
Outro momento importante se deu por ocasião da primeira rejeição de um esquema preparatório. Era o esquema sobre a Palavra de Deus, onde entravam os assuntos polêmicos da Revelação, da Tradição e do Magistério da Igreja. O texto tinha sido redigido de maneira bastante polêmica, e muitos bispos começaram a pedir sua rejeição. Posto em votação, a expressiva maioria se declarou contra o esquema, mas não em número suficiente de dois terços, para rejeitá-lo. Foi então que interveio João XXIII, e por decisão própria mandou retirar o esquema, para que fosse redigido outro em linguagem mais ecumênica.
Isto fortaleceu nos bispos a impressão que os autores do concilio eram eles, e os próprios esquemas preparados com antecedência podiam ser substituídos por outros.
No intervalo entre a primeira e a segunda sessão, antes de vir a falecer, o Papa João XXIII determinou uma drástica diminuição do número de esquemas preparatórios. Pois o concílio já tinha identificado que o tema central seria a Igreja, e muitos assuntos menores podiam ser integrados neste tema maior.
De tal modo que, antes de morrer, João XXIII podia ter a certeza de que o seu grande sonho já começava a se tornar realidade.
6) As grandes intuições do Concílio
Alguns dizem que este concílio não teve densidade teológica. Ou mesmo que não teve intenção de afirmar verdades. Teria sido um concílio meramente "pastoral”.
Nada mais equivocado do que esta afirmação.
O Vaticano II teve como grande tema de seus trabalhos e de seus documentos a Igreja, enfocando sua vocação e sua missão neste mundo. Foi um concílio claramente "eclesiológico”, como os primeiros concílios foram claramente "cristológicos”.
Não é o caso aqui de desdobrar as grandes afirmações eclesiais feitas pelo Concílio. Só vou lembrá-las, brevemente.
A mais estratégica, e a mais densa, foi a visão da Igreja como Povo de Deus, recuperando a dimensão bíblica da caminhada da Igreja.
Paralela a esta afirmação, podemos colocar a Colegialidade episcopal, afirmando a corresponsabilidade de todos os bispos no governo da Igreja, estabelecendo o equilibro entre o primado de Pedro e a colegialidade episcopal. Assim fica colocado o fundamento para uma visão de Igreja que ao mesmo tempo comporte a unidade e a diversidade.
Em íntima conexão com estas duas verdades, podemos perceber como nelas se encaixa bem a importância da Igreja Local, e o valor todo especial das comunidades eclesiais, como concretizações práticas da vida de Igreja.
E assim, a partir do Concílio, podemos ir desenhando uma visão de Igreja povo de Deus, conduzida por pastores que a convocam para a vivência da comunhão fraterna e da missão ao mundo, como "sacramento de salvação universal”.
7) A recepção do Concílio
Sabemos que a validade de um documento, ou evento eclesial, se mede pela recepção que ele .encontra.
Uma boa questão para se avaliar, no jubileu do concílio, é exatamente esta: conferir como foi a recepção do Concílio Vaticano II.
A celebração do jubileu de 50 anos do concílio traz consigo a esperança de que esta recepção positiva do Concílio possa ser retomada. Depois de diversas resistências encontradas, finalmente se abra um tempo de fecunda recepção do impulso renovador da Igreja, trazido pelo Concílio. Esta seria a intenção da celebração deste jubileu conciliar.
Em todo o caso, para nós aqui na América Latina, faz bem lembrar que nossa Igreja foi a única que deu ao Concílio uma acolhida continental, graças à atuação do CELAM, e às Conferências Gerais por ele realizadas, muito especialmente a Conferência de Medellín, na Colômbia, que foi uma espécie de concílio para a América Latina, fazendo repercutir entre nós o Vaticano II.
Ao mesmo tempo, é forçoso admitir que, infelizmente, neste tempo pós conciliar, se viveu por demais um clima de mútuas suspeitasentre a Cúria Romana e a Igreja na América Latina.
Estas suspeitas estiveram muito presentes em Puebla e em Santo Domingo, tendo quase desaparecida na Conferência de Aparecida.
Certamente, um diálogo maduro poderá contribuir para que as relações entre Roma e a Igreja da América Latina se façam sempre na plena confiança, que possibilite manter sempre a comunhão eclesial, sem impedir a implementação de opções pastorais adequadas à nossa realidade, para benefício do fortalecimento de toda a Igreja, na busca de abrir caminhos para a renovação eclesial sonhada pelo Concílio.
8) As resistências ao processo conciliar
Depois de 50 anos, dá para perceber melhor, como já foi observado, a importância do diálogo e de entendimento, sobretudo para impedir que as incompreensões se cristalizem, e descambem até para cismas abertos.
Agora se aprecia a grande estratégia de João XXIII, ao contornar as possíveis resistências à sua proposta de renovação eclesial através de um concílio. Mas ao mesmo tempo percebemos que estas resistências não foram superadas. Ao contrário, elas se aglutinaram durante o Concílio, e se manifestaram explicitamente depois do Concílio, chegando a rupturas que infelizmente ainda existem, e que se constituem em drama pessoal para o Bento XVI, no seu esforço de conseguir a plena comunhão com os poucos dissidentes, colocando quase em risco os avanços conciliares de toda a Igreja.
Esperamos que estas dificuldades, bem localizadas e identificadas, possam ser superadas, e não impeçam a continuidade da renovação conciliar proposta por este grande Concilio Ecumênico, que Deus concedeu como graça especial para a sua Igreja nestes tempos difíceis de mudanças históricas, que estamos vivendo.
Conclusão
Depois de 50 do Concílio Vaticano II, nos deparamos com um vasto panorama, que poderia levar a duas iniciativas que podem ser complementares.
De um lado, constamos quando foi válido o Vaticano II, e quanto ainda dá para caminhar à luz dos seus documentos e dos desdobramentos eclesiais que ele suscitou.
Com certeza, a Igreja pode continuar caminhando, sustentada pelas motivações conciliares do Vaticano II.
Por outro lado, a rica experiência dos tempos do concílio, fazem perguntar se não seria válido experimentar de novo um intenso processo conciliar, com a convocação de um novo concílio.
Esta segunda hipótese é confrontada muito mais claramente com as possibilidades concretas de sua realização. E então nos damos conta como seria difícil, e talvez arriscado demais, realizar um novo concílio no estado atual em que a Igreja se encontra.
Além da complexidade que seria organizar um novo concílio, as profundas mudanças acontecidas nas últimas décadas, faria com um novo concílio fosse também um concílio completamente novo na sua maneira de realização.
Na Espanha existe, até, uma pequena fundação, que se chama "proconcil”, que pode ser conhecida pela internet, dedicada a refletir sobre a conveniência de promover um novo concílio.
De maneira prudente, chegou à conclusão que, por enquanto, convém recuperar a dimensão de conciliaridade da Igreja, o que já não seria pouco, voltar a contar com a opinião dos bispos e do povo de Deus para decidir as questões da Igreja.
Em todo o caso, temos a ingente tarefa, nesses próximos anos, enquanto celebramos o jubileu do Vaticano II, constatar quanto podemos ainda nos motivar com suas propostas e seu sonhos!
Nesse contexto, vale a pena trazer aqui, brevemente, o sonho de um dos últimos cardeais sonhadores de renovação eclesial que ainda temos. E´ o sonho do Cardeal Martini, apresentado no Sínodo Especial para a Europa, na década de noventa, em preparação à passagem do novo milênio.
Permito-me citar de novo, aqui, seu sonho:
Sem dizer que estava propondo um novo concílio, ao propor que se deveria convocar "todos os bispos do mundo”, para abordar três assuntos:
-no interior da Igreja, que se repense o exercício dos ministérios, desde o petrino até os ministérios comunitários confiados aos leigos. Portanto, uma ampla mudança na estrutura ministerial da Igreja.
-No relacionamento com os outros cristãos, que se coloquem as bases de um amplo entendimento teológico, que possibilite a progressiva aproximação e finalmente a superação das divisões existentes.
-E diante do mundo de hoje, empreender uma ampla reflexão sobre a urgente necessidade da inculturação do Evangelho, para que a Igreja de Cristo possa assumir as feições das diversas culturas existentes neste mundo, e não se limite a uma só delas, no ocidente, sufocando a força do Evangelho, e impedindo que ele seja acolhido por todos os povos.
Se fosse convocado um concílio com estas intenções, todos nós, certamente, teríamos muitas opiniões a dar e posições a assumir. E o faríamos com muito entusiasmo.
Mas, por enquanto, com esta Jornada Teológica, só estamos convocados para celebrar os 50 anos do Vaticano II, e retomar suas generosas intenções de renovação eclesial.
O que, certamente, não será pouco!
As forças progressistas, da Teologia da Libertação, incluindo teólogos/as, pastorais sociais, Cebs, agentes de pastoral, religiosos/as, leigos e leigas, se mobilizaram para participar da Conferencia de Aparecida (2007) - uma des suas ações foi a Tenda dos Mártires, como espaço aberto, celebrativo, por 15 dias, enquanto durou a Conferência. A Tenda dos Mártires foi um alerta à toda Igreja para não esquecer seus mártires, sua caminhada, sua identidade de libertação.
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sexta-feira, 28 de outubro de 2011
terça-feira, 18 de outubro de 2011
Alerta no Vaticano pela crise da Igreja no Brasil
Giacomo Galeazzi - Vaticano Insider - 14.10.2011
Trinta anos atrás, mais de 90% dos brasileiros se definiam como católicos. Agora, o número caiu para 68%, o valor mais baixo desde 1872. O alerta foi acionado porque, no maior país católico do mundo (140 milhões de fiéis), cada vez mais pessoas rompem seus laços com Roma.
Além da América do Sul como terra de esperança para o catolicismo mundial, os dados dizem outra coisa. De acordo com os dados divulgados pela Fundação Getúlio Vargas, na última década, por causa da secularização e do boom das seitas evangélicas, diminuem continuamente os católicos brasileiros, enquanto aumentam enormemente as dezenas de denominações evangélicas [foto - culto pentecostal no Brasil]. Uma pesquisa realizada pelo principal instituto de pesquisa do Brasil com base em 200 mil entrevistas fotografa um progressivo afastamento da Igreja especialmente das novas gerações.
E, significativamente, a Santa Sé escolheu justamente o Rio de Janeiro como a próxima sede para a Jornada Mundial da Juventude, para impulsionar a pastoral da juventude na América do Sul. Durante a última década, milhões de brasileiros deixaram a comunidade católica mais numerosa do planeta para entrar nas congregações pentecostais. O ano de 2010 foi o pior ano da Igreja Católica no Brasil. O número de jovens com menos de 20 anos que declararam não seguir nenhuma religião subiu três vezes mais rapidamente do que o de pessoas com mais de 50 anos. Cerca de 9% dos jovens brasileiros não têm nenhuma filiação religiosa. Uma tendência semelhante à dos abandonos da Igreja.
A adesão ao catolicismo na população brasileira caiu para o seu nível mais baixo desde 1872: 68% em comparação aos 72,5% de 2003. A hemorragia de fiéis afeta principalmente a classe média. Ao mesmo tempo, os grupos pentecostais subiram para 12,8% da população.
A secularização morde a participação religiosa, e a concorrência das seitas evangélicas está cada vez mais aguerrida. Roma tem que acertar as contas com uma difícil convivência entre a Igreja Católica e as chamadas seitas de matriz cristã (a maioria pentecostais) que reúnem cada vez mais prosélitos, especialmente entre as camadas mais baixas da população.
Em maio de 2007, o primeiro encontro de Bento XVI com os jovens [foto ao lado] evidenciou as dificuldades pelas quais a Igreja Católica do Brasil atravessa: os organizadores esperavam 70 mil jovens (40 mil no estádio e 30 mil do lado de fora). Na realidade, os números foram certamente inferiores: no estádio, permaneceram diversos espaços e lugares vazios, enquanto do lado de fora os jovens eram poucos. Ao todo, portanto, os participantes foram 35 mil segundo os dados fornecidos pelos próprios organizadores: não muitos, se lembrarmos que São Paulo tem 11 milhões de habitantes.
As Igrejas pentecostais estão atraindo um número cada vez mais crescente de fiéis arrancados da Igreja Católica (nos últimos 30 anos, o percentual dos católicos brasileiros do total da população diminuiu de 91,7% para 73,8% e agora para 65%, enquanto as Igrejas protestantes evangélicas aumentaram de 5,2% para 17,9%).
Os cristãos de base atribuem a João Paulo II e ao seu guardião da ortodoxia, Joseph Ratzinger, o fato de terem "normalizado", nos anos 1980 e 1990, o clero e o episcopado sul-americano e de os terem preenchido com o Opus Dei e os Legionários de Cristo, colocando à margem aqueles teólogos da libertação que haviam deslocado muito para a esquerda o centro de gravidade da Igreja, dialogando com aquele comunismo que, ao contrário, o Vaticano estava combatendo no Leste Europeu.
E a atual e dramática hemorragia de fiéis em favor das seitas evangélicas também seria o fruto da marginalização dos padres mais estreitamente em contato com as camadas populares e com as massas das favelas. Ao mesmo tempo, a preocupação da Santa Sé se concentrou sobre a crise da disciplina eclesiástica, o crescimento das Igrejas evangélicas e da influência da teologia da libertação entre os jovens religiosos.
Os documentos do WikiLeaks revelam que o Vaticano estava preocupado com a conduta dos sacerdotes brasileiros com relação ao celibato. E assim se reabre uma questão de extrema delicadeza para a Santa Sé, em particular por causa do espinhoso tema do clero brasileiro (e sul-americano) próximo da teologia da libertação e das tensões com Roma, das quais uma prova gritante é o "caso Recife", ou seja, a controvérsia sobre o aborto da menina-mãe.
Segundo os documentos revelados pelo Wikileaks, o Vaticano manifestou uma profunda preocupação com o comportamento dos sacerdotes brasileiros, especialmente pela sua inobservância e indiferença para com a regra do celibato eclesiástico. A fonte citada pelo diplomata dos EUA no relatório é um prelado brasileiro, oficial da Secretaria de Estado, Dom Stefano Migliorelli, estreito colaborador do cardeal Tarcisio Bertone, que referia ao embaixador dos EUA, Francis Rooney, que a viagem de Bento XVI ao Brasil em 2007 nascia do alerta diante da situação da Igreja Católica local.
"Dom Migliorelli lamenta que o nível de preparação dos sacerdotes brasileiros é muito baixo e que, em muitos casos, não são respeitadas os princípios da disciplina clerical (por exemplo, o celibato eclesiásticos etc.)", evidencia o documento preparado pelo diplomata Francis Rooney para o governo norte-americano. Em outra passagem do relatório, elaborado em 2007, afirma-se que a crise sacerdotal, a queda das vocações e a indisciplina do clero na América Latina são piores do que nos Estados Unidos.
A Santa Sé, ainda de acordo com o comunicado dos EUA, expressou seu próprio alerta com o crescimento das Igrejas evangélicas no Brasil na região sul-americana. Segundo a Secretaria de Estado vaticana, o Brasil e a América Latina devem ser consideradas como uma "terra de missão", na qual é necessário "recomeçar do zero", e "o clero deve ser novamente formado" para frear o avanço das Igrejas evangélicas. Uma situação preocupante, portanto, denunciada pelo eclesiástico Migliorelli ao diplomata norte-americano Rooney. Há dois anos e meio, entre a Santa Sé e o episcopado brasileiro, a crise atingiu o nível de alerta. O que provocou tensão foi o "caso Recife".
A Igreja deve respeitar o profissionalismo dos médicos, mesmo quando eles fazem intervenções que parecem violar a lei eclesial, como no caso da menina de nove anos estuprada e forçada a abortar no Brasil porque corria risco de morte. A excomunhão à mãe e aos médicos é "um juízo que pesa como um machado e faz com que a Igreja pareça ser insensível". No dia 14 de marco de 2009, no L'Osservatore Romano, o então presidente da Pontifícia Academia para a Vida, Rino Fisichella, estigmatizou a posição assumida pelo arcebispo de Recife, José Cardoso Sobrinho [foto ao lado], que, uma semana antes, havia anunciado a grave sanção canônica contra aqueles que provocaram a interrupção da gravidez, apesar de a menina, grávida de dois gêmeos, correr o risco de morrer.
Tradução de Moisés Sbardelotto.Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line- 17/10/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=48422
Trinta anos atrás, mais de 90% dos brasileiros se definiam como católicos. Agora, o número caiu para 68%, o valor mais baixo desde 1872. O alerta foi acionado porque, no maior país católico do mundo (140 milhões de fiéis), cada vez mais pessoas rompem seus laços com Roma.
Além da América do Sul como terra de esperança para o catolicismo mundial, os dados dizem outra coisa. De acordo com os dados divulgados pela Fundação Getúlio Vargas, na última década, por causa da secularização e do boom das seitas evangélicas, diminuem continuamente os católicos brasileiros, enquanto aumentam enormemente as dezenas de denominações evangélicas [foto - culto pentecostal no Brasil]. Uma pesquisa realizada pelo principal instituto de pesquisa do Brasil com base em 200 mil entrevistas fotografa um progressivo afastamento da Igreja especialmente das novas gerações.
E, significativamente, a Santa Sé escolheu justamente o Rio de Janeiro como a próxima sede para a Jornada Mundial da Juventude, para impulsionar a pastoral da juventude na América do Sul. Durante a última década, milhões de brasileiros deixaram a comunidade católica mais numerosa do planeta para entrar nas congregações pentecostais. O ano de 2010 foi o pior ano da Igreja Católica no Brasil. O número de jovens com menos de 20 anos que declararam não seguir nenhuma religião subiu três vezes mais rapidamente do que o de pessoas com mais de 50 anos. Cerca de 9% dos jovens brasileiros não têm nenhuma filiação religiosa. Uma tendência semelhante à dos abandonos da Igreja.
A adesão ao catolicismo na população brasileira caiu para o seu nível mais baixo desde 1872: 68% em comparação aos 72,5% de 2003. A hemorragia de fiéis afeta principalmente a classe média. Ao mesmo tempo, os grupos pentecostais subiram para 12,8% da população.
A secularização morde a participação religiosa, e a concorrência das seitas evangélicas está cada vez mais aguerrida. Roma tem que acertar as contas com uma difícil convivência entre a Igreja Católica e as chamadas seitas de matriz cristã (a maioria pentecostais) que reúnem cada vez mais prosélitos, especialmente entre as camadas mais baixas da população.
Em maio de 2007, o primeiro encontro de Bento XVI com os jovens [foto ao lado] evidenciou as dificuldades pelas quais a Igreja Católica do Brasil atravessa: os organizadores esperavam 70 mil jovens (40 mil no estádio e 30 mil do lado de fora). Na realidade, os números foram certamente inferiores: no estádio, permaneceram diversos espaços e lugares vazios, enquanto do lado de fora os jovens eram poucos. Ao todo, portanto, os participantes foram 35 mil segundo os dados fornecidos pelos próprios organizadores: não muitos, se lembrarmos que São Paulo tem 11 milhões de habitantes.
As Igrejas pentecostais estão atraindo um número cada vez mais crescente de fiéis arrancados da Igreja Católica (nos últimos 30 anos, o percentual dos católicos brasileiros do total da população diminuiu de 91,7% para 73,8% e agora para 65%, enquanto as Igrejas protestantes evangélicas aumentaram de 5,2% para 17,9%).
Os cristãos de base atribuem a João Paulo II e ao seu guardião da ortodoxia, Joseph Ratzinger, o fato de terem "normalizado", nos anos 1980 e 1990, o clero e o episcopado sul-americano e de os terem preenchido com o Opus Dei e os Legionários de Cristo, colocando à margem aqueles teólogos da libertação que haviam deslocado muito para a esquerda o centro de gravidade da Igreja, dialogando com aquele comunismo que, ao contrário, o Vaticano estava combatendo no Leste Europeu.
E a atual e dramática hemorragia de fiéis em favor das seitas evangélicas também seria o fruto da marginalização dos padres mais estreitamente em contato com as camadas populares e com as massas das favelas. Ao mesmo tempo, a preocupação da Santa Sé se concentrou sobre a crise da disciplina eclesiástica, o crescimento das Igrejas evangélicas e da influência da teologia da libertação entre os jovens religiosos.
Os documentos do WikiLeaks revelam que o Vaticano estava preocupado com a conduta dos sacerdotes brasileiros com relação ao celibato. E assim se reabre uma questão de extrema delicadeza para a Santa Sé, em particular por causa do espinhoso tema do clero brasileiro (e sul-americano) próximo da teologia da libertação e das tensões com Roma, das quais uma prova gritante é o "caso Recife", ou seja, a controvérsia sobre o aborto da menina-mãe.
Segundo os documentos revelados pelo Wikileaks, o Vaticano manifestou uma profunda preocupação com o comportamento dos sacerdotes brasileiros, especialmente pela sua inobservância e indiferença para com a regra do celibato eclesiástico. A fonte citada pelo diplomata dos EUA no relatório é um prelado brasileiro, oficial da Secretaria de Estado, Dom Stefano Migliorelli, estreito colaborador do cardeal Tarcisio Bertone, que referia ao embaixador dos EUA, Francis Rooney, que a viagem de Bento XVI ao Brasil em 2007 nascia do alerta diante da situação da Igreja Católica local.
"Dom Migliorelli lamenta que o nível de preparação dos sacerdotes brasileiros é muito baixo e que, em muitos casos, não são respeitadas os princípios da disciplina clerical (por exemplo, o celibato eclesiásticos etc.)", evidencia o documento preparado pelo diplomata Francis Rooney para o governo norte-americano. Em outra passagem do relatório, elaborado em 2007, afirma-se que a crise sacerdotal, a queda das vocações e a indisciplina do clero na América Latina são piores do que nos Estados Unidos.
A Santa Sé, ainda de acordo com o comunicado dos EUA, expressou seu próprio alerta com o crescimento das Igrejas evangélicas no Brasil na região sul-americana. Segundo a Secretaria de Estado vaticana, o Brasil e a América Latina devem ser consideradas como uma "terra de missão", na qual é necessário "recomeçar do zero", e "o clero deve ser novamente formado" para frear o avanço das Igrejas evangélicas. Uma situação preocupante, portanto, denunciada pelo eclesiástico Migliorelli ao diplomata norte-americano Rooney. Há dois anos e meio, entre a Santa Sé e o episcopado brasileiro, a crise atingiu o nível de alerta. O que provocou tensão foi o "caso Recife".
A Igreja deve respeitar o profissionalismo dos médicos, mesmo quando eles fazem intervenções que parecem violar a lei eclesial, como no caso da menina de nove anos estuprada e forçada a abortar no Brasil porque corria risco de morte. A excomunhão à mãe e aos médicos é "um juízo que pesa como um machado e faz com que a Igreja pareça ser insensível". No dia 14 de marco de 2009, no L'Osservatore Romano, o então presidente da Pontifícia Academia para a Vida, Rino Fisichella, estigmatizou a posição assumida pelo arcebispo de Recife, José Cardoso Sobrinho [foto ao lado], que, uma semana antes, havia anunciado a grave sanção canônica contra aqueles que provocaram a interrupção da gravidez, apesar de a menina, grávida de dois gêmeos, correr o risco de morrer.
Tradução de Moisés Sbardelotto.Fonte: Instituto Humanitas Unisinos - On-Line- 17/10/2011 - Internet: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=48422
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Um cinquentenário perigoso
10.10.11 - Mundo - Adital
Marcelo Barros
Monge beneditino e escritor
(50 anos de Concílio Vaticano II)
Para qualquer instituição, todo projeto de reforma soa como ameaça. Até na vida humana, as fases de mudança são épocas de crise e dor. Nestes dias, a Igreja Católica inicia o 50º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, em Roma, no dia 11 de outubro de 1962. Desta semana até o próximo ano, no mundo inteiro, diversos eventos recordarão aquele evento que deu início a uma renovação da Igreja e a pôs em diálogo respeitoso e construtivo com o mundo contemporâneo. Se a Igreja quer ser fiel ao que, hoje, o Espírito de Deus diz às comunidades e ao mundo, deve prosseguir, com coragem e determinação, o diálogo com a humanidade e o trabalho exigente da sua renovação interna para melhor testemunhar o projeto divino neste mundo.
Há 50 anos, na Igreja Católica, o apego a tradições dos séculos medievais e modernos, como se existissem desde os tempos evangélicos, era ainda mais forte do que é hoje. Por isso, a maioria dos católicos estranhou quando, na noite de 25 de janeiro de 1959, o papa João XXIII participou de um culto pela unidade das Igrejas cristãs e declarou ao mundo a decisão de convocar um concílio geral que reunisse todos os bispos do mundo para renovar a Igreja Católica em vista de melhor se adequar ao caminho para a unidade com outras Igrejas cristãs.
João XXIII fazia uma distinção entre a Tradição (com t maiúsculo), memória da fé que vem de Jesus e as tradições (com t minúsculo), costumes que, durante o decorrer dos séculos, foram se juntando como elementos culturais na forma da Igreja ser. Para a renovação, o papa propunha dois critérios: voltar às fontes da fé e, ao mesmo tempo, atualizar o modo de ser e a linguagem da Igreja.
O Concílio Vaticano II teve quatro sessões e se encerrou em dezembro de 1965. Ofereceu à Igreja e ao mundo 16 documentos que foram referência para a renovação eclesial e para o diálogo com o mundo. Desde esta época, o mundo viveu não apenas uma época de fortes mudanças, mas uma verdadeira mudança de época. Mais de 80% das invenções atuais que parecem normais nas casas e na vida das pessoas de hoje não existiam no começo dos anos 60. Em todo o mundo as sociedades de cultura agrária se urbanizaram. Mesmo quem vive no campo, convive com carro, assiste televisão e, de alguma forma, está dentro de uma cultura urbana. Nesta sociedade, o conhecimento experimental é fundamental. A sociedade se organiza através de uma permanente transformação. Um programa, hoje, atual, dentro de seis meses estará desatualizado. Em todas as ciências a mudança é contínua e progressiva. Dentro de um contexto cultural assim, mesmo uma sociedade religiosa não pode se mostrar simplesmente avessa a mudanças.
No Evangelho, ao falar sobre a religião, Jesus diz: "Não adianta colocar remendo novo em roupa velha. O remendo repuxa o pano e rasgão fica maior ainda. Ninguém coloca vinho novo em barris velhos porque o vinho novo arrebenta os barris velhos e tanto o vinho como os barris se perdem. Para vinho novo (que é o evangelho), temos de ter barris novos” (Mc 2, 21- 22). No Apocalipse, a única palavra que é escutada diretamente de Deus é: "Eu sou aquele que faço novas todas as coisas” (Ap 21, 5). Esta palavra de Deus ressoa hoje para cristãos e não cristãos como um novo apelo para nos abrirmos à permanente mudança inspirada pelo Espírito de Deus nas Igrejas e no mundo.
Marcelo Barros
Monge beneditino e escritor
(50 anos de Concílio Vaticano II)
Para qualquer instituição, todo projeto de reforma soa como ameaça. Até na vida humana, as fases de mudança são épocas de crise e dor. Nestes dias, a Igreja Católica inicia o 50º aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, em Roma, no dia 11 de outubro de 1962. Desta semana até o próximo ano, no mundo inteiro, diversos eventos recordarão aquele evento que deu início a uma renovação da Igreja e a pôs em diálogo respeitoso e construtivo com o mundo contemporâneo. Se a Igreja quer ser fiel ao que, hoje, o Espírito de Deus diz às comunidades e ao mundo, deve prosseguir, com coragem e determinação, o diálogo com a humanidade e o trabalho exigente da sua renovação interna para melhor testemunhar o projeto divino neste mundo.
Há 50 anos, na Igreja Católica, o apego a tradições dos séculos medievais e modernos, como se existissem desde os tempos evangélicos, era ainda mais forte do que é hoje. Por isso, a maioria dos católicos estranhou quando, na noite de 25 de janeiro de 1959, o papa João XXIII participou de um culto pela unidade das Igrejas cristãs e declarou ao mundo a decisão de convocar um concílio geral que reunisse todos os bispos do mundo para renovar a Igreja Católica em vista de melhor se adequar ao caminho para a unidade com outras Igrejas cristãs.
João XXIII fazia uma distinção entre a Tradição (com t maiúsculo), memória da fé que vem de Jesus e as tradições (com t minúsculo), costumes que, durante o decorrer dos séculos, foram se juntando como elementos culturais na forma da Igreja ser. Para a renovação, o papa propunha dois critérios: voltar às fontes da fé e, ao mesmo tempo, atualizar o modo de ser e a linguagem da Igreja.
O Concílio Vaticano II teve quatro sessões e se encerrou em dezembro de 1965. Ofereceu à Igreja e ao mundo 16 documentos que foram referência para a renovação eclesial e para o diálogo com o mundo. Desde esta época, o mundo viveu não apenas uma época de fortes mudanças, mas uma verdadeira mudança de época. Mais de 80% das invenções atuais que parecem normais nas casas e na vida das pessoas de hoje não existiam no começo dos anos 60. Em todo o mundo as sociedades de cultura agrária se urbanizaram. Mesmo quem vive no campo, convive com carro, assiste televisão e, de alguma forma, está dentro de uma cultura urbana. Nesta sociedade, o conhecimento experimental é fundamental. A sociedade se organiza através de uma permanente transformação. Um programa, hoje, atual, dentro de seis meses estará desatualizado. Em todas as ciências a mudança é contínua e progressiva. Dentro de um contexto cultural assim, mesmo uma sociedade religiosa não pode se mostrar simplesmente avessa a mudanças.
No Evangelho, ao falar sobre a religião, Jesus diz: "Não adianta colocar remendo novo em roupa velha. O remendo repuxa o pano e rasgão fica maior ainda. Ninguém coloca vinho novo em barris velhos porque o vinho novo arrebenta os barris velhos e tanto o vinho como os barris se perdem. Para vinho novo (que é o evangelho), temos de ter barris novos” (Mc 2, 21- 22). No Apocalipse, a única palavra que é escutada diretamente de Deus é: "Eu sou aquele que faço novas todas as coisas” (Ap 21, 5). Esta palavra de Deus ressoa hoje para cristãos e não cristãos como um novo apelo para nos abrirmos à permanente mudança inspirada pelo Espírito de Deus nas Igrejas e no mundo.
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Profetismo dentro das estruturas eclesiais
05.10.11 - Mundo - César Augusto Rocha - Coordenador do Conselho Diocesano de Leigos/as – Diocese de Tianguá/CE
Adital
Como é difícil ser profeta dentro da própria Igreja, em algumas estruturas corroídas das sacristias. É mais cômodo olhar as grandes injustiças e situações de opressão nos porões da sociedade, do que vislumbrar os próprios erros, as próprias mazelas e equívocos. Depois de milênios de intolerância e autoritarismo, ainda não aprendemos a dialogar, a considerar nossas próprias falhas e limitações como etapas fundamentais no processo de amadurecimento pastoral. Aceitar essa realidade é o primeiro passo para ascendermos os degraus de uma compreensão mais apurada da fé cristã.
Existe um tipo de censura velada, e às vezes até escancarada, sobre aqueles que ousam questionar determinadas "verdades" tidas como invioláveis e inquestionáveis. Ora, tudo pode e deve ser questionado. Duvide sempre de uma fé que nunca foi provada pela dúvida! É vital, pois, superar determinadas barreiras culturais e eclesiais que nos separam e insistem em legitimar um modelo PIRAMIDAL e HIERARCOLÓGICO de Igreja.
O documento 62, Missão e Ministério dos Cristãos Leigos e Leigas, ratifica essa ideia apresentando a Igreja não mais como "hierarquia e laicato", binômio que mais distingue e separa do que une, mas sim como comunidade de carismas e ministérios. Pena que isso ainda não seja vivenciado em toda a sua concretude.
Para agravar ainda mais a situação, pesam sobre nós, leigos e leigas, séculos de submissão teológica e eclesial, "de objetificação e coisificação" e, por isso, infelizmente, grande parte ainda se considera como criança que deve ser levada pelas dóceis mãos do clero, como coisa (objeto) cujo ser vem de fora, cujo ser é dado pelos demais sujeitos eclesiais. Por isso, é tão difícil viver o profetismo diante dessa realidade.
Passados 50 anos depois do Concílio Vaticano II, podemos nos perguntar se já somos protagonistas ou se continuamos eclesialmente como ovelhas, medrosas e acuadas?!
Lamentavelmente, quando alguns leigos exercem atividades internas e mesmo ministérios a eles confiados, muitas vezes o fazem como uma sombra dos ministérios ordenados. Não se movem sem que o padre lhes diga para onde ir, o que fazer. Interessam-se pouco pela reflexão sobre sua vocação, buscando mais, e quase sempre somente, formação para as atividades pastorais, sendo esta, no mais das vezes, uma formação descontinuada, de baixa qualidade, servindo apenas para a execução adequada das atividades.
Até que ponto estamos interferindo nos rumos de nossa Igreja, em suas decisões e rumos? Nossas escolhas e opiniões, mesmo que desconcertantes para alguns, são ouvidas e refletidas?
Laicato teimoso e insistente esse nosso! Apesar de todas as pressões politicamente corretas dos que detém o poder, soberbo poder, ainda acreditamos na eclesialidade e na cidadania laical, e fazemos a santa madre Igreja avançar para águas mais profundas. São principalmente as comunidades, os romeiros e peregrinos, os devotos e agentes de pastoral, ministros da palavra e da eucaristia, missionários e missionárias; enfim, a incontável comunidade de leigos e leigas que sustenta o processo de evangelização aqui e acolá, nos pequenos e grandes centros.
As grandes mudanças que queremos para a sociedade precisam começar em nossas comunidades eclesiais e estruturas internas. Manter determinados conceitos e paradigmas é extremamente prejudicial para a construção do Reino de Deus que se inicia aqui e agora.
Adital
Como é difícil ser profeta dentro da própria Igreja, em algumas estruturas corroídas das sacristias. É mais cômodo olhar as grandes injustiças e situações de opressão nos porões da sociedade, do que vislumbrar os próprios erros, as próprias mazelas e equívocos. Depois de milênios de intolerância e autoritarismo, ainda não aprendemos a dialogar, a considerar nossas próprias falhas e limitações como etapas fundamentais no processo de amadurecimento pastoral. Aceitar essa realidade é o primeiro passo para ascendermos os degraus de uma compreensão mais apurada da fé cristã.
Existe um tipo de censura velada, e às vezes até escancarada, sobre aqueles que ousam questionar determinadas "verdades" tidas como invioláveis e inquestionáveis. Ora, tudo pode e deve ser questionado. Duvide sempre de uma fé que nunca foi provada pela dúvida! É vital, pois, superar determinadas barreiras culturais e eclesiais que nos separam e insistem em legitimar um modelo PIRAMIDAL e HIERARCOLÓGICO de Igreja.
O documento 62, Missão e Ministério dos Cristãos Leigos e Leigas, ratifica essa ideia apresentando a Igreja não mais como "hierarquia e laicato", binômio que mais distingue e separa do que une, mas sim como comunidade de carismas e ministérios. Pena que isso ainda não seja vivenciado em toda a sua concretude.
Para agravar ainda mais a situação, pesam sobre nós, leigos e leigas, séculos de submissão teológica e eclesial, "de objetificação e coisificação" e, por isso, infelizmente, grande parte ainda se considera como criança que deve ser levada pelas dóceis mãos do clero, como coisa (objeto) cujo ser vem de fora, cujo ser é dado pelos demais sujeitos eclesiais. Por isso, é tão difícil viver o profetismo diante dessa realidade.
Passados 50 anos depois do Concílio Vaticano II, podemos nos perguntar se já somos protagonistas ou se continuamos eclesialmente como ovelhas, medrosas e acuadas?!
Lamentavelmente, quando alguns leigos exercem atividades internas e mesmo ministérios a eles confiados, muitas vezes o fazem como uma sombra dos ministérios ordenados. Não se movem sem que o padre lhes diga para onde ir, o que fazer. Interessam-se pouco pela reflexão sobre sua vocação, buscando mais, e quase sempre somente, formação para as atividades pastorais, sendo esta, no mais das vezes, uma formação descontinuada, de baixa qualidade, servindo apenas para a execução adequada das atividades.
Até que ponto estamos interferindo nos rumos de nossa Igreja, em suas decisões e rumos? Nossas escolhas e opiniões, mesmo que desconcertantes para alguns, são ouvidas e refletidas?
Laicato teimoso e insistente esse nosso! Apesar de todas as pressões politicamente corretas dos que detém o poder, soberbo poder, ainda acreditamos na eclesialidade e na cidadania laical, e fazemos a santa madre Igreja avançar para águas mais profundas. São principalmente as comunidades, os romeiros e peregrinos, os devotos e agentes de pastoral, ministros da palavra e da eucaristia, missionários e missionárias; enfim, a incontável comunidade de leigos e leigas que sustenta o processo de evangelização aqui e acolá, nos pequenos e grandes centros.
As grandes mudanças que queremos para a sociedade precisam começar em nossas comunidades eclesiais e estruturas internas. Manter determinados conceitos e paradigmas é extremamente prejudicial para a construção do Reino de Deus que se inicia aqui e agora.
O perigo da Religião
21.09.11 - Mundo
José Antonio Pagola - Teólogo e biblista espanhol
Adital
Jesus leva uns dias em Jerusalém movendo-se à volta do templo. Não encontra pelas ruas o acolhimento amistoso das aldeias da Galileia. Os dirigentes religiosos que se cruzam no Seu caminho procuram desautorizá-lo ante as pessoas simples da capital. Não descansarão até envia-Lo para a cruz.
Jesus não perde a paz. Com paciência incansável continua a chama-los para a conversão. Conta-lhes um episódio simples que lhe ocorre ao vê-lo: a conversa de um pai que pede aos seus dois filhos que vão trabalhar a vinha da família.
O primeiro rejeita o pai com uma negativa categórica: «Não quero». Não lhe dá explicação alguma. Simplesmente não lhe apetece. No entanto, mais tarde reflete, dá-se conta que está a rejeitar o seu pai e, arrependido, dirige-se para a vinha.
O segundo atende amavelmente a petição do seu pai: «Vou, senhor». Parece desposto a cumprir os seus desejos, mas rapidamente se esquece do que disse. Não volta a pensar no seu pai. Tudo fica em palavras. Não se dirige para a vinha.
Para o caso de não terem entendido a Sua mensagem, Jesus dirigindo-se aos «sumo sacerdotes e aos anciãos da terra», aplica-lhes de forma direta e provocativa a parábola: «asseguro-vos que os publicanos e as prostitutas estão à vossa frente no caminho do reino de Deus». Quer que reconheçam a sua resistência para entrar no projeto do Pai.
Eles são os "profissionais" da religião: os que disseram um grande "sim" ao Deus do templo, os especialistas do culto, os guardiões da lei. Não sentem necessidade de converter-se. Por isso, quando veio o profeta João a preparar os caminhos a Deus, disseram-lhe "não"; quando chegou Jesus convidando-os a entrar no Seu reino, continuaram a dizer "não".
Pelo contrário, os publicanos e as prostitutas são os "profissionais do pecado": os que disseram um grande "não" ao Deus da religião; os que se colocaram fora da lei e do santo culto. No entanto, o seu coração manteve-se aberto à conversão. Quando veio João acreditaram nele; ao chegar Jesus acolheram-no.
A religião nem sempre conduz a fazer a vontade do Pai. Podemo-nos sentir seguros no cumprimento dos nossos deveres religiosos e habituar-nos a pensar que nós não necessitamos de converter-nos nem mudar. São os afastados da religião os que o hão-de fazer. Por isso é tão perigoso substituir o escutar o Evangelho pela piedade religiosa. Diz Jesus: "Nem todos os que me digam "Senhor", "Senhor" entrarão no reino de Deus, mas os que façam a vontade do Meu Pai do céu".
[Tradução: Antonio Manuel Álvarez Pérez. Enviado por Eclesalia Informativo].
José Antonio Pagola - Teólogo e biblista espanhol
Adital
Jesus leva uns dias em Jerusalém movendo-se à volta do templo. Não encontra pelas ruas o acolhimento amistoso das aldeias da Galileia. Os dirigentes religiosos que se cruzam no Seu caminho procuram desautorizá-lo ante as pessoas simples da capital. Não descansarão até envia-Lo para a cruz.
Jesus não perde a paz. Com paciência incansável continua a chama-los para a conversão. Conta-lhes um episódio simples que lhe ocorre ao vê-lo: a conversa de um pai que pede aos seus dois filhos que vão trabalhar a vinha da família.
O primeiro rejeita o pai com uma negativa categórica: «Não quero». Não lhe dá explicação alguma. Simplesmente não lhe apetece. No entanto, mais tarde reflete, dá-se conta que está a rejeitar o seu pai e, arrependido, dirige-se para a vinha.
O segundo atende amavelmente a petição do seu pai: «Vou, senhor». Parece desposto a cumprir os seus desejos, mas rapidamente se esquece do que disse. Não volta a pensar no seu pai. Tudo fica em palavras. Não se dirige para a vinha.
Para o caso de não terem entendido a Sua mensagem, Jesus dirigindo-se aos «sumo sacerdotes e aos anciãos da terra», aplica-lhes de forma direta e provocativa a parábola: «asseguro-vos que os publicanos e as prostitutas estão à vossa frente no caminho do reino de Deus». Quer que reconheçam a sua resistência para entrar no projeto do Pai.
Eles são os "profissionais" da religião: os que disseram um grande "sim" ao Deus do templo, os especialistas do culto, os guardiões da lei. Não sentem necessidade de converter-se. Por isso, quando veio o profeta João a preparar os caminhos a Deus, disseram-lhe "não"; quando chegou Jesus convidando-os a entrar no Seu reino, continuaram a dizer "não".
Pelo contrário, os publicanos e as prostitutas são os "profissionais do pecado": os que disseram um grande "não" ao Deus da religião; os que se colocaram fora da lei e do santo culto. No entanto, o seu coração manteve-se aberto à conversão. Quando veio João acreditaram nele; ao chegar Jesus acolheram-no.
A religião nem sempre conduz a fazer a vontade do Pai. Podemo-nos sentir seguros no cumprimento dos nossos deveres religiosos e habituar-nos a pensar que nós não necessitamos de converter-nos nem mudar. São os afastados da religião os que o hão-de fazer. Por isso é tão perigoso substituir o escutar o Evangelho pela piedade religiosa. Diz Jesus: "Nem todos os que me digam "Senhor", "Senhor" entrarão no reino de Deus, mas os que façam a vontade do Meu Pai do céu".
[Tradução: Antonio Manuel Álvarez Pérez. Enviado por Eclesalia Informativo].
segunda-feira, 3 de outubro de 2011
Congresso Continental de Teologia: novas perguntas para alimentar a esperança
12.09.11 - América Latina e Caribe
IHU - Unisinos - Instituto Humanitas Unisinos - Adital
Entrevista especial com María del Socorro Martínez, Pablo Bonavía e Roberto Urbina
10/9/2011
"O Concílio Vaticano II pôs a Igreja no mundo, e não a Igreja como central em si mesma”. Por outro lado, na América Latina, "a recepção e a aplicação do Concílio teve sua expressão na teologia da libertação como reflexão teológica”. Mas, diante do cenário social e eclesial do continente americano, brota o apelo: "Não podemos continuar involuindo”.
Nesse contexto, o Congresso Continental de Teologia, promovido pela Fundação Ameríndia junto com diversas organizações da América Latina e que irá ocorrer na Unisinos em outubro de 2012, não quer propor respostas, mas sim fomentar "novas perguntas para alimentar a esperança para seguir lutando por esse reino de Deus que queremos”.
Para conversar a respeito da preparação para o Congresso, a IHU On-Line se reuniu com os representantes da Fundação Ameríndia, que coordena os trabalhos de organização do encontro que pretende reunir 700 teólogos e teólogas de todo o continente americano. María del Socorro Martínez, Pablo Bonavía e Roberto Urbina estiveram no IHU no final do mês de agosto para reuniões de organização e para participar do evento de lançamento do sítio do Congresso.
María del Socorro Martínez é educadora mexicana e religiosa do Sagrado Coração de Jesus. É presidente do Comitê Coordenador da Ameríndia Continental. É também coordenadora da Rede de Educação Popular das Religiosas do Sagrado Coração de Jesus em nível latino-americano e caribenho. É membro das Comunidades Eclesiais de Base, das quais é animadora e articuladora na América Latina. Faz parte do Conselho de Liderança Social Global, em um projeto em favor dos jovens nos Estados Unidos e México.
Pablo Bonavía é sacerdote uruguaio do clero diocesano de Montevidéu. É coordenador do Observatório Eclesial da Ameríndia. É professor de teologia na Faculdade de Teologia Monseñor Mariano Soler. Foi coordenador-geral da Ameríndia Continental até 2008.
Roberto Urbina trabalhou durante 30 anos na Conferência Episcopal do Chile. Nos primeiros 20 anos, foi diretor nacional de comunicação e depois coordenador nacional da Cáritas Chile. É também fundador e diretor da Campanha Quaresma de Fraternidade da Igreja chilena. Foi consultor de empresas em comunicação corporativa e participa em várias organizações sociais chilenas, dentre as quais a Ameríndia, com a qual organizou as Jornadas Teológicas Regionais em julho de 2011 como secretário-executivo. Ele também foi escolhido como secretário-executivo do Congresso.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é necessário resgatar ou tensionar do Concílio Vaticano II nesta segunda década do século XXI, a partir dos 50 anos de sua convocatória?
Pablo Bonavía – Parece-me que há duas intuições básicas do Concílio Vaticano II que continuam sendo necessárias para elaborar uma reflexão teológica que responda aos desafios de hoje, e não aos do tempo do Concílio. E continuam sendo necessárias para um discurso, um discernimento que dê conta do que o Espírito tem dito à Igreja, tanto em nível mundial como na América Latina.
Um primeiro ingrediente é que a teologia não se refere exclusivamente às reflexões para dentro da comunidade eclesial, mas tem a ver com discernir o que Deus e o reino de Deus significam no mundo hoje em dia. A teologia está como que se descentrando de si mesma, não porque renuncia à sua tradição, mas porque a sua tradição está ao serviço do seu discernimento. Então, é importante resgatar essa ideia de que os sinais dos tempos constituem uma categoria central do Concílio, como disse João XXIII, e Paulo VI o repetiu, que não é somente um recordatório protocolar, mas, de fato, é um ingrediente indispensável para uma reflexão teológica pública, metodologicamente rigorosa, mas também atualizada para o que a humanidade e o continente estão vivendo hoje. Essa categoria de sinais dos tempos faz com que a teologia se sinta humildemente ao serviço do que Deus já está oferecendo no interior da vida humana e do cosmos.
A outra categoria que me parece importante é resgatar que o Povo de Deus, como conjunto, é um sujeito que, de alguma maneira, é prioritário com respeito a todas as diferenciações posteriores, por carisma ou por ministério. E, portanto, nesse Povo de Deus, todos e todas somos ativos, além de passivos – ou seja, somos protagonistas, além de receptivos.
Por último, eu diria que o modo como se produziu o Concílio – que não foi inventar tudo do zero, mas sim recolher o que, durante várias décadas, já havia sido a prática das pequenas comunidades, dos movimentos bíblicos, litúrgicos, ecumênicos etc. – veio recolher o melhor que havia sido produzido a partir do espaço cotidiano da vida cristã e das comunidades, a mesma coisa que irá acontecer depois em Medellín, para a América Latina. O que é preciso manter do Concílio, também, é o modo como ele, o Concílio, fez o seu discernimento, que não foi esperar uma revelação do alto sem mediações, mas sim recolher a que antes havia sido a experiência dos cristãos e das comunidades em um nível mais de base.
Roberto Urbina – Na linha do conceito de Povo de Deus no Concílio, eu acredito que há aí um conceito de que existe um sacerdócio comum, que todos os batizados e todos os crentes cristãos temos em comum, e de que os ministérios, então, são o exercício de um serviço, e não o exercício de um poder. Esse conceito também é uma contribuição importante do Concílio, a meu modo de ver, e que foi muito bem acolhido na Igreja da América Latina, em Medellín, em Puebla. Depois, produziu-se uma involução.
E hoje é um momento para recuperá-lo, porque essa recuperação responde a uma demanda, a um desafio e, em alguns casos, a uma exigência dos movimentos sociais, das sociedades de hoje, que interpelam os cristãos neste sentido: no modo pelo qual abusamos às vezes do poder e não o entendemos como serviço, como ministério. Dentro da Igreja, antes de bispos, padres, papa, somos todos cristãos. Como diz a famosa expressão de Santo Agostinho, "para vós sou bispo, convosco sou cristão”.
María del Socorro Martínez – O Concílio pôs a Igreja no mundo, e não a Igreja como central em si mesma. A Igreja está a serviço do mundo, se não ela perde a sua razão de ser. Ela é apresentada como sacramento de salvação, mas para esse mundo, e não ela mesma como parâmetro do que deve ser. E essa categoria de Povo de Deus ressoou muito na América Latina – nós a tomamos, a vivemos, especialmente nas comunidades de base. Mas ambas as coisas me parecem estar em involução, e por isso considero muito importante este momento para dizer: "Não podemos continuar involuindo”.
Se é necessário usar uma nova categoria, é preciso usá-la. Mas o que vemos é que a Igreja está outra vez centralizada em si mesma e não em função de uma missão salvífica no mundo, e um Povo de Deus que está submetido a uma hierarquia centralizadora. Então, para mim, essas foram contribuições do Vaticano II. Mas onde está hoje o Vaticano II? Por isso, há muito desconcerto.
Pablo Bonavía – As pessoas às vezes se sentem desautorizadas.
María del Socorro Martínez – Exatamente, e pela própria Igreja, que começa a usar outras categorias, definindo o que é o central, uma Igreja para dentro. Há um freio muito forte, uma mudança de linguagem. Então é uma interrogação. João XXIII disse: "Abramos as janelas e as portas da Igreja”, mas agora elas voltaram a se fechar. Por isso, hoje, embora o Concílio seja um ponto de referência importante, é preciso vê-lo no momento presente. Há necessidades de novas coisas.
IHU On-Line – A teologia da libertação, e o próprio conceito de libertação, foi pensada em um contexto específico da América Latina. Hoje, vivemos em outro contexto, embora a libertação continue sendo necessária. Qual o significado da "libertação” hoje e como a teologia pode pensar essa categoria no contexto atual do continente americano?
Pablo Bonavía – É uma pergunta profunda. Vou respondê-la, talvez, indiretamente. No Fórum Social Mundial, um dos seus grandes porta-vozes que é Boaventura de Sousa Santos disse que a questão ecológica incidiu de tal maneira no conceito de libertação que, hoje em dia, ninguém pode exigir exclusivamente que algum outro grupo se encarregue dessa questão. Essa questão envolve a todos e a todas nós. Portanto, a questão ecológica está obrigando toda a humanidade a desaprender uma maneira de se relacionar entre si e com a natureza que tem, sobre o domínio sobre a natureza e sobre o outro, sua categoria privilegiada.
Então, o que eu vejo que tem ocorrido nos últimos anos é um aprofundamento do conceito de libertação. Mas a demanda de libertação torna-se, cada vez mais, clara, no sentido de que recém estamos nos dando conta de até que ponto a modernidade – e, dentro da modernidade, o conceito capitalista de desenvolvimento – tem levado a relações de dominação entre grupos sociais, de países entre si e da humanidade sobre a natureza. A libertação tem que incluir todos esses aspectos: e não no sentido de que alguns libertam outros, mas sim que todos nos encarregamos de um processo em que nos libertamos reciprocamente.
María del Socorro Martínez – A partir da figura de Jesus, eu continuo resgatando a opção pelos pobres, mas não só na forma como a entendemos nos anos 1970. Eu continuo acreditando no pobre como sujeito de revelação privilegiada. E acredito que, às vezes, o mundo quer esquecer que existem pobres – é como uma tentação. Sim, todos estamos em uma complexidade. Mesmo na questão ecológica – e isto está comprovado pelas Nações Unidas –, a maior repercussão é nos setores pobres. No entanto, quem mais resgata a natureza são os povos originários. Arriscam a vida para defender as florestas. Em um mundo tão díspar, alguns são muito ricos, e continua havendo uma maioria pobre, dois terços da humanidade.
Quando questionam a teologia da libertação, eu respondo: "No seguimento de Jesus, a libertação implica também em olhar o mundo a partir daí”. Como eu me comprometo com esse mundo e como o próprio pobre se compromete com a sua realidade? Eu tenho que olhar para aí, porque, do contrário, me afasto desse seguimento de Jesus, radical. A contribuição da teologia da libertação e da América Latina, em particular, continua sendo muito válida, e para o mundo inteiro. Então, não podemos nos eximir dessa libertação. Nessa tentativa de olhar a partir daí, há uma conversão, que não vem de nenhum outro lado. E qual o nosso papel? É uma pergunta muito profunda. Que libertação? Não é só a material, mas também – a vida digna.
Roberto Urbina – Na América Latina, a recepção e a aplicação do Concílio Vaticano II teve sua expressão na teologia da libertação como reflexão teológica. Essa é uma primeira relação e vinculação que é preciso fazer. E, ao fazer isso, a Igreja na América Latina reconhece esse sacramento de libertação nos pobres. E a partir daí é que nós olhamos a construção do Reino. No entanto, no conceito de libertação, há também uma libertação interior, individual e necessária, que é libertar a mim mesmo – essa é a conversão. E também é dessa libertação que estamos falando. Hoje em dia, esse conceito de "pobre” é muito mais complexo do que há 40 anos. Nessa complexidade, eu vejo alguns outros "rostos” (como diz Puebla e depois Aparecida, novamente): a pobreza digital, todas as pessoas que ficam fora desse mundo das redes sociais por falta de recursos, e não porque não querem.
Mas me chama a atenção a busca no campo da espiritualidade. Eu acho que se abriu, hoje em dia, na sociedade, uma busca de rostos de Deus que não são o único rosto de Deus que tínhamos há 50 anos. Hoje, há muitos rostos de Deus, e as buscas são muito variadas. Então, as perguntas que as pessoas se fazem hoje acerca de Deus e sobre si mesmas são também muito complexas e muito diversas. Aí está se produzindo um elemento que complexifica essa libertação e nos obriga a nos colocar nesse processo de busca. Assim como com o Concílio abriu os ouvidos para escutar o mundo, hoje nós também precisamos abrir os ouvidos e escutar as demandas, as perguntas, os desafios do mundo e olhar com muita atenção para perscrutar esses sinais dos tempos, como dizia o Concílio, e a partir daí construir o reino de Deus.
María del Socorro Martínez – Na teologia da libertação, o primeiro momento é analisar a realidade. A agenda, por assim dizer, tem que ser ditada pela realidade, não por nós. O que está acontecendo no mundo atualmente e como perscrutar esses sinais? Isso é muito difícil, mas continua sendo muito válido. Hoje em dia, as mudanças da Igreja partem da doutrina, do magistério. Isso muda totalmente, porque é a Igreja que tem as respostas antes de ver a realidade. Nesse sentido, a teologia da libertação continua sendo uma diferença muito grande e, para nós, muito necessária e válida.
IHU On-Line – A partir desse contexto, surge o Congresso Continental de Teologia. Como animação aos participantes, qual é o desafio e a proposta do Congresso à teologia e aos teólogos/as nessa data tão significativa? A que ele se propõe? E sobre o que os teólogos/as são convidados/as a refletir nesse tempo de preparação?
Roberto Urbina – Eu acho que a Igreja hoje em dia precisa fazer uma reflexão teológica. Mas eu também acho que grande parte da Igreja da América Latina não vai fazê-la em uma perspectiva do Concílio. Por isso, eu acho que é responsabilidade nossa fomentar, favorecer, empurrar, provocar uma reflexão teológica diante dos rostos sofredores de hoje a partir da perspectiva do Concílio.
María del Socorro Martínez – Muitas pessoas se perguntam a respeito do Congresso: Qual vai ser a novidade? Ou à respeito da teologia da libertação: Qual é o "novo” que ela ofereceu? Ainda queremos receitas, respostas. E o que eu gostaria é que o Congresso abrisse perspectivas, e assim nos tornássemos, cada um e cada uma, responsáveis por esse presente que temos hoje – complexo, difícil, sobre o qual não sabemos todas as respostas. Há muitas mudanças, não podemos ter todas as respostas. Mas é precisamente por isso que eu gostaria de que o Congresso fizesse com que as pessoas saíssem questionadas, com novas perguntas.
Não vamos ter as respostas, mas vamos ter novas perguntas para alimentar a esperança para seguir lutando por esse reino de Deus que queremos. Há uma responsabilidade pessoal e coletiva para construir o reino de Deus. Que saiamos inquietos, militantes. Que o Congresso nos abra perspectivas. Por isso, o primeiro dia do Congresso me parece muito importante – a realidade. De que realidade vamos falar? Assim como o Vaticano II e Medellín abriram caminhos, sem repeti-los, do mesmo modo eu imagino o Congresso: que tenhamos a capacidade de abrir caminhos e de assumir responsabilidades no momento que nos coube viver.
Pablo Bonavía – Na leitura evangélica do domingo passado [21 de agosto], Jesus não aparece tanto como uma pessoa que dá respostas, mas sim como uma pessoa que convida as pessoas a se fazer perguntas e a descobrir, a partir do mais profundo de si mesmas, quais são essas respostas – quando lhes pergunta: "E vocês, quem dizem que eu sou?”. E Pedro responde, mas a partir do seu interior mais profundo, porque escutou o Pai que estava lhe sugerindo essa resposta, e lhe diz: "Tu és o Messias, tu és o Filho de Deus”.
Eu acredito que tanto a teologia quanto a catequese, incluindo aqui as homilias e o acompanhamento espiritual, deveriam nos ajudar a fazer as perguntas, porque as respostas, tanto no Concílio, quanto em Medellín, não vieram a partir de uma doutrina já elaborada ou a partir de uma pastoral rigorosamente planejada, mas sim de perguntas que ajudaram as pessoas a ir encontrando aquilo que é de Deus na prática cotidiana. Aí eu acredito que há um desafio para esse Congresso, que não quer dizer a última palavra sobre nenhum tema, mas considera, sim, que é obrigação da Igreja discernir quais são as verdadeiras perguntas e quais são os contextos para ir encontrando as respostas.
Nesse sentido, eu continuo pensando que as pequenas comunidades, por exemplo as comunidades eclesiais de base, continuam sendo o espaço onde as pessoas se dão conta de que podem dar o que não tinham – como na multiplicação dos pães. Quando elas se encontram com contextos de discernimento, em que os demais lhes ajudam a ver o que há de Deus neles, começam a viver e a dizer coisas que nem elas sabiam que traziam dentro. E acho que esse é justamente um dos desafios que vem dos mais pobres. O mais pobre dedica todas as suas energias para sobreviver, sobretudo para se defender, e não pode se dedicar a desenvolver o que, a partir de dentro, Deus lhe está dando. Justamente, quando esse pobre encontra espaços onde isso é possível, aí vem uma mudança muito profunda, que o mundo de hoje está exigindo. Porque tanto a exclusão social, quando a depredação ecológica estão obrigando a uma mudança cultural que, por sua vez, está convidando a uma mudança muito profunda de cada um e cada uma.
María del Socorro Martínez – Vivemos muitos anos querendo [o Congresso], mas o contexto não permitia. Eu sinto que agora o contexto está se revelando: a crise dos EUA, onde muitas coisas mudaram, essa mudança de uma grande potência, as manifestações juvenis, que aconteceram também em 1968, em nível mundial, e em 1972, no México, ou a decepção com a Igreja – eu lia, antes de chegar ao Brasil, que é a primeira vez que a porcentagem diminui para menos de 70%, com o crescimento de outras expressões religiosas. Então, há muitos sinais, muitas situações meio inéditas, que vão se conjugando em uma mudança, em que nos perguntamos: O que está acontecendo? Aí é que me parece que Deus está falando.
Pablo Bonavía – De nossa parte, também é preciso fazer um agradecimento muito especial ao Instituto Humanitas Unisinos, no sentido de que todo esse escutar-nos mutuamente, esse comunicar-nos, esse estimular-nos reciprocamente, hoje em dia, requerem também técnicas, espaços disponíveis, know-how. Um mundo que se tecnificou talvez perdeu rumos com relação a que homem e a que sociedade queremos que essa tecnificação esteja a serviço, tanto no mundo das comunicações como em todo o resto. Nesse sentido, fala muito bem do Instituto o fato de nos estarem brindando ferramentas para que esse Congresso, que vai assumir o desafio de poder congregar 700 pessoas, de fato, possa ser realizado de forma eficiente e verdadeira.
(Por Moisés Sbardelotto)
IHU - Unisinos - Instituto Humanitas Unisinos - Adital
Entrevista especial com María del Socorro Martínez, Pablo Bonavía e Roberto Urbina
10/9/2011
"O Concílio Vaticano II pôs a Igreja no mundo, e não a Igreja como central em si mesma”. Por outro lado, na América Latina, "a recepção e a aplicação do Concílio teve sua expressão na teologia da libertação como reflexão teológica”. Mas, diante do cenário social e eclesial do continente americano, brota o apelo: "Não podemos continuar involuindo”.
Nesse contexto, o Congresso Continental de Teologia, promovido pela Fundação Ameríndia junto com diversas organizações da América Latina e que irá ocorrer na Unisinos em outubro de 2012, não quer propor respostas, mas sim fomentar "novas perguntas para alimentar a esperança para seguir lutando por esse reino de Deus que queremos”.
Para conversar a respeito da preparação para o Congresso, a IHU On-Line se reuniu com os representantes da Fundação Ameríndia, que coordena os trabalhos de organização do encontro que pretende reunir 700 teólogos e teólogas de todo o continente americano. María del Socorro Martínez, Pablo Bonavía e Roberto Urbina estiveram no IHU no final do mês de agosto para reuniões de organização e para participar do evento de lançamento do sítio do Congresso.
María del Socorro Martínez é educadora mexicana e religiosa do Sagrado Coração de Jesus. É presidente do Comitê Coordenador da Ameríndia Continental. É também coordenadora da Rede de Educação Popular das Religiosas do Sagrado Coração de Jesus em nível latino-americano e caribenho. É membro das Comunidades Eclesiais de Base, das quais é animadora e articuladora na América Latina. Faz parte do Conselho de Liderança Social Global, em um projeto em favor dos jovens nos Estados Unidos e México.
Pablo Bonavía é sacerdote uruguaio do clero diocesano de Montevidéu. É coordenador do Observatório Eclesial da Ameríndia. É professor de teologia na Faculdade de Teologia Monseñor Mariano Soler. Foi coordenador-geral da Ameríndia Continental até 2008.
Roberto Urbina trabalhou durante 30 anos na Conferência Episcopal do Chile. Nos primeiros 20 anos, foi diretor nacional de comunicação e depois coordenador nacional da Cáritas Chile. É também fundador e diretor da Campanha Quaresma de Fraternidade da Igreja chilena. Foi consultor de empresas em comunicação corporativa e participa em várias organizações sociais chilenas, dentre as quais a Ameríndia, com a qual organizou as Jornadas Teológicas Regionais em julho de 2011 como secretário-executivo. Ele também foi escolhido como secretário-executivo do Congresso.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é necessário resgatar ou tensionar do Concílio Vaticano II nesta segunda década do século XXI, a partir dos 50 anos de sua convocatória?
Pablo Bonavía – Parece-me que há duas intuições básicas do Concílio Vaticano II que continuam sendo necessárias para elaborar uma reflexão teológica que responda aos desafios de hoje, e não aos do tempo do Concílio. E continuam sendo necessárias para um discurso, um discernimento que dê conta do que o Espírito tem dito à Igreja, tanto em nível mundial como na América Latina.
Um primeiro ingrediente é que a teologia não se refere exclusivamente às reflexões para dentro da comunidade eclesial, mas tem a ver com discernir o que Deus e o reino de Deus significam no mundo hoje em dia. A teologia está como que se descentrando de si mesma, não porque renuncia à sua tradição, mas porque a sua tradição está ao serviço do seu discernimento. Então, é importante resgatar essa ideia de que os sinais dos tempos constituem uma categoria central do Concílio, como disse João XXIII, e Paulo VI o repetiu, que não é somente um recordatório protocolar, mas, de fato, é um ingrediente indispensável para uma reflexão teológica pública, metodologicamente rigorosa, mas também atualizada para o que a humanidade e o continente estão vivendo hoje. Essa categoria de sinais dos tempos faz com que a teologia se sinta humildemente ao serviço do que Deus já está oferecendo no interior da vida humana e do cosmos.
A outra categoria que me parece importante é resgatar que o Povo de Deus, como conjunto, é um sujeito que, de alguma maneira, é prioritário com respeito a todas as diferenciações posteriores, por carisma ou por ministério. E, portanto, nesse Povo de Deus, todos e todas somos ativos, além de passivos – ou seja, somos protagonistas, além de receptivos.
Por último, eu diria que o modo como se produziu o Concílio – que não foi inventar tudo do zero, mas sim recolher o que, durante várias décadas, já havia sido a prática das pequenas comunidades, dos movimentos bíblicos, litúrgicos, ecumênicos etc. – veio recolher o melhor que havia sido produzido a partir do espaço cotidiano da vida cristã e das comunidades, a mesma coisa que irá acontecer depois em Medellín, para a América Latina. O que é preciso manter do Concílio, também, é o modo como ele, o Concílio, fez o seu discernimento, que não foi esperar uma revelação do alto sem mediações, mas sim recolher a que antes havia sido a experiência dos cristãos e das comunidades em um nível mais de base.
Roberto Urbina – Na linha do conceito de Povo de Deus no Concílio, eu acredito que há aí um conceito de que existe um sacerdócio comum, que todos os batizados e todos os crentes cristãos temos em comum, e de que os ministérios, então, são o exercício de um serviço, e não o exercício de um poder. Esse conceito também é uma contribuição importante do Concílio, a meu modo de ver, e que foi muito bem acolhido na Igreja da América Latina, em Medellín, em Puebla. Depois, produziu-se uma involução.
E hoje é um momento para recuperá-lo, porque essa recuperação responde a uma demanda, a um desafio e, em alguns casos, a uma exigência dos movimentos sociais, das sociedades de hoje, que interpelam os cristãos neste sentido: no modo pelo qual abusamos às vezes do poder e não o entendemos como serviço, como ministério. Dentro da Igreja, antes de bispos, padres, papa, somos todos cristãos. Como diz a famosa expressão de Santo Agostinho, "para vós sou bispo, convosco sou cristão”.
María del Socorro Martínez – O Concílio pôs a Igreja no mundo, e não a Igreja como central em si mesma. A Igreja está a serviço do mundo, se não ela perde a sua razão de ser. Ela é apresentada como sacramento de salvação, mas para esse mundo, e não ela mesma como parâmetro do que deve ser. E essa categoria de Povo de Deus ressoou muito na América Latina – nós a tomamos, a vivemos, especialmente nas comunidades de base. Mas ambas as coisas me parecem estar em involução, e por isso considero muito importante este momento para dizer: "Não podemos continuar involuindo”.
Se é necessário usar uma nova categoria, é preciso usá-la. Mas o que vemos é que a Igreja está outra vez centralizada em si mesma e não em função de uma missão salvífica no mundo, e um Povo de Deus que está submetido a uma hierarquia centralizadora. Então, para mim, essas foram contribuições do Vaticano II. Mas onde está hoje o Vaticano II? Por isso, há muito desconcerto.
Pablo Bonavía – As pessoas às vezes se sentem desautorizadas.
María del Socorro Martínez – Exatamente, e pela própria Igreja, que começa a usar outras categorias, definindo o que é o central, uma Igreja para dentro. Há um freio muito forte, uma mudança de linguagem. Então é uma interrogação. João XXIII disse: "Abramos as janelas e as portas da Igreja”, mas agora elas voltaram a se fechar. Por isso, hoje, embora o Concílio seja um ponto de referência importante, é preciso vê-lo no momento presente. Há necessidades de novas coisas.
IHU On-Line – A teologia da libertação, e o próprio conceito de libertação, foi pensada em um contexto específico da América Latina. Hoje, vivemos em outro contexto, embora a libertação continue sendo necessária. Qual o significado da "libertação” hoje e como a teologia pode pensar essa categoria no contexto atual do continente americano?
Pablo Bonavía – É uma pergunta profunda. Vou respondê-la, talvez, indiretamente. No Fórum Social Mundial, um dos seus grandes porta-vozes que é Boaventura de Sousa Santos disse que a questão ecológica incidiu de tal maneira no conceito de libertação que, hoje em dia, ninguém pode exigir exclusivamente que algum outro grupo se encarregue dessa questão. Essa questão envolve a todos e a todas nós. Portanto, a questão ecológica está obrigando toda a humanidade a desaprender uma maneira de se relacionar entre si e com a natureza que tem, sobre o domínio sobre a natureza e sobre o outro, sua categoria privilegiada.
Então, o que eu vejo que tem ocorrido nos últimos anos é um aprofundamento do conceito de libertação. Mas a demanda de libertação torna-se, cada vez mais, clara, no sentido de que recém estamos nos dando conta de até que ponto a modernidade – e, dentro da modernidade, o conceito capitalista de desenvolvimento – tem levado a relações de dominação entre grupos sociais, de países entre si e da humanidade sobre a natureza. A libertação tem que incluir todos esses aspectos: e não no sentido de que alguns libertam outros, mas sim que todos nos encarregamos de um processo em que nos libertamos reciprocamente.
María del Socorro Martínez – A partir da figura de Jesus, eu continuo resgatando a opção pelos pobres, mas não só na forma como a entendemos nos anos 1970. Eu continuo acreditando no pobre como sujeito de revelação privilegiada. E acredito que, às vezes, o mundo quer esquecer que existem pobres – é como uma tentação. Sim, todos estamos em uma complexidade. Mesmo na questão ecológica – e isto está comprovado pelas Nações Unidas –, a maior repercussão é nos setores pobres. No entanto, quem mais resgata a natureza são os povos originários. Arriscam a vida para defender as florestas. Em um mundo tão díspar, alguns são muito ricos, e continua havendo uma maioria pobre, dois terços da humanidade.
Quando questionam a teologia da libertação, eu respondo: "No seguimento de Jesus, a libertação implica também em olhar o mundo a partir daí”. Como eu me comprometo com esse mundo e como o próprio pobre se compromete com a sua realidade? Eu tenho que olhar para aí, porque, do contrário, me afasto desse seguimento de Jesus, radical. A contribuição da teologia da libertação e da América Latina, em particular, continua sendo muito válida, e para o mundo inteiro. Então, não podemos nos eximir dessa libertação. Nessa tentativa de olhar a partir daí, há uma conversão, que não vem de nenhum outro lado. E qual o nosso papel? É uma pergunta muito profunda. Que libertação? Não é só a material, mas também – a vida digna.
Roberto Urbina – Na América Latina, a recepção e a aplicação do Concílio Vaticano II teve sua expressão na teologia da libertação como reflexão teológica. Essa é uma primeira relação e vinculação que é preciso fazer. E, ao fazer isso, a Igreja na América Latina reconhece esse sacramento de libertação nos pobres. E a partir daí é que nós olhamos a construção do Reino. No entanto, no conceito de libertação, há também uma libertação interior, individual e necessária, que é libertar a mim mesmo – essa é a conversão. E também é dessa libertação que estamos falando. Hoje em dia, esse conceito de "pobre” é muito mais complexo do que há 40 anos. Nessa complexidade, eu vejo alguns outros "rostos” (como diz Puebla e depois Aparecida, novamente): a pobreza digital, todas as pessoas que ficam fora desse mundo das redes sociais por falta de recursos, e não porque não querem.
Mas me chama a atenção a busca no campo da espiritualidade. Eu acho que se abriu, hoje em dia, na sociedade, uma busca de rostos de Deus que não são o único rosto de Deus que tínhamos há 50 anos. Hoje, há muitos rostos de Deus, e as buscas são muito variadas. Então, as perguntas que as pessoas se fazem hoje acerca de Deus e sobre si mesmas são também muito complexas e muito diversas. Aí está se produzindo um elemento que complexifica essa libertação e nos obriga a nos colocar nesse processo de busca. Assim como com o Concílio abriu os ouvidos para escutar o mundo, hoje nós também precisamos abrir os ouvidos e escutar as demandas, as perguntas, os desafios do mundo e olhar com muita atenção para perscrutar esses sinais dos tempos, como dizia o Concílio, e a partir daí construir o reino de Deus.
María del Socorro Martínez – Na teologia da libertação, o primeiro momento é analisar a realidade. A agenda, por assim dizer, tem que ser ditada pela realidade, não por nós. O que está acontecendo no mundo atualmente e como perscrutar esses sinais? Isso é muito difícil, mas continua sendo muito válido. Hoje em dia, as mudanças da Igreja partem da doutrina, do magistério. Isso muda totalmente, porque é a Igreja que tem as respostas antes de ver a realidade. Nesse sentido, a teologia da libertação continua sendo uma diferença muito grande e, para nós, muito necessária e válida.
IHU On-Line – A partir desse contexto, surge o Congresso Continental de Teologia. Como animação aos participantes, qual é o desafio e a proposta do Congresso à teologia e aos teólogos/as nessa data tão significativa? A que ele se propõe? E sobre o que os teólogos/as são convidados/as a refletir nesse tempo de preparação?
Roberto Urbina – Eu acho que a Igreja hoje em dia precisa fazer uma reflexão teológica. Mas eu também acho que grande parte da Igreja da América Latina não vai fazê-la em uma perspectiva do Concílio. Por isso, eu acho que é responsabilidade nossa fomentar, favorecer, empurrar, provocar uma reflexão teológica diante dos rostos sofredores de hoje a partir da perspectiva do Concílio.
María del Socorro Martínez – Muitas pessoas se perguntam a respeito do Congresso: Qual vai ser a novidade? Ou à respeito da teologia da libertação: Qual é o "novo” que ela ofereceu? Ainda queremos receitas, respostas. E o que eu gostaria é que o Congresso abrisse perspectivas, e assim nos tornássemos, cada um e cada uma, responsáveis por esse presente que temos hoje – complexo, difícil, sobre o qual não sabemos todas as respostas. Há muitas mudanças, não podemos ter todas as respostas. Mas é precisamente por isso que eu gostaria de que o Congresso fizesse com que as pessoas saíssem questionadas, com novas perguntas.
Não vamos ter as respostas, mas vamos ter novas perguntas para alimentar a esperança para seguir lutando por esse reino de Deus que queremos. Há uma responsabilidade pessoal e coletiva para construir o reino de Deus. Que saiamos inquietos, militantes. Que o Congresso nos abra perspectivas. Por isso, o primeiro dia do Congresso me parece muito importante – a realidade. De que realidade vamos falar? Assim como o Vaticano II e Medellín abriram caminhos, sem repeti-los, do mesmo modo eu imagino o Congresso: que tenhamos a capacidade de abrir caminhos e de assumir responsabilidades no momento que nos coube viver.
Pablo Bonavía – Na leitura evangélica do domingo passado [21 de agosto], Jesus não aparece tanto como uma pessoa que dá respostas, mas sim como uma pessoa que convida as pessoas a se fazer perguntas e a descobrir, a partir do mais profundo de si mesmas, quais são essas respostas – quando lhes pergunta: "E vocês, quem dizem que eu sou?”. E Pedro responde, mas a partir do seu interior mais profundo, porque escutou o Pai que estava lhe sugerindo essa resposta, e lhe diz: "Tu és o Messias, tu és o Filho de Deus”.
Eu acredito que tanto a teologia quanto a catequese, incluindo aqui as homilias e o acompanhamento espiritual, deveriam nos ajudar a fazer as perguntas, porque as respostas, tanto no Concílio, quanto em Medellín, não vieram a partir de uma doutrina já elaborada ou a partir de uma pastoral rigorosamente planejada, mas sim de perguntas que ajudaram as pessoas a ir encontrando aquilo que é de Deus na prática cotidiana. Aí eu acredito que há um desafio para esse Congresso, que não quer dizer a última palavra sobre nenhum tema, mas considera, sim, que é obrigação da Igreja discernir quais são as verdadeiras perguntas e quais são os contextos para ir encontrando as respostas.
Nesse sentido, eu continuo pensando que as pequenas comunidades, por exemplo as comunidades eclesiais de base, continuam sendo o espaço onde as pessoas se dão conta de que podem dar o que não tinham – como na multiplicação dos pães. Quando elas se encontram com contextos de discernimento, em que os demais lhes ajudam a ver o que há de Deus neles, começam a viver e a dizer coisas que nem elas sabiam que traziam dentro. E acho que esse é justamente um dos desafios que vem dos mais pobres. O mais pobre dedica todas as suas energias para sobreviver, sobretudo para se defender, e não pode se dedicar a desenvolver o que, a partir de dentro, Deus lhe está dando. Justamente, quando esse pobre encontra espaços onde isso é possível, aí vem uma mudança muito profunda, que o mundo de hoje está exigindo. Porque tanto a exclusão social, quando a depredação ecológica estão obrigando a uma mudança cultural que, por sua vez, está convidando a uma mudança muito profunda de cada um e cada uma.
María del Socorro Martínez – Vivemos muitos anos querendo [o Congresso], mas o contexto não permitia. Eu sinto que agora o contexto está se revelando: a crise dos EUA, onde muitas coisas mudaram, essa mudança de uma grande potência, as manifestações juvenis, que aconteceram também em 1968, em nível mundial, e em 1972, no México, ou a decepção com a Igreja – eu lia, antes de chegar ao Brasil, que é a primeira vez que a porcentagem diminui para menos de 70%, com o crescimento de outras expressões religiosas. Então, há muitos sinais, muitas situações meio inéditas, que vão se conjugando em uma mudança, em que nos perguntamos: O que está acontecendo? Aí é que me parece que Deus está falando.
Pablo Bonavía – De nossa parte, também é preciso fazer um agradecimento muito especial ao Instituto Humanitas Unisinos, no sentido de que todo esse escutar-nos mutuamente, esse comunicar-nos, esse estimular-nos reciprocamente, hoje em dia, requerem também técnicas, espaços disponíveis, know-how. Um mundo que se tecnificou talvez perdeu rumos com relação a que homem e a que sociedade queremos que essa tecnificação esteja a serviço, tanto no mundo das comunicações como em todo o resto. Nesse sentido, fala muito bem do Instituto o fato de nos estarem brindando ferramentas para que esse Congresso, que vai assumir o desafio de poder congregar 700 pessoas, de fato, possa ser realizado de forma eficiente e verdadeira.
(Por Moisés Sbardelotto)
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