Os rios cársticos correm debaixo da terra, mas mais cedo ou mais tarde retornam à luz. Foi o que ocorreu no sábado, 16, em Firenze, no encontro que reuniu 350 pessoas de toda a Itália, indivíduos cristãos e representantes de grupos, paróquias, comunidades de base. O rio cárstico do mundo que se reconhece em uma Igreja mais conciliar e mais sinodal voltou à luz. Uma Igreja que não se reduz aos movimentos, à hierarquia, à religião civil que – apontando a natureza como referência para a ética – busca reencontrar uma centralidade na sociedade como instituição, apontando mais para a relevância social do que para a força do Evangelho.
O relato é de Christian Albini, publicado no blog Sperare per tutti, do jornal La Stampa, 19-05-2009.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A iniciativa teve um porte nacional, apesar de a informação ter sido difundida em grande parte pelo boca a boca informal, por causa do mal estar que uma parte do povo de Deus sente, "o sofrimento de justamente não ver o Evangelho do Reino, anunciado por Jesus aos pobres, aos pecadores, aos que jazem sob o domínio do mal, no centro da atenção comum, enquanto cresce exageradamente a pregação da Lei". "Gostaria, no entanto, que ficasse claro que esse encontro não é contra ninguém, mas é por algo", explicou Pe. Paolo Giannoni, oblato camaldolense e um dos principais promotores da iniciativa. Do seu ermo em Mosciano, na Toscana, ele indica que "ninguém está excluído desse caminho. A atitude é inclusiva, de abertura, e afirma uma Igreja que, como a veste de Jesus, toda tecida em uma parte, é unida, mas não uniforme".
"Uniformizá-la significaria perder a sua grande riqueza. Diante de um método que há anos vem se afirmando numa via excludente, queremos uma abertura que diga claramente que o Senhor nos chamou para edificar não uma Igreja que condena, mas uma Igreja que manifeste a misericórdia do Pai, que viva na liberdade do Espírito, que saiba sofrer e se alegrar com toda mulher e com todo homem que lhe é dado encontrar".
A intenção, enfim, era dar alento, voz e esperança àqueles fiéis que não se reconhecem plenamente nas orientações do atual período eclesial. Havia os "filhos" de Dossetti, de Turoldo, de Balducci: estudiosos como Alberto Melloni; padres que conjugam o serviço aos últimos e o aprofundamento da Palavra como Giovanni Nicolini; teólogos como Giuseppe Ruggieri e Serena Noceti; padres operários; realidades locais e nacionais de todo o tipo como "Noi siamo Chiesa", "Pax Christi", "Il chicco di senape" de Turim, "Il gallo" de Gênova, grupos de fiéis homossexuais e muitos outros... Chegaram mensagens de Luigi Bettazzi e Camillo De Piaz, entre os últimos protagonistas do período conciliar. Pessoas e ambientes com uma história muitas vezes importante se encontraram. Os dois troncos principais eram o do dissenso católico e o do catolicismo democrático, nem sempre capaz de colaborar ao longo dos anos.
Enrico Peyretti e Ugo Rosenberg de Turim iniciaram com um reconhecimento das cerca de 40 contribuições que foram enviadas em vista do encontro, fazendo emergir cinco pontos centrais: a mudez do laicato, a mundanização da sociedade e da Igreja, o esquecimento do Concílio, o analfabetismo bíblico e o déficit de gratuidade e pobreza no agir eclesial. Foi retomada também a pergunta de Helder Câmara que eu havia proposto no texto enviado por mim: "Se os bispos são os sucessores dos apóstolos, onde estão os sucessores dos profetas e dos doutores?", interrogação que expressa o desejo de uma Igreja una, mas não uniforme, marcada pela riqueza da variedade. Como é a Igreja narrada pela Bíblia.
As duas relações principais foram as de Paolo Giannoni e Giuseppe Ruggieri.
O primeiro deteve-se na força do Evangelho proclamado por Jesus, que assumiu todas as realidades humanas, "tocou" os corpos para infundir a cura, se sentou à mesa com os pecadores, tornando o mistério do amor trinitário visível aos nossos olhos e palpável às nossas mãos. Um amor que contém dentro de si o outro e que constitui a forma da Igreja. Cristo não exclui ninguém, mas assume tudo e todos. Isso tem diversas consequências para a vida da Igreja, entre as quais o fato de estarmos todos em busca, em crescimento, e a necessidade de um "convir".
Giuseppe Ruggieri, pelo contrário, expôs os elementos de uma Igreja da fraternidade e da amizade, conduzida não por uma doutrina, mas por algumas experiências fundamentais: a liturgia como fonte da liberdade da Igreja e como base da sua sinodalidade (na "Sacrosanctum concilium", a liturgia é apresentada tanto como dom de Deus, como participação); o chamado da Igreja a seguir Jesus pobre no anúncio do Evangelho (pelo qual o Evangelho basta a si mesmo, sem necessidade de sustentações temporais); enfim, a misericórdia contínua do Pai como fundamento da Igreja (a qual subsiste só sobre o fundamento da graça e não dos próprios méritos) e o anúncio aos homens e às mulheres (uma Igreja sem pecado, então, é ilusão e até o fim dos tempos ela leva consigo a cizânia. Por isso, só é possível voltar-se aos outros com a ternura e a misericórdia recebidas de Deus).
A proposta final de Ruggieri foi a de um fórum permanente dos cristãos, um evento de Igreja que seja a atuação da sinodalidade tão evocada.
Nas breves intervenções que se sucederam durante a tarde, a necessidade de um encontro desse tipo e o desejo de seguir adiante foram uma constante. Além do fórum, falou-se sobre um conselho de leigos, de Internet, de coordenação e expressões semelhantes. Em algumas prevaleceu a denúncia, a invectiva (nascidas muitas vezes de feridas profundas), mas o que é verdadeiramente decisivo são as perspectivas futuras, para que o encontro de Firenze não seja um fogo de palha. Perder-se nas condenações significaria replicar o estilo que não é aceito por parte da hierarquia e seria um exercício leviano, além de estar em contradição com o pedido de uma comunidade cristã verdadeiramente acolhedora. Não por acaso, Giannoni convidou que fossem recolhidas as razões de todos e afirmou que, em uma ocasião do gênero, teria sido significativo se bispos e lefebvrianos também tivessem participado.
A necessidade de mais liberdade, de ter mais voz, de busca, de contribuir com a missão da Igreja requerem uma tradução em um percurso e em uma idealização que faça surgir essa opinião pública hoje ausente na Igreja. Não para transformar a comunidade cristã em um parlamento ou em uma organização, mas para dar espaço à ação do Espírito que sopra sobre todos os discípulos do Senhor, e não só sobre estes.
Os temas colocados sobre a mesa foram muitos: os últimos, a paz, a laicidade, a imigração, as mulheres na Igreja... Todos importantes, mas se estivemos reunidos para fazer uma experiência de Igreja (antes que política ou cultural), que não é possível nos contextos "oficiais", então o objeto de estarmos reunidos foi, antes de tudo, a Igreja, o modo de concebê-la e de vivê-la na fé, que se reflete na aproximação a outros temas e nas escolhas operativas dos fiéis. Aprofundar e praticar uma outra face de Igreja é tornar operante a própria fé, como disse Ruggieri, isto é, uma fé que saiba desenvolver a energia nas coisas em que se acredita. De fato, entre as breves intervenções da tarde, achei particularmente incisiva a de Serena Noceti, que, com grande capacidade sintética e força conceitual, indicou na eclesiologia a direção para a qual prosseguir a partir dos textos conciliares. Sem ignorar os fortes momentos de oração, como pediu Gianni Geraci.
A meu ver, ao se dar seguimento ao encontro de Firenze, será decisiva a dimensão da comunicação. Há um abismo a ser ultrapassado, é preciso manter a lâmpada alta, para que ilumine. Mesmo que positivo e enriquecedor, foi um momento para os "adeptos aos trabalhos". Havia pessoas de grande valor e estatura, mas a idade média elevada era índice do pertencimento a mundos que os 30 anos de "freio de mão" sobre o Concílio esvaziaram e destruíram, empurrando para a periferia do espaço eclesial. É tempo de fazer crescer uma nova geração. Eis porque é decisivo trabalhar a comunicação.
Se houver, como se projetou, outros encontros (um ou dois por ano, talvez alternando entre o norte e o sul da Itália), a comunicação se torna indispensável para ampliar o envolvimento e a participação. O dia 16 de maio não deveria ser repetido, mas deveria ser um ponto de partida para criar momentos de Igreja inclusivos e abertos, para fazer crescer vozes que saibam verdadeiramente fazer-se ouvir, para fazer crescer uma consciência conciliar. Senão, o risco é criar um círculo fechado, elitista, em que só se fala para dentro.
Agora há duas eventualidades (e uma grande responsabilidade) para os promotores: o encontro de Firenze pode ser um alvorecer ou um declínio para o Concílio na Itália, o canto do cisne de uma geração, ou o início de uma nova história. A minha sugestão é que se use a Internet para manter o contato entre os participantes, recolhendo ideias sobre os passos futuros e mantendo assim o estilo de acolhida de cada contribuição que caracterizou a preparação desse encontro.
As forças progressistas, da Teologia da Libertação, incluindo teólogos/as, pastorais sociais, Cebs, agentes de pastoral, religiosos/as, leigos e leigas, se mobilizaram para participar da Conferencia de Aparecida (2007) - uma des suas ações foi a Tenda dos Mártires, como espaço aberto, celebrativo, por 15 dias, enquanto durou a Conferência. A Tenda dos Mártires foi um alerta à toda Igreja para não esquecer seus mártires, sua caminhada, sua identidade de libertação.
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quarta-feira, 30 de novembro de 2011
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