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terça-feira, 9 de outubro de 2012

Cinquenta anos carregados de recordações. O Congresso Continental de Teologia volta a ler a realidade à luz do Concílio Vaticano II [artigo]

09.10.12 - Mundo
José Guadalupe Sánchez Suárez
Centro de Estudios Ecuménicos / Observatorio Eclesial São Leopoldo
Adital
Tradução: ADITAL
O poeta uruguaio Eduardo Galeano nos lembra que "recordar” é mais do que rememorar; é voltar a passar, profundamente, pelo coração. Isso é o que está acontecendo no ainda jovem desenvolvimento do Congresso Continental de Teologia: 50 anos de caminhar eclesial, em um piscar de olhos, passaram pelos corações das/dos mais de setecentos congressistas, enchendo-os de gozos e esperanças, tanto quanto de angústias e tristezas, que moveram as igrejas católicas a abrir-se ao mundo naquela primavera no início dos anos sessenta; porém, também, foram as que, anos depois, provocaram no coração da igreja latino-americana o despertar de libertação frente à opressão e à injustiça; e, digamos, também as que hoje nos convocam por quatro dias, em São Leopoldo, Brasil; e urgem uma resposta das igrejas latino-americanas e caribenhas frente a um inesperado e catastrófico cenário mundial, onde a exclusão e a exploração da humanidade pela própria humanidade estão no ápice, levando-nos à beira de destruição global.
Após um dia do início do Congresso, há um alvoroço crescente entre os animados participantes. Ao calor primaveril do sul do continente, soma-se o calor humano da congregação, seu colorido, sua dinâmica. Definitivamente, esta não é uma igreja calada frente à violência sistêmica que nos assola. Entre a espada (do poder econômico mundial) e a parede (da instituição eclesiástica), levantou a voz para denunciar a voracidade dos poderosos e anunciar que outro mundo é possível, necessário e urgente. Com essa voz em aumento, diz que a teologia latino-americana continua viva, pois mais viva do que nunca está a pobreza e a necessidade de libertação; e para angústia das hierarquias vaticanas e latino-americanas, essas vozes do Congresso, como o barulho dos pássaros que nos despertam pela manhã, dizem também que não são de uma única teologia da libertação; mas, de muitas teologias que têm sido gestadas, reinventando frente à involução eclesial e à crise do mundo, nascendo das práticas de muitas mulheres e homens comprometidos com a justiça em nosso continente e no mundo. E agora congregaram-se muitas, apesar de que não estão presentes todas.
Vivida a primeira de quatro etapas programadas, a das interpelações e perguntas que o mundo atual faz às teologias da libertação, foram antecipadas importantes contribuições, múltiplas aproximações e leituras da realidade, certeiras interpretações das causas econômicas da débâcle mundial. Não havia acontecido ainda um encontro de tão ampla confluência e representatividade onde àqueles que viveram a experiência conciliar congregaram-se com os que lhe deram continuidade com criatividade na América Latina e com os que, atualmente, a mantêm viva. É alentador descobrir a presença de muitasõs jovens que a tantas décadas de distância, encontram-se contagiados pelas ideias conciliares e, melhor ainda, contagiam à teologia da libertação com novas forças, expressões, intenções. Exceto Gustavo Gutiérrez, Pilar Aquino e Ivone Gabara, ausentes por circunstâncias diversas, alheias a suas vontades, congregaram-se todas/os os considerados máximos representantes das teologias de libertação na América Latina: Leonardo Boff, Pedro Trigo, Jon Sobrino, Elsa Támez, Maria Clara Bingemer, Víctor Codina, Jung Mo Sung, Pablo Richard, Paulo Suess, Maricarmen Bracamontes, José Oscar Beozzo, Chico Whitaker, Carlos Mesters, Eleazar López, José María Vigil, João Batista Libanio… Bem como teólogos europeus e norte-americanos: Andrés Torres Queiruga, Juan Carlos Scanonne, Peter Phan, entre outros e outras, e mais que irão chegando e que convivem e intercambiam pensamento com as novas gerações de teólogos/as de hoje. É desse diálogo intergeneracional e intergênero que fecundam as teologias da libertação, abrem-se passo entre a gama de pensamentos sociais e científicos contemporâneos e pós-modernos e nos oferecem um colorido e inacabado tecido de propostas cristãs presentes no Congresso Continental de teologia e todo o continente latino-americano e caribenho. É cedo ainda para fazer uma avaliação desse importante acontecimento; porém, podemos dizer que o ânimo cresce, da mesma forma que as expectativas e o ambiente reflete igrejas vivas em meio ao desalento de muitas/os; definitivamente, em palavras de Pedro Trigo, é um momento de graça, kairós evangélico, signo de esperança para a práxis de libertação e para as teologias que dela nascem; oportunidade para que o mundo creia e a igreja não se esquive mais de seu compromisso por um mundo justo para tantas/os que, desde a mesma ou de diversas fés religiosas, ou sem elas, creem poder transformar o mundo (Andrés Torres Queiruga), realizar aqui e agora o outro mundo possível. Poderíamos afirmar sem equivocar-nos muito que o espírito ecumênico do Concílio Vaticano II está se derramando sobre a Assembleia, não só através da oração aberta e diversa de cada dia, mas, sobretudo, pela presença de diversas confissões cristãs, de movimentos e organizações sociais juntamente com sacerdotes, religiosas, leigas/os católicos; pela atitude de escuta, diálogo e abertura que se respira; também pela forma como enfrentamos o medo e nossas diferenças; e, no entanto, permanecemos juntas/os.
O terceiro dia do Congresso nos recebeu como uma espessa névoa que, longe de alimentar nossas incertezas, repara nossos corpos, refresca nossas mentes, nos coloca em alerta, pois falta ainda uma parte do caminho a percorrer; o melhor ainda está por vir para esse encontro, para nossas igrejas, para todas as pessoas de boa vontade.
Brasil, 9 de outubro de 2012.

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