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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Decadência da Igreja Católica?


04.10.12 - Mundo 
Eduardo Hoornaert

Padre casado, belga, com mais de 5O anos de Brasil, historiador e teólogo, mais de 20 livros publicados. Mora em Salvador. Dedica-se agora ao estudo das origens do cristianismo
Adital

2 de outubro de 2012

Ouve-se falar hoje, aqui e acolá, em decadência da igreja católica. Efetivamente, há sinais de que essa igreja não esteja mais conseguindo corresponder aos anseios dos tempos em que vivemos, algo que a médio ou longo prazo pode significar o fim do projeto formulado 1500 anos atrás por Agostinho em sua obra ‘A cidade de Deus’, que está na base da igreja católica tal qual a conhecemos hoje. O grande teólogo apresentou, no século V, um dilema: ou você vive e milita na ‘cidade de Deus’, ou pertence à 'massa damnata' marcada pelo 'pecado original'. O projeto funcionou por longos séculos e agora chega ao fim.

O historiador inglês Arnold Toynbee formulou uma lei da história que me parece interessante para a discussão. É a ‘lei do desafio e resposta’, exposta no final de seu livro monumental ‘Um Estudo de História’ (Martins Fontes, São Paulo, 1986). Depois de estudar o surgimento, apogeu e declínio de 21 civilizações, Toynbee conclui: todo projeto humano é formulado para responder a determinados desafios, o que faz com que seja necessariamente incompleto, provisório e passageiro. Nenhum projeto humano pode aspirar à eternidade. Ora, escreve Toynbee, o fato de o papado ter reagido negativamente aos esforços de Cavour para unificar a Itália (início século XIX) marca os primeiros sinais da passagem para a lenta decomposição do sistema católico. O papa deixa de pensar no mundo e pensa em preservar seus privilégios. Isso é fatal.

A questão, hoje, consiste em ver se há condições de reformar o modelo, tornando-o capaz de responder aos desafios do momento. Não se pode responder a tudo, há sempre deficiência, mas penso que a atual situação consiste numa inaptidão generalizada.

Comparemos a atitude do papa diante da unificação da Itália (início século XIX) com os rumos que a França tomou no final do século anterior. A revolução francesa constitui um exemplo paradigmático de um projeto que responde de forma apropriada aos anseios do tempo. Dai seu sucesso. Os povos querem ‘liberdade, igualdade e fraternidade’, e a revolução responde positivamente. Uma postura totalmente diferente é a do papa, que vai assumindo sempre mais posturas reacionárias.

Toynbee vê nessa recusa do papa o início da decadência do sistema católico. Por encarnar o poder supremo por tantos séculos, o papado não tem mais sensibilidade diante do que se passa na realidade e isso constitui um sinal de decadência. Seguindo o raciocínio de Toynbee, não se sabe o que pode acontecer com a igreja católica. É possível que ela mude totalmente de feições ou mesmo desapareça do cenário histórico. De qualquer modo, aqui não se trata de um drama. Os projetos passam, a história passa. Os projetos humanos são todos provisórios.

O sonho de Agostinho deu origem a um grande projeto, que moldou o Ocidente. Mas ficou na contramão do desejo de liberdade hoje se manifesta de mil maneiras. Os tempos mudam e isso é bom.

O importante consiste em apoiar as energias positivas que atuam dentro do catolicismo, da mesma forma em que se devem apoiar as forças vivas existentes no candomblé, na igreja universal do reino de Deus, no pentecostalismo e em todos os projetos que procuram trabalhar para melhorar a vida da humanidade.

Enquanto o papa se afasta da vida vivida e se recolhe em seu 'Apartamento' e enquanto o vaticano se vê enredado em escândalos, os cristãos conscientes não enxergam nada de trágico em tudo isso. Só os que gostam de montar uma tragédia grega de paixões pelo poder, intrigas, hipocrisias é que comentam o tempo todo esses noticiários.

Os mais conscientes preferem ocupar-se de outros assuntos. Eles pensam no real drama de nosso mundo de hoje. Hoje, o drama é outro, o desafio é outro. O que importa é que o cristianismo signifique algo para os 50% da população mundial que vive curvada sob pobreza e miséria. No planeta em que vivemos, 25 mil pessoas morrem por dia de inanição e 16 mil crianças de fome. 852 milhões de pessoas passam fome. As fortunas das três pessoas mais ricas do mundo é superior ao PIB de 48 países. Os 5 % mais ricos ganham 114 vezes mais que os 5 % mais pobres. As pessoas que dormem na rua, as 864 favelas do Rio, as 20 a 25 pessoas que morrem por dia de forma violenta, no Rio, e que nem merecem mais uma menção no noticiário. Isso dá vergonha, isso é o drama. Que entre as 20 cidades mais desiguais do mundo, 5 são brasileiras (Goiânia, Belo Horizonte, Fortaleza, Brasília e Curitiba), eis o que dá vergonha. Que mais de 10 milhões de brasileiros vivem com menos de 39 reais por mês e que a Globo nunca dá esses números, eis a vergonha, eis o apelo para o cristianismo. O drama é que 10% das pessoas que vivem neste país detêm 75% da riqueza que o país produz, que 5 mil famílias (1%) controlam 45% da riqueza do país.

http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=71018

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