04.10.12 - Mundo
Eduardo Hoornaert
Padre casado,
belga, com mais de 5O anos de Brasil, historiador e teólogo, mais de 20 livros
publicados. Mora em Salvador. Dedica-se agora ao estudo das origens do
cristianismo
Adital
2 de outubro de 2012
Ouve-se falar hoje,
aqui e acolá, em decadência da igreja católica. Efetivamente, há sinais de que
essa igreja não esteja mais conseguindo corresponder aos anseios dos tempos em
que vivemos, algo que a médio ou longo prazo pode significar o fim do projeto
formulado 1500 anos atrás por Agostinho em sua obra ‘A cidade de Deus’, que
está na base da igreja católica tal qual a conhecemos hoje. O grande teólogo
apresentou, no século V, um dilema: ou você vive e milita na ‘cidade de Deus’,
ou pertence à 'massa damnata' marcada pelo 'pecado original'. O projeto
funcionou por longos séculos e agora chega ao fim.
O historiador inglês
Arnold Toynbee formulou uma lei da história que me parece interessante para a
discussão. É a ‘lei do desafio e resposta’, exposta no final de seu livro
monumental ‘Um Estudo de História’ (Martins Fontes, São Paulo, 1986). Depois de
estudar o surgimento, apogeu e declínio de 21 civilizações, Toynbee conclui:
todo projeto humano é formulado para responder a determinados desafios, o que
faz com que seja necessariamente incompleto, provisório e passageiro. Nenhum
projeto humano pode aspirar à eternidade. Ora, escreve Toynbee, o fato de o
papado ter reagido negativamente aos esforços de Cavour para unificar a Itália
(início século XIX) marca os primeiros sinais da passagem para a lenta
decomposição do sistema católico. O papa deixa de pensar no mundo e pensa em
preservar seus privilégios. Isso é fatal.
A questão, hoje,
consiste em ver se há condições de reformar o modelo, tornando-o capaz de
responder aos desafios do momento. Não se pode responder a tudo, há sempre
deficiência, mas penso que a atual situação consiste numa inaptidão
generalizada.
Comparemos a atitude
do papa diante da unificação da Itália (início século XIX) com os rumos que a
França tomou no final do século anterior. A revolução francesa constitui um
exemplo paradigmático de um projeto que responde de forma apropriada aos
anseios do tempo. Dai seu sucesso. Os povos querem ‘liberdade, igualdade e
fraternidade’, e a revolução responde positivamente. Uma postura totalmente
diferente é a do papa, que vai assumindo sempre mais posturas reacionárias.
Toynbee vê nessa
recusa do papa o início da decadência do sistema católico. Por encarnar o poder
supremo por tantos séculos, o papado não tem mais sensibilidade diante do que
se passa na realidade e isso constitui um sinal de decadência. Seguindo o
raciocínio de Toynbee, não se sabe o que pode acontecer com a igreja católica.
É possível que ela mude totalmente de feições ou mesmo desapareça do cenário
histórico. De qualquer modo, aqui não se trata de um drama. Os projetos passam,
a história passa. Os projetos humanos são todos provisórios.
O sonho de Agostinho
deu origem a um grande projeto, que moldou o Ocidente. Mas ficou na contramão
do desejo de liberdade hoje se manifesta de mil maneiras. Os tempos mudam e
isso é bom.
O importante consiste
em apoiar as energias positivas que atuam dentro do catolicismo, da mesma forma
em que se devem apoiar as forças vivas existentes no candomblé, na igreja
universal do reino de Deus, no pentecostalismo e em todos os projetos que
procuram trabalhar para melhorar a vida da humanidade.
Enquanto o papa se
afasta da vida vivida e se recolhe em seu 'Apartamento' e enquanto o vaticano
se vê enredado em escândalos, os cristãos conscientes não enxergam nada de
trágico em tudo isso. Só os que gostam de montar uma tragédia grega de paixões
pelo poder, intrigas, hipocrisias é que comentam o tempo todo esses
noticiários.
Os mais conscientes
preferem ocupar-se de outros assuntos. Eles pensam no real drama de nosso mundo
de hoje. Hoje, o drama é outro, o desafio é outro. O que importa é que o
cristianismo signifique algo para os 50% da população mundial que vive curvada
sob pobreza e miséria. No planeta em que vivemos, 25 mil pessoas morrem por dia
de inanição e 16 mil crianças de fome. 852 milhões de pessoas passam fome. As
fortunas das três pessoas mais ricas do mundo é superior ao PIB de 48 países.
Os 5 % mais ricos ganham 114 vezes mais que os 5 % mais pobres. As pessoas que
dormem na rua, as 864 favelas do Rio, as 20 a 25 pessoas que morrem por dia de
forma violenta, no Rio, e que nem merecem mais uma menção no noticiário. Isso
dá vergonha, isso é o drama. Que entre as 20 cidades mais desiguais do mundo, 5
são brasileiras (Goiânia, Belo Horizonte, Fortaleza, Brasília e Curitiba), eis
o que dá vergonha. Que mais de 10 milhões de brasileiros vivem com menos de 39
reais por mês e que a Globo nunca dá esses números, eis a vergonha, eis o apelo
para o cristianismo. O drama é que 10% das pessoas que vivem neste país detêm
75% da riqueza que o país produz, que 5 mil famílias (1%) controlam 45% da
riqueza do país.
http://www.adital.org.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=71018
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