16.10.12 - Mundo
Frei Betto
Escritor e assessor de movimentos
sociais
Adital
Na segunda semana de
outubro, a Unisinos, em São Leopoldo (RS), abrigou o congresso teológico que
comemora 50 anos do Concílio Vaticano II (1962-1965) e 40 anos da Teologia da
Libertação (TdL).
Convocado pelo papa
João XXIII, o Concílio reuniu em Roma quase todos os bispos católicos do mundo.
Os documentos ali aprovados representam uma profunda renovação na doutrina e na
prática da Igreja Católica.
À luz do Concílio, a
Igreja deixa de ser uma instituição triunfalista e clerical para ser
compreendida segundo o conceito dinâmico de povo de Deus a caminho na história.
A missa em latim dá lugar à liturgia em língua vernácula. A confissão auricular
entra em desuso e a comunitária passa a ser valorizada. As Igrejas protestantes
deixam de ser encaradas como inimigas ou concorrentes para serem acolhidas no
diálogo ecumênico.
Os judeus não são
mais acusados de deicídio, e tanto eles quanto os muçulmanos se tornam
parceiros dos católicos no diálogo inter-religioso. O papel dos leigos ganha
destaque na missão da Igreja. Teilhard de Chardin é reabilitado e a ciência é
vista como complemento à fé e não adversária.
A versão
latino-americana do Concílio foi a reunião dos bispos da América Latina em
Medellín, Colômbia, em 1968. Inaugurada com a presença do papa Paulo VI, a
conferência de Medellín aprovou documentos pastorais tidos como os mais
avançados na história da Igreja em nosso Continente.
Algo de novo já vinha
brotando no seio da Igreja antes mesmo do Concílio: as Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs). Devido à carência de sacerdotes, o povo simples da periferia e da
roça, na ânsia de adubar sua vida cristã, começou a se organizar em CEBs,
ativadas pelo método Ver-Julgar-Agir e pela contribuição pedagógica de Paulo
Freire.
Em suas reuniões e
celebrações, os militantes das CEBs cotejavam fé e vida, Bíblia e realidade
social, prática de Jesus e desafios atuais aos cristãos. Dessa reflexão,
colhida por teólogos, nasceu a Teologia da Libertação.
A TdL não é,
portanto, um sumário de conceitos surgidos da cabeça de teólogos progressistas.
É a sistematização teológica da vivência de fé de militantes inseridos em
movimentos populares, sindicatos e partidos. Vivência de fé no interior de
lutas guerrilheiras das décadas de 1960 e 1970, e do martírio de padres
revolucionários como Camilo Torres, na Colômbia, e Henrique Pereira Neto, no
Brasil. A TdL é fruto do diálogo frutífero entre cristãos e marxistas engajados
em lutas libertadoras.
Ora, todo esse
processo, tão vigoroso na Igreja Católica latino-americana entre 1960 e 1990,
entrou em retrocesso a partir do pontificado de João Paulo II. Anticomunista
ferrenho, o papa polonês, instigado pelo cardeal Ratzinger, teve o cuidado de
não nomear bispos, padres progressistas, e não valorizar as CEBs como
alternativa pastoral.
Embora jamais tenha
condenado a TdL, como sugere certa mídia, João Paulo II apoiou as duas Instruções
do cardeal Ratzinger, então presidente da Congregação para a Doutrina da Fé,
contendo reservas e censuras a essa linha teológica. Iniciou-se um acelerado
processo de "vaticanização” da Igreja Católica latino-americana. Aos
poucos, ela perdeu seu caráter profético de "voz dos que não têm voz”.
Morto João Paulo II,
assumiu o papado, sob o nome de Bento XVI, o próprio cardeal Ratzinger.
Terminada a Guerra Fria e desabado o Muro de Berlim, a conjuntura da América
Latina também sofrera substanciais mudanças, como o fim dos movimentos
guerrilheiros, das ditaduras militares e da militância revolucionária em prol
do socialismo.
A TdL, apregoaram
seus críticos, morreu! Nem ela nem as CEBs morreram, apenas refluíram - na
Igreja, por falta de apoio da hierarquia; no noticiário, pelo desinteresse da
mídia.
Agora o congresso de
São Leopoldo faz o balanço dos frutos do Concílio e dos 40 anos de TdL. Hoje,
essa reflexão teológica abrange também os temas candentes neste início de
século XXI, como a questão ambiental, a astrofísica e a física quântica, as
relações de gênero, a leitura feminina da Bíblia etc.
O congresso na
Unisinos quer, em suma, apenas encontrar respostas a esta pergunta: em um
Continente com tanta opressão, o que significa, hoje, ser discípulo de Jesus
libertador e fazer teologia em meio a uma população cuja maioria padece pobreza
e falta de direitos humanos elementares?
[Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de "Mística e espiritualidade” (Vozes), entre outros livros. http://www.freibetto.org - Twitter:@freibetto.
Copyright 2012 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato –MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)].
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